Eu precisava de grana. Tinha faltado muito no trabalho e consequentemente fui mandado embora. Estava há algumas semanas sem trabalhar e não tive direito ao seguro desemprego. Quando o governo queria fuder a gente eles conseguiam, não tinha como fugir da fome. Um homem pode fugir da polícia, dos vendedores, de colegas chatos de trabalho, de mulheres ciumentas e pegajosas, mas não posso fugir da fome. Quando você menos espera, ela te pega de cheio e te enche de barulho estomacal. É como se formigas comessem o seu estômago e todos os órgãos que estivessem por lá, e depois beliscassem a sua pele por dentro. Doía, doía muito e por isso somos capazes de muitas coisas quando sentimos fome.
Tinha apenas uns trocados para um último drink. Fui até o bar mais perto e entrei, andei com passos firmes e confiantes e me sentei no último banco. Não queria ser visto, só tinha vontade de morrer sozinho na minha humilde derrota existencial. Pedi o drink e paguei logo, queria sentir a sensação de não ter mais nada, nada no bolso, nada na carteira, nada na barriga e álcool nos olhos. Bebi devagarzinho, saboreando cada gota, era a primeira vez que degustava de alguma coisa líquida. Por um lado a pobreza trazia essa atenção maior para detalhes que são geralmente esquecidos, eis aí o segredo da simplicidade.
Terminei o copo e Hank me preparava outro. Fiz que não com a cabeça.
- É por conta da casa.
- Muito obrigado Hank, você é o cara.
Beberiquei novamente, a cada copo uma tentativa de fazer dar certo, mas era como ir atrás do inalcançável. Meus problemas nunca seriam resolvidos, não em vida pelo menos. Uma senhora sentou-se do meu lado. Tinha na faixa dos 50. Bons peitos e boa coxa, não era de se jogar fora. Cabelos loiros e curtos e um sorriso intimador nos lábios.
- Quer outra bebida?
- Mas é claro, existem três coisas que não se pode negar, um copo d'água, um drink e um boquete.
- Então só falta o copo d'água.
Sorri e virei meu copo. Estava prestes a entrar no inferno, então abraçar o diabo não seria uma má escolha e sim o caminho.
- Estou vendo que é bom de copo, no que mais é bom?
- Eu já fui um bom escritor, escrevia sobre sexo e realidade pra valer, não como cinquenta tons de vergonha, mas era o novo Bukowski...
- E porque está aqui, agora?
- Isso aqui é o meu mundo. Tudo o que eu escrevi eu devo a esses copos vazios, mas são melhores cheios.
- Vê mais um pra ele.
- Obrigado. O problema não é onde eu estou, mas sim pra onde as pessoas pensam em ir. Elas não lêem mais coisas boas fazem séculos.
- eu concordo plenamente com você. Mas infelizmente não sou muito de ler. Gosto só de praticar esse seu gênero aí.
- Vou ser obrigado a te dizer que faz bem. Irei desistir desse mundo de ilusão, ele esta perdido.
- Não desista. Eu sei quem é você Victor Vitoriano. Não gosto de livros, mas o seu conseguiu me roubar minha atenção.
- Não acredito...
- Eu falo sério, tem muita coisa boa dentro dessa cabeça que todos precisam saber. Acabe com eles.
- Eu não sei mais se sou capaz.
- O que lhe falta?
- No momento? Sinto fome...
- Isso não será mais problema, vamos.
Por mais uma noite me senti salvo. Por mais uma madrugada iria atravessar, tendo que me vender, mas tudo aquilo iria mudar um dia, ou pra melhor ou pra pior.