VII

2 1 0
                                    

Lágrimas teimosas caíam incessantemente de seus olhos, encharcando sua camisa. Ele estava ali, estava pronto para se entregar. Ethan estava pronto para encontrar Clarisse e seu avô. Pronto para finalmente — finalmente — acabar com toda essa merda, essa bagunça que sua vida tinha se tornado. Que sempre tinha sido. Uma parte ínfima de seu ser estava ansiosa por isso.

Ele reuniu toda a coragem que tinha para subir no parapeito desgastado da ponte. Só era necessário soltar as mãos e se entregar à queda. Se entregar à morte, de uma vez por todas. Mas então, Ethan ouviu o toque. Na mochila, largada no chão, seu celular tocava uma música agitada. Isso o alarmou. Talvez fosse um sinal. Talvez seu avô, sua mãe ou qualquer força que ele não conhecia estivesse tentando salvá-lo de si mesmo. Mas o toque parou logo em seguida e esse pensamento se dissipou com a música.

Ethan suspirou. Estava pronto. A madeira rangeu, reclamando seu peso.

E seu celular começou a tocar novamente.

Ethan não poderia ignorar dessa vez.

Com cuidado, desceu do parapeito e sacou o celular de dentro da mochila. Suas mãos tremiam, ele percebeu. Mas o tremor passou assim que atendeu no terceiro toque e ouviu a voz afobada do outro lado da linha. Seus olhos arregalaram levemente ao ouvir o tom doce da pessoa que o tinha interrompido.

Olívia.

E ele tentou falar, explicar que não era um bom momento. Mas as palavras lhe fugiram, foram sugadas para dentro de sua boca. Então ela estava indo a seu encontro e ele não tinha escolha senão adiar o que estava prestes a acontecer. Por enquanto.

Ethan ouviu quando ela chegou, largando a bicicleta no meio fio, sua respiração ofegante:

—Eu vou... te ajudar — falou, a respiração entrecortada.

—O que?

—Com seu... experimento... social — Olívia esclareceu.

—Olívia... — mas ela levantou o indicador, pedindo um minuto, enquanto recuperava o fôlego, e ele parou de falar. Quando Ethan viu que a respiração da menina dava sinais de querer normalizar, continuou: — Você está bem?

—Aceita tomar um café... comigo? E aí eu te falo o que descobri para seu experimento — os olhos verdes estavam saltados, em contraste com o rosto vermelho e os fios de cabelo grudados na testa. Ethan apenas a encarava.

—Quantos minutos levou da sua casa até aqui?

—Cinco.

—Você bateu um recorde, MacMillan. Não é à toa que parece que pode desmaiar a qualquer momento — Olívia não respondeu dessa vez e ele percebeu que era porque ela ainda estava esperando uma resposta. Será que ele tinha se enganado ao pensar que ela havia adivinhado que na verdade não havia experimento social algum? — Mas eu não bebo café.

Olívia levantou os olhos, encontrando os dele.

—Eu também não. Mas conheço um lugar legal para conversar.

Os dois continuaram se olhando pelo que pareceu uma eternidade. E Ethan não se importaria de fazer exatamente isso durante a eternidade, mas ela se virou, indo em direção a bicicleta. Ele viu isso como sua deixa para pegar sua mochila e começar a andar para onde quer que ela o levasse.

Ethan olhou mais uma vez para aquele parapeito e um tremor percorreu seu corpo. Parou na ponta dos dedos e permaneceu ali. Ele apertou a alça da mochila deixando os nós dos dedos esbranquiçados. Então virou as costas para a morte e começou a seguir Olívia.

***

Harpers Valley Cafe havia sido uma charmosa lanchonete alguns anos antes. Um bom lugar para ler um livro, ter conversas amigáveis ou até mesmo cortejar uma garota bonita. Abandonado, o café era mais um lembrete constante de que as coisas, por mais belas ou boas que fossem, eram efêmeras.

Trepadeiras e camadas de pó e sujeira ocultavam as enormes janelas de vidro, mas se você fosse observador o suficiente ainda conseguiria ver a beleza do lugar sob o véu desgastado dos anos. As requintadas cadeiras de ferro estavam cobertas com lençóis brancos amarrotados e o papel de parede vermelho estava sujo e caindo.

Mas Olívia abandonou a bicicleta aos seus pés na entrada do café e olhou para Ethan, que não havia falado uma só palavra desde que começaram a andar um ao lado do outro. O garoto havia tirado uma garrafa do que com certeza não era água da mochila e continuou andando pelas ruas calado. De vez em quando ela o sentia olhando-a, mas nenhum dos dois falou nada.

—Bem, chegamos — ela disse — Chegamos... em tese.

—O café abandonado — ralhou Ethan.

—Você não toma café — Olívia retrucou, encontrando os olhos do rapaz. O fantasma de um sorriso ameaçou surgir nos lábios dele.

—Então... o café abandonado? — Ethan tentou obter mais alguma informação.

—O café fechou há alguns anos — Olívia suspirou — O dono não conseguiu pagar a hipoteca então meu tio comprou. Gente rica gosta de coisas que não vão ter utilidade. Ele... — ela pausou, tentando organizar os pensamentos, escolher as palavras certas — Tenho certeza de que vai continuar sem utilidade, porque ele está ocupado demais com investimentos que deem lucro de verdade para fazer daqui alguma coisa útil. Está abandonado desde então. Então, eu uso... de vez em quando.

—Aqui é seu clubinho da Lulu particular. Já entendi.

—Não chegamos ainda.

—E seu plano é... invadir o café?

—Não é invasão se eu sou dona.

—Sobrinha do dono — Ethan corrigiu.

—Tecnicamente tudo vai ser meu um dia.

—Caso não tenha percebido, eu não me encaixo nas suas alegações, madame. Logo, invasão a propriedade privada é algo que não pretendo exibir na minha ficha.

—Mas passagem por briga de rua tudo bem? — Ethan não respondeu — Também não é invasão se não invadirmos. O lugar fica no jardim, nos fundos. Uma área aberta e totalmente não-invadível.

Ethan encarou Olívia. O fantasma de um sorriso surgiu nos lábios bem delineados.

—Vamos nessa, então — disse, por fim.

Eles passaram pela portinha entreaberta que dava para o jardim dos fundos, novamente em silêncio e Ethan parou alguns passos de distância quando eles entraram no jardim, observando o lugar.

Apesar do café parecer uma espelunca abandonada e castigada pelo tempo, o jardim parecia intacto. Sempre-vivas coloridas, lavanda, flores-de-mel, madressilvas e roseiras perfumavam e davam vida aos fundos do café como se o lugar pertencesse a um mundo de contos de fadas. Bancos de ferro pintados de branco e mesinhas pesadas combinando no meio de tanto verde e rosa, lilás e azul e amarelo davam charme ao jardim e ali, no meio de tudo, uma pequena estufa de vidro com luzinhas pisca-pisca adornando o teto reforçava a impressão de que Olívia ia muito ali. Muito. De que passava noites naquele lugar, que era seu mundo particular. E agora, por algum motivo, ela o incluiu nessa equação.

Ethan percebeu que prendia o folêgo. Tinha medo de que, se fizesse algum movimento brusco, o lugar fosse varrido dali, como uma borracha apagando uma obra de arte. Olívia apenas o observava, os olhos verdes brilhando orgulhosos pelo lugar. Como se seus olhos dissessem: É, é um lugar para se admirar mesmo.

Quando ele a encarou de volta, naquele lugar perfeito, um clique se fez ouvir no fundo de sua mente. Os olhos de Olívia ainda o encaravam com aquele brilho. Nenhum dos dois ousara quebrar o contato. Talvez a bebida estivesse fazendo sua parte. E as palavras de Olívia a seguir o fizeram sorrir.

—Bem-vindo ao clubinho da Lulu, Murray.

CONTOS DE GAVETA [Concluída]Onde histórias criam vida. Descubra agora