6. O sentido da vida, encontrar

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Caro Renato,

Foi com alívio em minha alma que recebi vossa aceitação a minha proposta de sermos amigos. Confesso que temi que fostes como os demais, mas graças aos céus, creio ter encontrado uma boa companhia, Deus sabe o quanto pedi por uma.

Espero que estejas bem. Tenho sentido uma angústia incomum me infligi o peito. Cheguei a ouvir essa angústia em forma de um lamento de doer a alma. Minha prima Manoela teima em dizer que estavas a sonhar, mas me pareceu deveras real o grito que ouvi, bem como a dor que senti. Talvez tenha finalmente enlouquecido...

Me senti compelida a buscar por notícias suas, não me perguntes o motivo, pois nem eu os conheço! Se me permites lhe pedi algo, peço-te que me respondas. Me tome por alguém que lhe invade vosso espaço pessoal, apenas sou uma amiga preocupada.

Passar bem senhor Renato.

Cordialmente,
Gizelly Bicalho Abreu Gonçalves Couto
Abril de 1886

Rafaella tinha a voz embargada e os olhos nublados pelas lágrimas que os cobriam. O papel, tremia em sua mão, a verdade a atingia com uma força descomunal. Respirava com dificuldade, sentindo seu peito subir e descer acompanhando as batidas aceleradas de seu coração. Gizelly havia sentido a sua dor. Mais que isso, havia ouvido seu adeus desesperado.

– Ela... ela... ouviu... a mim? – Depois de um longo tempo encarando a carta, levantou os olhos buscando por Alejandro. – Como isso é possível?

– Ao que vejo, existe uma ligação entre ti, e ela. O que vou lhe dizer, Rafaella, pode lhe parecer tolices, mas algumas pessoas nascem... predestinadas a se conhecerem.

– O que estas a dizer, Alejandro? A caso sugeres que estou na vida de Gizelly, e Gizelly na minha dês de sempre?

– Apenas veja os fatos Rafaella. Fostes tu a responder à primeira carta. Estavas mais animada com isso, do que o próprio Renato! E agora isso!

– Não me venhas com essas blasfêmias pagãs! – Rafaella se levantou do sofá sentindo o latejar constante na cabeça. A dor havia se tornado sua fiel companheira.

– Respeito vossa fé, da forma que peço que respeite a minha. – Alejandro usava um tom firme a olhando nos olhos.

– Perdoe-me, tens razão. Quem sou eu para falar de blasfêmias, quando estou a usar calças e prestes a me casar com outra mulher.

– Rafaella...

– Estou cansada, vou me retirar para meu quarto. Amanhã continuamos, sim?

– Evidentemente.

Rafaella sentou na cama refletindo acerca do que Alejandro havia falado. Havia crescido aprendendo que Deus era o arquiteto do mundo, e em sua misericórdia infinita, criou a mulher para servir de companhia ao homem. Era assim que era! Como poderia ter uma ligação com outra mulher? Ou estar predestinada a ela? Não fazia sentido! Que falta lhe faziam as irmãs. Teria corrido para sala da irmã Eveline, a velha senhora com toda certeza teria as respostas, ela sempre as tinha...

Sem que nem ao menos percebesse, estavas andando pelo quarto enquanto os pensamentos lhe davam voltas, e mais voltas na mente. E quando finalmente deu por si, estava sentada a sua escrivaninha com uma caneta tinteira em mãos e o papel de carta sobre a bancada.
"Gizelly... espero que um dia possas perdoar-me por mentir para ti..." Com esse desejo oculto em seu coração, Rafaella começou a escrever.

Manhã do dia seguinte...

O sol adentrava pelas cortinas abertas do escritório, e banhava o rosto de Sebastião com seu calor. Era a única coisa capaz de aquecer aquele homem que havia perdido a razão por completo. O frio da escuridão lhe abraçava com os braços firmes da amargura. Nada mais o importava, mas precisava garantir o futuro de Rafaella. Talvez a filha o odiasse, mas quando compreendesse que fazia, o que fazia, para seu próprio bem, lhe agradeceria.

Lies - GirafaOnde histórias criam vida. Descubra agora