VI

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O velho Murray ainda estava deitado no sofá quando Ethan chegou. Ele e Sammy entraram sem fazer barulho, mas o cachorro começou a latir para o homem deitado no sofá. Samvel nunca latia daquele jeito. Nunca. Ethan chamou o avô. Sem resposta. Então ele percebeu. Percebeu seu erro. Foi quando seu mundo virou um abismo e ele se viu bem ali, à beira de cair no nada. Murray não respirava. Seu avô... e estava assim havia horas. O relógio começou a bater mais devagar, o mundo girava mais devagar enquanto ele corria para o telefone, para ligar para a emergência. Talvez desse tempo de salvá-lo. Talvez...

Minutos, horas, dias se passaram até que a ambulância finalmente chegasse. Tarde demais... era tarde demais. O avô estava indo e não havia nada que Ethan pudesse fazer para impedir. E ele não fizera nada a respeito, tão ocupado com sua própria vida, que nem sequer percebeu que o velho Murray não estava bem havia tempos. Ethan não conseguia respirar. Não havia ar. Não havia mais nada. Só um buraco enorme no lugar onde o velho Murray deveria estar. Saudável, sendo carrancudo, lhe lembrando de voltar a vida.

Após horas na sala mortalmente branca e esterilizada, esperando e se afogando na angústia de sua espera, um médico que ele não lembrava o nome lhe trouxe a notícia. O velho Murray havia falecido, e embora tendo bravamente pela vida, foi seu velho coração quem decidiu dar cabo ao sofrimento. E agora a dor de viver finalmente chegara ao fim.

Ethan sabia que ninguém iria ao funeral.

***

Ethan Murray, drogado e órfão. Completamente. Sua mãe estaria tão orgulhosa. Mas ele não era exatamente útil naquela cidade. Ele não era exatamente útil nessa vida. E ir para o mesmo lugar onde sua mãe e o velho Murray estavam seria fácil. A vida é tão absolutamente frágil que seria necessário muito menos que uma arma ou uma corda. E toda a dor sumiria. E toda a culpa que parecia querer consumi-lo se esvairia, escorreria como água pelo ralo.

Aquela ideia não saía da sua cabeça. Ficava dançando e cantando em volta de seus pensamentos. Vamos, Ethan, alguns comprimidos e vão pensar que o luto te fez exagerar. Ninguém vai culpar um drogado órfão de cometer suicídio, seus pensamentos berravam enquanto ele era engolido pela dor.

Você o matou.

Você fez isso quando o deixou sozinho.

Você o matou aos poucos quando trouxe a bagunça que você é para a vida dele.

Você o matou e o deixou apodrecer nessa casa.

Você o matou.

Você o matou...

Ele viu sua mãe enquanto os pensamentos o sufocavam. A viu naquele leito, tão infinitamente magra, o câncer sugando sua vitalidade, ele a viu e ouviu suas palavras: — Você o matou, Ethan. Você matou o meu pai.

Ethan enxugou as lágrimas e saiu de casa.

Tomou outra decisão. Estava apenas escolhendo para qual lista essa decisão iria. Se bem que, depois de morto, isso pouco iria importar.

***

Olívia não sabia se era um bom momento para ligar. Prestar condolências, talvez. É claro que ela sabia o que tinha acontecido. Todos da cidade sabiam. Murray era conhecido. Ele era um velho respeitado, apesar de ninguém da cidade se dar ao trabalho fazer o mínimo enquanto ele e o neto viviam numa cabana em péssimo estado por anos. Ele era aposentado do exército, tinha lutado, sangrado e quase morrido pelos Estados Unidos na segunda guerra quando seu comando quase foi exterminado e ele precisou voltar todo emendado para única família que tinha. Desde então, o velho Murray mal era visto fora de casa, ainda mais depois da morte da filha, de câncer, anos depois. A mãe de Ethan.

O celular tocou. Caiu na caixa postal no quinto toque.

E se Ethan não quisesse conversar? Seria compreensível. Ele tinha acabado de perder o avô. Estava sozinho. E esse pensamento foi o suficiente para fazê-la discar o número e ligar novamente.

—Ethan, eu... — ela falou assim que ele atendeu.

—Olívia? - disse, a voz rouca. Ela percebeu que Ethan havia chorado. Por muitos minutos, se a voz rouca era um indicativo.

—Onde você está?

—Ponte Sheffield. Eu... — ele falou, e se interrompeu. Não conseguiu dizer a ela o que estava prestes a fazer.

—Estou chegando, Murray.

—Você não precisa...

—Eu preciso sim. - ela respondeu e desligou.

Olívia sentia em seu coração que precisava ser rápida. Então ela pegou sua bicicleta velha e pedalou o mais rápido que pôde até seu novo amigo.

CONTOS DE GAVETA [Concluída]Onde histórias criam vida. Descubra agora