III

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Murray.

Era tudo o que ela sabia sobre o rapaz que furtivamente invadia seus sonhos por noites a fio.

Real, afinal de contas.

Devia haver alguma explicação para Olivia ter sonhado com ele, certo? Pesquisaria mais sobre isso depois. Porque se ele era real, a outra alternativa a ter sonhos do nada com alguém real sem ao menos conhecê-lo seria que talvez ela estivesse ficando louca.

Mas pelo menos agora ela tinha um nome em que se agarrar para começar sua busca.

E sendo uma MacMillan, não levou mais que dois dias para descobrir mais sobre o garoto.

Stalker? Não bastava os outros adjetivos pejorativos com os quais ela mesma e os demais a nomeavam, agora tinha mais essa.

Ethan Murray morava com o avô materno num casebre velho e quase caindo aos pedaços desde os 13 anos, depois que sua mãe faleceu de câncer. As informações sobre o pai divergiam, mas sabia-se que ele vivia uma vida relativamente confortável, enquanto o filho morava numa casa humilde na cidadezinha de Harpers Ferry com o velho Murray.

Ele também estava no último ano, embora não tivessem nenhuma aula juntos. Era um garoto que cuspia nas regras e fumava maconha no horário entre as aulas. Era o que diziam. E se as drogas não eram um indicativo suficientemente bom para se manter bem longe, as duas passagens na polícia por causa de brigas de rua certamente o eram. Apesar de problemático, Ethan era um garoto decente à primeira vista — e a todas as outras vistas também. Quer dizer, seus olhos castanhos-dourados e 1,90 de altura eram convidativos para qualquer garota com olhos que se desse ao trabalho de olhar duas vezes. Mas, depois do garoto ter saído dos seus sonhos para o mundo real, aquilo havia se tornado quase irrelevante. Quase.

Olívia com certeza não era exatamente o tipo dele. O tipo de nenhum dos garotos da cidade. Ela não sabia em qual ponto aquilo deixava de ser uma coisa boa. Assim não precisaria se casar com nenhum deles e poderia cair fora daquela cidade. Em contrapartida...

A garotinha dos MacMillan era sem graça, para dizer o mínimo. Era quase medíocre. Mas isso não importava muito também. Ser quem os outros queriam que ela fosse era muito mais fácil que tentar se encaixar de alguma forma. Assim ela não precisaria lidar com a decepção que era ser ela mesma.

Então Olívia se deixava ser a garota perfeita. Era patética, na verdade.

Com a recente descoberta de que Ethan não era totalmente como em seus sonhos, ela não sabia se aquela informação era ruim. Ou boa, se fosse fazê-la parecer menos louca do que ela se achava.

Era lindo, o típico garoto-problema. Como se tivesse realmente saído de um sonho, um anjo rebelde. Ela guardou esse fato bem no fundo de sua mente e tentou, com muito afinco, ignorar o fato de que, quanto mais o tempo passava, mais vontade tinha de procurá-lo e ver até que ponto ele se diferenciava da versão que ela criou em sua mente.

***

A verdade é que Olívia odiava azeitona desde sempre. Ela não sabia explicar o motivo. Azeitonas simplesmente estragavam toda e qualquer comida e ela odiava. Ponto final.

Ter um dia ruim não era atípico, mas aquele em específico, logo na parte da manhã, já havia superado muitos dias ruins de sua lista. E para completar, havia aquelas azeitonas infestando sua comida.

Ela estava pensando no quanto odiava azeitonas enquanto as afastava para a borda do prato quando viu de relance alguém se sentar ao seu lado na mesa do refeitório.

—Não é irônico que MacAzeitona não coma azeitona? — brincou Ethan.

—O que está fazendo?

—Se chama conversa. Devia tentar de vez em quando ao invés de fazer as pessoas tirarem conclusões erradas sobre você antes de tê-las — Olívia não sorriu —É brincadeirinha, MacMillan.

—Bom, melhor sair de perto de mim, ou vão tirar conclusões erradas sobre nós dois — respondeu ela, sem tirar os olhos do prato.

—Eu apenas fiquei curioso. Me intriga pessoas que não gostam de certos tipos de comidas. Azeitonas, por exemplo — Ethan insistiu.

—Muitas pessoas não gostam de muitas coisas, Murray. Eu, por exemplo, não gosto de pessoas que atrapalham meu almoço.

—E pessoas que andam por aí vasculhando a vida dos outros? — Olívia não respondeu. —Digamos que eu tenha que entregar um trabalho de Sociologia e você é meu experimento social — aquilo era mentira. Ethan não tinha aula de Sociologia. Olívia sabia disso porque ela tinha —Eu apenas me perguntei, Olívia MacMillan, como pode descartá-las se nem ao menos as conhece?

Olívia não respondeu. Não parecia que ele estava falando de azeitonas. Ela suspirou, preparando-se para responder, mas quando levantou os olhos, Ethan tinha sumido.

CONTOS DE GAVETA [Concluída]Onde histórias criam vida. Descubra agora