CAPÍTULO 26: Decisões

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Para minha surpresa, Lauren estava cedo no hospital, não esperou que eu fosse buscá-la, não perguntei, seguimos para meu consultório enquanto Natalie avaliaria alguns pacientes operados no dia anterior. Estava fria comigo, eu fingia não perceber.

- Como se sente, Lauren?

- Decepcionada.

Fiquei desconcertada com a resposta dela, mas fingi ignorar, continuando a consulta.

- Tem sentido tontura?

- Não.

- Dor de cabeça?

- Não.

- Algum tipo de perda dos sentidos? Memória?

- Não.

- A fisioterapia está indo bem, vi com meus próprios olhos. Acho que teremos boas notícias para você hoje.

- Teremos? Vocês vão me dizer que romperam o namoro?

- Não, Lauren. Não falamos de nossa vida pessoal com pacientes.

- Não posso acreditar que sou apenas uma paciente para você, Camila.

- Não, você não é, e sabe muito bem disso, e você tem que concordar comigo que não te tratei só como paciente, mas...

- Mas?

- Mas não vai acontecer mais nada entre nós Lauren, vou me casar com Natalie.

- Casar? Mas... Vocês já estão morando juntas... Não precisam casar!

- Mas queremos uma cerimônia simbólica... Enfim...

- Mas... Camila... Existe algo entre nós, eu sinto quando te toco... Quando nos beijamos que existe algo...

- Seja o que for Lauren... Não vai acontecer... Eu amo a Natalie... Desculpe se dei a entender outra coisa.

Nesse instante, Natalie entra no consultório interrompendo nossa conversa.

- Olá Lauren, vamos fazer uns exames?

- Oi Dra. Natalie, vamos!

Lauren não parava de me encarar, mesmo que eu desviasse o olhar, nem lembro quais perguntas Natalie fizera, e isso minha noiva percebeu, mas elegantemente manteve sua postura profissional.

- Bom, vamos fazer uma ressonância hoje Lauren, dependendo dos resultados poderemos te liberar pra voltar pra casa e continuar seu tratamento de reabilitação no Rio.

- Rio?

- Não é lá sua casa?

- Sim é...

- Então, vamos?


Fiz menção de acompanhar Lauren para o exame, como era de praxe, mas Natalie interveio.


- Eu a levarei Camila.


Não disse nada, apenas balancei a cabeça positivamente, enquanto Natalie ajudava Lauren a sentar na cadeira de rodas seguindo para o local de exames. Cerca de uma hora depois, Natalie me procurou com um ar preocupado.


- Mila, acompanhei o exame de Lauren, e temo não ter boas notícias.

- O que houve?

- Um novo aneurisma, e dessa vez numa localização rara.

- Não pode ser Natalie, você clipou cinco, isso já é raro demais, e a formação de outro dois meses depois?

- Esse está na bifurcação da artéria basilar, os vasos próximos estão dilatados, extremamente sensíveis, Mila, ela não resiste a outra cirurgia agora.

- Você já disse isso a ela?

- Ainda não, pedi outros exames, uma outra cintilografia agora para ver melhor os vasos, para talvez tentar um tratamento intra-arterial com uma embolização, mas ainda sim, é muito arriscado.

Mais uma vez senti o chão se abrir debaixo dos meus pés, isso não poderia ser real, Lauren estava praticamente recuperada e enfrentar outro processo como esse seria demais para ela, e minha consciência? Tinha acabado de tirar suas esperanças a nosso respeito, ela estava decepcionada comigo, como dizer isso pra ela? Natalie se aproximou de mim com aquele olhar compreensivo que me encantava.

- Mila, eu prometo que farei de tudo para salvar a vida da Lauren, mas a gente tem que se preparar para uma outra perspectiva...

- Como assim? – perguntei angustiada.

- Se os exames confirmarem a possibilidade da inserção do cateter fazendo um procedimento menos invasivo, mas isso pode causar hemorragia em outras artérias, e aí temo que as sequelas sejam mais graves do que essas que ela está enfrentando.

- Natalie e se for alguma doença de colágeno? Tratando podemos evitar a formação de outros aneurismas, não?

- Tem razão, vou pedir exames para lúpus, artrite reumatóide e esclerose sistêmica, podemos ter deixado escapar algum sintoma ou sinal anteriormente.

Descemos ao encontro de Lauren, para comunicá-la a triste notícia. Antes Natalie tratou de analisar os exames e solicitar outros. Não tive coragem de ser eu a falar, Natalie percebeu e se apressou em detalhar a nova situação clínica de Lauren.

Ela escutou tudo atentamente, não esboçou reação, isso me assustou. Natalie repetia que ia fazer tudo de mais avançado em técnicas para assegurar um procedimento mais seguro, e se antecipou em anunciar que estava investigando a causa da sensibilidade das artérias, e dos sucessivos surgimentos de aneurismas. Lauren interrompeu as explicações de Natalie.

- Dra. Natalie, não se preocupe, não haverá mais procedimentos.

- Desculpe, Lauren... Eu não entendi.

- Não vou me submeter a outra cirurgia, não quero mais fazer nenhum exame ou qualquer experimento, preciso que você me dê alta pra que eu volte pra casa.

Não me contive e retruquei com um tom alto de voz:

- Você enlouqueceu?

- Calma Camila, Lauren está confusa, isso é normal...

- Não estou confusa, não quero passar por todo processo de novo de entrar em um cirurgia sem saber se sobreviverei, se sairei inteira, ou quando passarei por isso de novo.

- Lauren é a sua vida! Como você pode ser tão irresponsável assim? E as pessoas que gostam de você? Você vai simplesmente desistir de viver, é isso? – vociferei emocionada.

- Camila, calma por favor – Natalie me olhava com cara de poucos amigos.

- Como posso me acalmar diante de uma estupidez dessas?

Natalie me fuzilava com o olhar, me dei conta do circo que eu estava armando. Lauren mantinha sua cabeça baixa, apática. Eu queria falar a sós com ela, o que acabou acontecendo, Natalie foi chamada para atender uma urgência, antes de sair cochichou:

- Dê um tempo a ela, e lembre-se: a decisão é dela!

Notei que a preocupação de Natalie era prioritariamente profissional, e que eu não estava me comportando de acordo. Respirei fundo e sentei perto de Lauren continuando o assunto:

- Será que você pode me explicar de onde saiu tanta estupidez assim?

- Camila, por que estupidez? Olha pra minha vida... Eu não tenho ninguém! Nem meu trabalho eu terei paz pra realizar, ficarei refém de qualquer que seja a doença que vocês descubram, ou inutilizada, meu pai já me considera morta, o Christopher é maravilhoso, mas nos vemos duas, três vezes por ano, não posso ser um estorvo pra ele...

- E eu Lauren? E eu?

Não me contive, as lágrimas rolaram, Lauren caminhou até mim me abraçando, ela precisava de consolo e no entanto, foi ela a me confortar, me deixei ser abraçada, recostando minha cabeça no seu ombro. Foi quando ouvi da boca dela o que não esperava:

- Seja meu motivo pra viver, Camz.

Eu gelei dos pés a cabeça, me afastei assustada com o pedido, a voz de Lauren tinha uma emoção que me invadia, eu estava comovida, mas com um peso de responsabilidade indescritível, se eu respondesse não, poderia implicar na decisão de Lauren recusar o tratamento e isso seria fatal para ela, se eu respondesse sim, teria que deixar Natalie, a mulher a quem eu disse sim ao pedido de casamento na noite anterior, e mais que isso, a mulher que eu amava, mas por outro lado, Lauren foi meu primeiro amor, não poderia deixá-la morrer sem lutar por sua vida.

- Eu sei que isso é insano, Camz, mas preciso de você para acreditar que vale a pena continuar com minha vida, que está sem sentido desde que você me deixou.

- Lauren você não pode fazer isso comigo... Isso é tão injusto, você colocar em minhas mãos a decisão por sua vida... Você não pode fazer isso por mim, tem que fazer isso por você!

- Camz... Isso pode ser um ato de desespero, não por minha saúde, mas por minha vida que passou a ser você...

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