19 - FARDO

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Jude se levanta de pronto. Não sabe quanto tempo dormira. Estava muito cansada e pensativa na conversa que teve com Aline.

"Que horas são? Quanto tempo fiquei apagada?"

Ferozmente procura seu celular para saber que horas são. "Merda de sofá gostoso para dormir", reclama Jude enquanto procura pelo aparelho que tem na marca uma maçã mordida, com capa branca.

Para sua surpresa, o sono de dez minutos pareceu de um dia. Passando as mãos no cabelo lilás, Jude Salomão respira aliviada e levanta-se caminhando na direção da cozinha.

Jude, depois das incursões, deixou de usar relógio de pulso. O tempo numa incursão não tem precisão de segundo igual ao nosso, logo, preferiu deixar de usar qualquer tipo de relógio para não sentir-se tentada a guiar-se pelo dito cujo.

Lá, no mundo dentro das mentes dos convalescentes, dos que estão em coma, o tempo é governado pela própria pessoa.

As armadilhas? São criadas por elas também. A mente sempre trabalhará para expelir o invasor... e apenas isso, por si só, já muda completamente todo o roteiro que Jude Salomão poderia ter em sua cabeça que nunca descansa.

Não adianta fazer uma estratégia de invasão, procurando identificar previamente os riscos que poderão acontecer ou mesmo saber previamente qual melhor caminho a seguir.

Não existe essa possibilidade. O bordão "cada cabeça é um mundo", sem sombras de dúvidas é uma das maiores verdades que já foi dita. Jude Salomão sempre correr perigo de ser absorvida e podendo morrer inclusive na sua forma física.

A jovem Insider, abre a geladeira e procura algo para comer e para sua surpresa estava vazia. Ela esqueceu que não comprava nada a dias a as garrafas coloridas cheias de água, desfilam em fileiras paradas, imóveis, dentro do refrigerador Samsung.

            Enquanto bebe a água gelada, Jude se lembra que Aline lhe fez um pedido de cunho pessoal. Em nome da antiga amizade. Porém, vale observar que Aline quase nunca lhe pede nada.

Haja vista, mesmo sendo amigas a muitos anos, Aline sabe que a cada nova visita no mundo etéreo das mentes invadidas, Jude nunca volta igual.

Porém, mesmo que Aline não tivesse pedido nada, somente o fato dela ter visto aquele desenho do demônio Ozob, feito pela menina acusada de matar a família, já seria um motivo necessário de uma incursão.

Jude sai da cozinha e vai para seu quarto. Ela tem colecionáveis da DC de todos os tamanhos e formas. As pranchas fixadas nas paredes, desfilam incontáveis heróis, conhecidos e desconhecidos.

Inúmeros Coringas lado a lado com seu Batman antagônico. O mal abraçado com o bem. No lugar onde deveria ter uma luminária de teto, tem uma Nave, um Batwing com quase um metro de comprimento... a réplica do que foi usado no BATMAN de 1989, com Michael Keaton.

Dois totens no chão com duas lutas épicas entre o morcego segurando o pescoço do Superman enquanto se prepara para esmurra-lo com uma soqueira verde, de Kryptonita.

A outra escultura, um pouco mais à frente, tem Bane de frente para Batman, onde os dois estão trocando sequências de socos... tipo aquelas trocação insana entre pesos-pesados no UFC.

Quando liga a televisão fixada na parede, o celular toca, fazendo Jude despertar do devaneio repentino que passa em sua cabeça.

E aí flor do dia?

— Bença, papai. — Jude desde que criou o hábito de pedir a benção aos seus pais, nunca mais deixou. Senhor Xavier, conhecido também como "Seu Xaxá", como é conhecido pelos vizinhos, liga sempre no mesmo horário e pergunta:

Como foi seu dia?

— Igual a todos os dias pai...

Vixe... que voz cansada.

— É... eu sei. Realmente estou cansada. — Jude não queria falar com seu pai sobre sua insatisfação com a vida, nem o desejo que tem todas as noites, de ser abençoada com o dia que não precisará mais dormir porque não acordou.

Meu amor, você sabe que te amamos e que você é nossa riqueza.

         "É só por isso que sigo." - Pensa Jude.

— E eu amo vocês também... é que estava pensando no caso da menina que matou toda família...

— Entendo..., lhe pediram para fazer aquilo de novo, não foi?

— Eu sei que bem o senhor e nem mamãe aprovam o que faço, mas, é o que me mantém — Jude para de falar. O silêncio é breve, mas cortante. Então ela conclui: —...  Aqui. É o que mantém com esperança na humanidade.

            Paulo Cézar Xavier Salomão, pai de Jude Salomão, entende que o "Aqui" nada tem haver com "humanidade". E isso o deixa preocupado. Porém, como sempre faz, guardará para si suas angústias e incertezas.

                É como se Seu Xaxá tivesse cômodos dentro da sua mente. Portas e mais portas que trancam seus demônios e fantasmas interiores em compartimentos definidos. Cada um no seu quadrado.

          Ao fazer isso, Seu Xaxá vem poupando Dona Selma Salomão de inúmeras agruras e sofrimentos. Haja vista, os comprimidos de tarja preta não ajudam em sua totalidade.

Bom, só liguei para saber como está minha flor. Minha filha, o que você precisar sabe onde é sua casa.

— Eu sei papai. Te amo.

             Os telefones cessam a ligação quase ao mesmo tempo. Jude, continua parada fitando o aparelho vermelho.

            A família ainda se recupera do luto pela perda de um membro... seu irmão se foi muito novo. Há nove anos atrás. Acidente de carro.

           Jude, cai de costas na cama e se apaga em segundos... o fardo pesou em seus ombros.

EU VELO SEU SONO - Lançamento 28/03/22 - Em Andamento Onde histórias criam vida. Descubra agora