CAPÍTULO 23: Morte...

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Com a proximidade do término da minha residência e a conclusão da quarta etapa da pesquisa, nosso trabalho se intensificou. Cada grupo acompanhava em média dez pacientes, atingimos assim uma amostra relevante para consolidar os resultados de nosso estudo.

Eu praticamente morava no apartamento de Natalie, discutíamos às vezes por assuntos cotidianos, quase sempre porque Natalie tinha um cuidado excessivo comigo, e isso às vezes me fazia sentir infantil. Afirmava que ela não tinha que me tratar como paciente, mas acabava me arrependendo quando percebia que todo aquele cuidado era amor.

Passei a experimentar um ciúme irracional, quando encontrávamos ex-namoradas dela, fazia comparações sobre meu corpo, e lhe indagava como elas eram na cama, isso irritava profundamente Natalie, nessas horas ela exclamava:

- Você me acusa de te tratar como criança, Camila, mas não faz outra coisa que não seja se comportar como uma!

O pior é que ela tinha razão. Mas nunca ficamos mais de uma noite sem fazermos as pazes, Natalie era doce e compreensiva, mas bem mais madura que eu. Sabia quando calar e quando me puxar a orelha, aprendi muito no nosso convívio, sobre mim e sobre ela, as discussões só serviram na verdade para fortificar nosso relacionamento, pois enfrentávamos tudo juntas, ela repetia pra mim sempre:

- Cada dia que passa te amo mais, será que hoje já é amanhã?

Em abril, fui informada por Letícia sobre a morte de Keana, Lauren herdou parte dos bens dela. Pensei em ligar, prestar solidariedade, mas conclui, conversando com Natalie, que ainda não era o momento.

O mês de maio chegou e com ele o final de minha residência. Era, enfim, uma neurologista, mas permaneci no Hospital das Clínicas, com um contrato temporário, bem como trabalhando na pesquisa com Natalie, apesar de ter uma nova turma de residentes no projeto.

Maio foi um mês triste para nós, ninguém espera perder um ente querido, ainda mais pra violência. Estávamos de plantão no hospital, quando Harry me ligou na sala de repouso médico.

- Oi Harry, o que houve?

- Mila, eu preciso que você fique calma, não demonstre nervosismo para Natalie.

Isso só serviu para ativar minha tensão, Natalie estava sentada mexendo no notebook não percebeu minha apreensão.

- Sim Harry, fala, onde você está?

- Estou de plantão na urgência, acabei de atender uma vítima de assalto que foi baleada...

- Nossa, sério? Mas porque eu tenho que ficar calma?

Natalie parou o que estava fazendo e dirigiu a atenção para o telefonema.

- Mila, a vítima era o Sr. Ernesto, o pai de Natalie, acabou de ter uma parada, não conseguimos reverter dessa vez Mila, o tiro atingiu duas artérias importantes...

Não ouvi mais nada da descrição do ferimento do pai de Natalie, o chão parecia se abrir debaixo de meus pés, minhas lágrimas vieram aos olhos e soltei o telefone no chão, sentando com todo peso da notícia na cama que eu estava deitada anteriormente.

- Mila? Meu amor, o que houve?

Eu tentava me recompor para dar a notícia trágica a Natalie, sentei ao seu lado, segurei suas mãos, enxuguei minhas lágrimas e respirei fundo:

- Meu amor, não sei como dizer isso, mas, você tem que ser forte.

- Mila, pelo amor de Deus, você está me deixando nervosa, fala!

- O Harry me ligou, está na urgência, e... Acabou de atender seu pai, que foi baleado em um assalto e...

Natalie não esperou eu concluir a sentença, saindo em disparada pelos corredores do hospital, sem sequer esperar o elevador, saltava os degraus da escada em direção a urgência, seguida por mim. Ao chegar no ambulatório, Harry estava a nossa espera com duas enfermeiras que recolhiam medicações do carrinho de parada.

- Harry o que você está fazendo parado? Vamos, carrega em 300volts, uma rodada de atropina... – Natalie aos soluços ignorava o estado do pai, distribuindo ordens completamente transtornada.

- Natalie, ele teve três paradas seguidas... Está parado a mais de 35 minutos desde a última parada... Minha querida... Já declarei o óbito.

- Harry, é meu pai! – vociferou como se pedisse socorro, como se acreditasse que ela poderia trazer seu pai de volta à vida.

Entendi o desespero dela, mesmo sabendo que de nada adiantaria mais procedimentos, fiz o que ela pedia, entregando as pás do desfibrilador, e pedindo em silêncio a enfermeira que estava ao meu lado acenando com a cabeça que ela preparasse a medicação que Natalie solicitara. Depois de três choques, sem qualquer resposta, tomei as pás delicadamente das mãos de Natalie, a abraçando dizendo baixinho:

- Meu amor, acabou, ele não está mais conosco.

Natalie se jogou sobre o corpo do pai, abraçando em meio a soluços e gritos de revolta. Pedi que Harry ligasse para a mãe e as irmãs de Natalie, pedindo que elas viessem ao hospital, e as levassem direto ao consultório de Natalie. Com muito esforço, consegui tirar Natalie daquele abraço, e a levei até seu consultório, com o jaleco coberto de sangue, em estado de choque.

Na sua sala, retirei o jaleco, lavei suas mãos e seu rosto, ela estava imóvel, balbuciava sem parar: "Porque meu pai?", a deitei no meu colo no sofá, acariciando seus cabelos, chorando com ela, eu sentia a dor dela, já havia passado por isso, e como me doía vê-la sofrer daquela forma, queria dividir com ela essa dor.

Cerca de meia hora, Harry entrou na sala onde estávamos, com a mãe e as duas irmãs de Natalie, acompanhadas de seus respectivos marido e namorado.

- Natalie, minha filha o que houve? – a mãe de Natalie perguntou visivelmente perturbada.

- Carmem, sente-se por favor – Harry segurava o braço da mãe de Natalie.

Natalie, sentou-se, enxugou seu pranto, aproximou-se da poltrona perto do sofá onde sua mãe estava sentada, segurou suas duas mãos e com a voz embargada revelou:

EU SEI QUE É AMOR...Onde histórias criam vida. Descubra agora