EU VELO SEU SONO - Lançamento 28/03/22 - Em Andamento

13 - ORGANZA FRANCESA

— Eu quero ver minha sobrinha. O que aconteceu com ela? — A porta automática da Emergência do Hospital Beneficente Português, que fica no Polo Médico da cidade do Recife, abre sem dificuldades.

           O chamado Hospital Português, tem uma ala particular e outra do SUS. Elis está internada na segunda ala.

— Pastor Delgado — Detetive Jackson estende sua mão na direção do pastor que ignora o gesto. —, eu sou o detetive Jackson. — Continua o detetive, já acostumado com essas atitudes. — A sua sobrinha foi trazida para cá quase sem vida.

— O que vocês fizeram com ela? — O pastor olha para os lados colocando as mãos na cintura, ele está inquieto e angustiado. Ajeitando a gravata rosa, parece ter dificuldade em fixar sua atenção no que o policial está falando.

— Nós não fizemos nada. O senhor já deve ter sabido o que aconteceu.

— Como não aconteceu nada? Ela está em coma induzido pelo que fiquei sabendo.

— Eu não disse que "não aconteceu nada", falei que não fizemos nada que a colocasse no estado em que se encontra. O senhor escutou quando disse que seu irmão, cunhada e suas sobrinhas foram assassinadas a facadas?

             A pergunta atinge-lhe como uma pedrada. Sua respiração muda de ansiosa para ofegante. A ficha parece que enfim caiu.

           Tropeçando nas próprias pernas, pastor Luciano Delgado é segurado pelo detetive que ajuda-o a sentar na cadeira de estofado azul do hospital.

           Jackson tem pena do pastor que se debruça sobre os joelhos e chora. Helena, a esposa do pastor, entra apressadamente pela porta do hospital, seguida por outro casal: Pedro Chaves Xavier e Marta Xavier.

           Helena, envolve o marido com um abraço amoroso.

— E já acharam os assassinos? Por que não acredito que foi minha sobrinha Elis. — Luciano Delgado resmunga baixinho.

— Infelizmente não temos outro suspeito. — O pastor limpa os olhos carregados de vermelhão por causa do choro. — Os primeiros policiais que chegaram no local, encontraram Elis sentada no sofá da sala... — Jackson morde os lábios, evitando continuar a contar os pormenores e com receio do pastor tomar outro choque de realidade com um relato mais detalhado.

— Qual o problema? Vamos homem! Continua! Desembucha!

— Meu amor, ele não precisa dizer mais nada. — Helena olha para Jackson e diz: — Não precisa continuar policial, nós já sabemos dos detalhes.

— Não me diga o que devo ou não saber, mulher. Vamos detetive... continue. Pior não pode ficar.

           Jackson dúvida dessa última frase dita pelo Pr. Delgado. Ele sabe que em casos parecidos com este, sempre o temporal piora... e muito.

— Ela escolheu... partes... dos corpos, dos pais para estarem ao lado dela.

           Pedro Chaves Xavier e esposa se entreolham.

— E minhas sobrinhas? — Jackson percebe a tensão da esposa do pastor aumentando com a nova pergunta do Pr. Delgado.

— Não tocou nelas. Elis não mexeu nos corpos. — Propositalmente, o policial não conta sobre a quantidade de facadas que as pobres meninas levaram, que de tantas, os corpos delas quase lembravam picotes de jornal velho. — O senhor saberia dizer como era o relacionamento familiar na casa do seu irmão?

— O que? Não entendi. Relacionamento de quem? — A pergunta acontece depois que Pr. Delgado se liberta dos pensamentos que o atormentavam quando pensava nas suas sobrinhas pequenas.

— De Elis com os pais.

— Eles a amavam! Meu Deus! Ela era amada! Aquela menina sempre foi amada e muito amada. O que está insinuando?

— Pastor Delgado, não estou insinuando nada. Preciso de informações... sua sobrinha entrou num estado catatônico depois de falar alguma coisa sobre "Mea culpa"... Acho que foi isso... ou, algo assim.

— Meu Deus...

O silêncio é sentido na pele da nuca do pastor, como se um fino tecido branco, quase transparente, de organza francesa, tocasse-a, trazendo prenúncio de mau agouro.

— "Mea Culpa, mea última culpa"... foi isso que Elis disse? — Pergunta Helena.

— Sim. Foi exatamente isso que ela disse, antes de entrar em coma.