—Tem carne assada e pão para você na cozinha — o avô o cumprimentou assim que abriu a porta da frente.
—Não estou com fome.
—Pensei que drogas dessem fome — murmurou o velho do sofá.
—Então o senhor acordou de mau humor, velho Murray? — ele não respondeu —Tudo bem, obrigado, vou comer, você que manda. Feliz assim?
—Tem que se cuidar, garoto. Pela sua mãe.
—Minha mãe morreu, Murray. E duvido que ela volte só para me fazer comer —o avô suspirou, cansado.
Há muito tempo ele tentava colocar algum juízo na cabeça do neto. Sem sucesso na maioria das vezes.
—Está brincando com a vida, rapaz.
—Está tudo sob controle, vô — Vô. Chamá-lo assim o acalmava. Na maioria das vezes.
—Não tente me manipular. Você é igual a sua mãe.
—E o senhor era louco por ela — o avô não respondeu. Ethan suspirou — Tudo bem, comer... o quê mais?
—Ir para a escola — Ethan deu um meio sorriso, já prestes a falar, quando o avô completou: —Ir para a escola e assistir às aulas. E maneirar na erva.
Ethan sorriu.
—Mais alguma coisa?
—Você é um garoto inteligente, Ethan. Use sua inteligência.
—Sim, senhor — Ethan deu um último sorriso ao avô antes de sair para a cozinha.
A vida de Ethan era aquilo. Morava com o avô desde os 13 anos, quando se cansou do pai e a família ridícula de comercial de manteiga que ele arranjou 3 meses depois que sua mãe morreu de câncer quando tinha 7 anos. Foi a melhor decisão que ele tomou, para ser sincero. A única decisão boa da lista de péssimas escolhas que tomou depois de chegar em Harpers Ferry. O velho Murray o acolheu, e apesar de ser tão bom quanto ele no quesito demonstração de afeto, lhe deu tudo o que ele não tinha na casa do pai. Um pedaço de sua mãe.
Clarisse era seu nome e ela era incrível. Era doce e engraçada e linda. E gentil. E merecia uma vida longa e maravilhosa ao invés de uma droga de câncer aos 25 anos, que consumiu sua vida num período de 5 meses sofridos.
Então Ethan foi comer. O avô não sabia cozinhar, o que fazia daquilo uma grande demonstração de afeto no estilo Murray, e ele não podia fazer isso com seu velho.
—O senhor se superou, Murray. Estava delicioso. Eu até guardei uns pedaços de carne para mais tarde. — disse, subindo as escadas. O avô resmungou alguma coisa, provavelmente já pegando no sono no sofá, então Ethan continuou subindo as escadas até seu quarto.
Ele se deitou na cama, os lençóis amarelo-vômito emaranhados o recebendo, e ficou deitado para cima, olhando para o teto. Então o som da risada de Olívia lhe veio à mente e ele sorriu. E continuou sorrindo ao pensar naqueles olhos verdes, no contraste que faziam com a pele muito branca e as sardas que pintavam seu nariz.
E sorriu mais ainda ao pensar na boca tão pequena e tão rosada. Ethan não entendia como aquelas pessoas podiam tratar Olívia como tão menos do que ela era. Linda, inteligente, gentil. E ele tinha certeza de que ela tinha muito mais adjetivos se as pessoas se permitissem conhecê-la. Eram tolos idiotas e meninas insuportáveis e invejosas. E Olívia dizia que não se importava, mas no fundo ele sabia que não era verdade. Porque ele mesmo dizia isso às vezes, mesmo quando sabia que se importava, e muito.
E ele achou que seria uma boa ideia se alguém fosse inteligente o suficiente para se dar ao trabalho de conhecer Olívia. E pensou que seria uma ideia ainda melhor se a pessoa a fazer isso fosse ele.
"Tomei uma decisão inteligente, Murray, volto antes das 10. — Ethan"
Ele escreveu num papel e colocou em cima da ilha, visível, para que o avô visse o recado quando acordasse. Então saiu de casa e foi para o único lugar onde tinha quase certeza de que Olívia estaria.