20 - AS TRÊS LETRAS...

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Fogo. Água. Trovões e alucinações tentavam destruir Jude Salomão. Se podemos afirmar isso, a loucura estava insana.

Bolhas em chamas caíam do céu, tentando acertar a jovem de cabelos lilás e esvoaçantes, que corria tentando se salvar.

Jude percebe que está correndo em círculos, dentro dessa grande floresta cheia de árvores, que tem copas altas, aumentando assim seu desespero.

As copas das árvores começam a se explodirem por causa dos ataques aéreos flamejantes, criando inúmeras explosões que acabam jogando restos de materiais inflamáveis em cima de Jude Salomão, que tenta se proteger a todo custo.

         Não demora muito para que outra novidade comece a ser ouvida pela Insider... o estrondo que ela escuta não é de trovão, mas, de grandes quedas d'águas vindo em sua direção.

O som da grande inundação parecia vir logo atrás dela, crescendo a cada instante, como se estivesse beliscando seus calcanhares, forçando-a correr cada vez mais.

Jude quanto mais corria, mais podia escutar o barulho das árvores sendo arrancadas devido a força das águas... a quebradeira parecia agora estar correndo ao seu lado.

E se não bastasse tudo isso, almas penadas de inúmeras mulheres mortas, com seus corpos mutilados, aparecem do nada procurando chamar a atenção de Jude Salomão e puxando-a ou tocando em seus braços.

Mulheres de todas as idades e cores, cabelos curtos ou longos, olhos verdes, azuis, amarelos ou castanhos, procuravam com insistência arrastar Jude Salomão para junto delas.

As mulheres clamavam por ela!

Clamavam por ajuda!

           "AJUDE-NOS! NÓS IMPLORAMOS."

E, num coro uníssono, falaram algo que a jovem Insider não entendeu.

Jude entendia claramente seu nome, mas, o que era repetido em voz alta, como um alerta, ela não conseguia entender.

O tempo mudou novamente e com ele a dinâmica daquele mundo.

          Árvores sumiram. O fogo acabou. As mulheres ficaram imóveis como uma estátua de sal. Porém, algo nunca visto antes por Jude Salomão, começou a acontecer.

Sabiás e mais sabiás começaram a cantar. Não se sabe de onde vieram ou como apareceram, mas, eles estavam ali! Milhares deles cantando... e Jude Salomão, sertaneja de nascença, sabia que sabiá cantando é chuva chegando.

Os trovões iniciais mostraram para Jude Salomão três coisas... que a chuva seria abundante, intensa, volumosa, que o cenário catastrófico continuava a mudar quanto mais ela corria seguindo em frente e que ainda conseguia ler os sinais da natureza.

Pingos se desprendem das nuvens, caindo pesadamente retos como se fosses bolas de gude  de ferranças... aquelas feitas de ferro.

Os sabiás cantam mais alto, louvando a chuva que cai do céu com pingos que mais parecem agulhas afiadas de seringas.

Os bois atolados nas lamas encharcadas de sangue, eram espetados pelos pingos que caíam com a chuva, ao mesmo tempo que eram sugados para as profundezas da terra, juntamente com pedaços de lixos que pareciam ondas.

Os animais mostravam através dos olhos expressivamente esbugalhados, o terror de estarem sendo tragados para dentro da lama encharcada de sangue, que brotava dela.

Os sapos vomitavam a água que beberam em excesso, para logo em seguida começarem a gritar e urrar pelo nome de Jude Salomão, lamentado com vozes trêmulas o triste fim que tiveram

Jude cai ribanceira a baixo, rolando pelo lamaçal de sangue que parece não ter mais fim.

Na verdade, era uma imensa duna de lama erguida na beira do mar, encharcada com sangue vivo e grosso que acabou de ser expulso da veia aorta.

Banhada de sangue, Jude Salomão ergue sua cabeça de dentro da água lamacenta e para seu desespero, a mesma casa abandonada da sua primeira incursão, quando entrou na mente de Aline, estava bem ali na sua frente.

Jude Salomão olha para seu lado direito e os sapos estão pulando para frente, para trás e para todos lados em total silêncio e numa sincronia angustiante.

O céu não rasgava mais ao som de raios e trovões.

O céu estava agora calado e pintado com um terror respirável.

Aquele tipo de terror que trava as pernas, seca a garganta e anula o instinto de sobrevivência.

O terror que apunhala as costas, tira o coração pela boca e faz a urina banhar os pés descalços.

O inefável terror que evapora as águas dos olhos, tirando toda esperança do olhar como faz a seca no sertão.

Os Sabiás, que passam três meses cantando a chuva que vai chegar e depois ficam nove meses calados, rezando em silêncio porque o bico foi rachado pela seca, fome e calor, começam a despencar mortos dum céu que mais lembra a escuridão vivida por um Assum Preto, que é cegado propositalmente pelo dono para não deixar de cantar noite e dia.

Jude, ainda ajoelhada começa a chorar sentindo o lamento de todas as almas perdidas daquele lugar e coloca suas mãos tapando os ouvidos em pura agonia.

Quando Jude enfim abre os olhos, uma menina de 11 anos está parada ao lado da casa em ruínas.

A saída que fora usada por ela e Aline, anos atrás, agora é uma parede enfeitada com pregos enferrujados de todos os tamanhos.

A menina estende sua mão esquerda na direção de Jude Salomão que busca forças para se levantar de dentro do lamaçal.

Porém, para desespero da jovem de cabelos lilás, escurecidos por causa do sangue batido, o demônio de olhos amarelos sai de dentro da casa se rastejando igual uma cobra, para abraçá-la assim que chega por atrás dela.

Levantando-se com hercúlea força, Jude Salomão corre na direção da menina o mais rápido que pode e que para seu franco desespero, o demônio segue arrastando a menina com parcimônia para dentro da casa em ruínas.

O olhar do demônio transcende um prazer palpável, ao contrário do olhar da menina que transcende o terror sentido a pouco por Jude Salomão.

Para desespero de Jude Salomão, ela não consegue influenciar em nada aquele ambiente hostil. Nada pode ser criado por ela que salve aquela criança.

Jude choca-se contra uma parede invisível e afogada no desespero da sua impotência, ver a menina sumir entre as ruínas que começam a piscar num frenesi psicodélico, iguais as luzes de neon captadas pelos olhos de uma pessoa embriagada numa montanha-russa desgovernada.

As três letras, vistas anos atrás, piscam freneticamente:

P.C.X.P.C.X.P.C.X.P.C.X.P.C.X.P.C.X.P.C.X.P.C.X.P.C.X.P.C.X.P.C.X.P.C.X.P.C.X.P.C.X.P.C.X.

Jude Salomão acorda gritando tão alto quanto a sua garganta permite e seu pulmão aguenta.

Ela está banhada em suor e seus cabelos pingam encharcados. Seu coração está tão acelerado que ela pensa que vai enfartar e logo entende o porquê de não ter podido fazer nada... o sonho era seu.

Porém, algo estranho imediatamente acontece. A televisão liga sozinha num canal jornalístico que noticia:

— Lisalma Fernada de Castro, de onze anos, encontra-se desaparecida desde ontem. A menina não chegou em casa depois que saiu da escola. Seus pais estão conversando com a polícia que desde ontem faz diligências procurando pistas. O local não tem câmeras.

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⏰ Última atualização: Jun 30, 2023 ⏰

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