CAPÍTULO 27: Consequências

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Foi difícil deixar Lauren naquela noite, meu coração apertava pela ânsia de saber que estava de fato tudo bem com ela. Natalie estava exausta, tratei de cuidar dela, ela merecia, mais uma vez salvara a vida de Lauren com seu brilhantismo. Em casa preparei um banho, escolhi um pijama leve para ela usar, e enquanto ela tomava banho, avisei a todos sobre o sucesso da cirurgia de Lauren, falando com orgulho do feito de Natalie.

Preparei um lanche, o que a comoveu, uma vez que minhas habilidades culinárias consistiam em ligar pra qualquer delivery... Levei na bandeja para o quarto: suco, biscoitos, um sanduíche de ricota. Comemos juntas na cama, sem qualquer pressão em dizer algo, não precisávamos de muitas palavras para demonstrar carinho, estava tudo no nosso olhar. Deitamos juntas vendo qualquer programa na TV e assim Natalie adormeceu nos meus braços.

Na manha seguinte Natalie não trabalharia, pediu folga para acertar detalhes de seu projeto da tese do PhD, a deixei em casa com a promessa de almoçarmos juntas, depois ela iria avaliar Lauren, que deveria manter-se em coma induzido. No hospital o irmão e as amigas de Lauren já me aguardavam, providenciei para que um de cada vez entrasse na UTI para vê-la.

Lauren evoluiu bem, assim no dia seguinte, providenciamos o desmame do ventilador mecânico e diminuição dos sedativos. Em algumas horas ela despertou, a equipe intensivista avisou imediatamente a Natalie que apressou-se em avaliar o quadro pós operatório de Lauren.

Para nossa satisfação, ela respondeu a todos os reflexos, falava com alguma dificuldade, mas isso poderia ser por conta da desorientação. Mantivemos Lauren na UTI, os exames laboratoriais apresentavam algumas alterações importantes, provavelmente por causa do Lupus, a debilidade do organismo por conta da cirurgia influenciou algumas taxas, comprometendo especialmente os rins e fígado.

Sempre que podia eu a visitava na UTI, nas vezes que a encontrava acordada, incentivava Lauren a falar sempre perguntando sobre seu estado. Ela me respondia automaticamente, notava seu olhar triste, sem vida. Uma semana depois da cirurgia, depois de já estar sendo acompanhada por um reumatologista de renome especialista em Lupus, Lauren foi transferida para o quarto, e assim, não pude fugir de uma conversa com ela.

- Camila, eu posso esperar alguma coisa de você?

- Lauren, você tem que se preocupar com sua saúde agora.

- Por favor, não desvie o assunto, eu continuo esperando uma razão pra seguir esse tratamento, que você sabe que não terminará nunca...

- Não vamos falar nisso agora, por favor.

Lauren em um ato quase que de desespero, arrancou do braço os acessos para medicação, levantou e segurou meu braço com força, tentei fugir de seus olhos mas eles me prenderam, sem mais demoras Lauren puxou meu pescoço e me beijou com toda paixão guardada por todo esse tempo.

Não tive outra opção que não fosse me render, sentia falta de sua boca, sentia falta do seu corpo, mas o beijo não me trazia as mesmas sensações que experimentava quando estávamos juntas. Existia desejo, mas não aquele sentimento de plenitude que me tomava quando estava nos braços de Natalie. E o que mais temia não pude evitar, Natalie entrou no quarto nos surpreendo, não falou nada, fechou a porta com a mesma mão que abrira, seu olhar imediatamente brilhou, meu coração apertou, feri alguém que nunca me deu outra coisa que não fosse amor.

- Isso não poderia ter acontecido! – falei com a voz embargada.

- Camz, eu não queria que ela tivesse visto isso e...

- Você não tinha esse direito, Lauren...

Saí pelos corredores em busca de Natalie, com a alma aos pedaços por ter certeza do quanto ela estava magoada comigo, sentia um medo que me sufocava, não poderia perder a Natalie. Não a encontrei, e meu desespero ia aumentando, dispensei as consultas da tarde por falta de condições em me concentrar em qualquer coisa. Natalie desligou o celular, não estava em casa, nem na casa da família, em nenhuma parte do hospital. Eliza sua secretária procurava em toda parte também, desmarcou suas consultas e reuniões visivelmente preocupada com o sumiço de sua chefe.

Fui para casa, na esperança de encontrar Natalie lá. Em pouco tempo ela chegou, olhos inchados, pela primeira vez em um ano e meio, não vi o brilho de seus olhos, Natalie parecia transtornada, me olhou com mágoa, retirou do bolso nosso anel, colocando sobre a mesa de jantar.

- Arrume suas coisas Camila, você tem até amanhã para deixar minha casa.

- Natty... Por favor não faz isso... – eu soluçava me atirando aos pés dela. - Por favor, me perdoe, eu te amo, aquilo não significou nada.

- Camila, me poupe dessa cena ridícula.

- Natty...

- Tudo tem limite, você ultrapassou todos. Eu vi Camila, não foi um beijo forçado.

- Mas...

Eu não tinha argumentos, Natalie estava certa em tudo, como quase sempre. Sentei no sofá tentando me refazer, como doía ver o sofrimento dela, como doía minha culpa por perdê-la, cheguei a odiar Lauren por esse beijo, me senti desnorteada, sem chão, fui despertada daquela inércia com o barulho de coisas quebrando, vindo do nosso quarto, agora quarto de Natalie.

Abri a porta do quarto, Natalie estava lançando tudo na parede, porta retratos, jarros, quadros, parecia que um tsunami passara pelo quarto, os travesseiros estavam rasgados, cortinas no chão... Natalie chorava descontroladamente sentada ao chão coberto por vidros.

- Natty, meu amor...

- Camila por favor, sai da minha frente, some daqui.

O olhar de decepção de Natalie para mim, me rasgou por dentro. Saí dali me sentindo a última das pessoas, como pude magoar assim a mulher que eu amava? Não provoquei o beijo, mas também não tive coragem de rejeitá-lo, nem tampouco de tirar de vez as esperanças de Lauren. Não poderia voltar para meu apartamento, Christopher estava lá, dirigi sem rumo, até chegar a porta do meu antigo prédio, subi para o apartamento de Harry e caí nos braços dele num choro doloroso.

- Minha amiga, o que houve?

Não conseguia falar, Harry foi andando abraçado comigo, me sentou no sofá e trouxe um copo de água com açúcar, sentando em um puf à minha frente, esperando que eu tomasse fôlego, meu ar parecia travar, minhas palavras não faziam sentido, na minha cabeça a imagem de Natalie chorando no meio de cenário de destruição que nosso quarto se transformou.

- Mila, eu estou aqui se você quiser falar, se não quiser, também estou aqui do seu lado, tá?

Caí nos ombros de Harry como se quisesse simplesmente só desabar.

- Eu a perdi...

- Ow minha linda... O que aconteceu?

- Perdi meu amor, Harry...

- Mila... O que houve, minha amiga? Nunca te vi assim.

Fui contando tudo o que havia acontecido em meio a lágrimas, Harry me pedia calma, e que desse um tempo para Natalie se acalmar, e aí conversaríamos, acabei caindo no sono no colo de Harry exausta de chorar. No dia seguinte, acordei na cama dele, ele não me acordou, já passava das 8h, estava atrasada, mas Harry tratou de ligar para o hospital avisando que me atrasaria. Minha primeira preocupação era saber de Natalie, tentei ligar, mas seu celular continuava na caixa postal, Harry confessou que falei o nome dela a noite toda, me angustiava, chegava a sentir fisicamente o aperto no peito lembrar o estado em que deixei Natalie.

Não passei em casa, nem ao menos tomei o café que meu amigo me preparou, lavei o rosto, prendi meus cabelos, e segui para o hospital, precisava falar com Natalie, deixar claro o que sentia por ela e que Lauren não significava tanto o quanto pensava para mim. Não a encontrei no seu consultório, encontrei Eliza no corredor e apressei em perguntar:

- Eliza, onde está Natalie?

- Dra. Camila, eu...

- O que Eliza? Eu preciso falar com ela, por favor não me esconda...

- Doutora, eu sinto muito, tenho ordens expressas dela de...

- Eliza, por favor, eu estou desesperada, me ajuda!

- Doutora, ela viajou cedo para São Paulo, para tentar adiantar na embaixada, o visto para a viagem aos Estados Unidos.

- Adiantar? Mas a entrevista foi marcada só para o próximo mês...

- Ela me pediu hoje bem cedo para passar para o Dr. David, todas as suas consultas, e algumas cirurgias, ela pretende ir para Boston até o final do mês.

Não consegui evitar, as lágrimas pareciam brotar como uma fonte de água, encostei minha cabeça contra a porta, Eliza me olhou com compaixão, segurou meu ombro e disse baixinho:

- Doutora Camila, no fim tudo dará certo, se ainda não deu certo, é porque ainda não é o fim. Li isso em algum lugar, e acredito nessas palavras.

Meneei a cabeça me esforçando para abraçar qualquer esperança que me aproximasse de Natalie novamente. Saí andando cabisbaixa pelos corredores em direção ao meu consultório, encontrando Christopher que avançou para me abraçar como era de costume:

- Ei, minha doutora linda, não dormiu? Estava de plantão?

- Oi Christopher, não estava de plantão, só não dormi bem, sua irmã está bem?

- Sim, meio calada, isso não é normal – sorriu.

- Ah, eu tenho que ir Christopher, desculpe.

- Não vai passar pelo quarto dela?

- Não posso, estou com a agenda cheia.

Saí me despedindo dele e fui andando com meus pensamentos perdidos, eu parecia andar no automático, era notório meu abatimento, não queria ver Lauren, não suportaria vê-la, sei que associaria imediatamente ao sofrimento que causei a Natalie e consequentemente a mim. Atendi os pacientes marcados, e a cada intervalo, ligava para Natalie, sem êxito nas minhas tentativas de falar com ela. Não almocei, na verdade não saí do consultório o dia todo, no final da tarde, Eliza foi ao meu encontro com uma informação:

- Doutora, ela está em casa, acabou de chegar.

Não esperei sequer Eliza concluir o pensamento, saltei da cadeira, procurando a minha bolsa, nem tirei o jaleco, corri para o estacionamento para seguir ao encontro de Natalie em casa. Ela estava sentada no sofá, nosso anel ainda estava sobre a mesa, onde ela deixou na noite anterior. Olhou para mim, e baixou os olhos em seguida, caminhei devagar com as mãos no bolso da calça, ficando na frente dela, com os olhos marejados. Natalie estava tão abatida quanto eu:

- Veio pegar suas coisas?

- Natalie, eu preciso conversar com você.

- Você pode precisar falar, mas eu não preciso te escutar, não mais, não preciso mais atender suas necessidades Camila, isso é função de Lauren agora.

- Não fala assim comigo meu amor, Lauren não tem função nenhuma na minha vida.

- Mas você tem na vida dela e ao que me parece, você está desempenhando com maestria.

- Natalie, acredite em mim, eu te amo, realmente Lauren não me beijou a força, mas não senti nada no beijo, é com você que eu quero ficar.

- Camila desde que essa mulher voltou pra sua vida, ela te cerca, ela te confunde, te sensibiliza, e você arrisca isso que a gente tinha! Deixando se envolver, ela não é uma qualquer, e você me obrigou a engolir isso todos esses meses, compreendendo tudo... O beijo que vi foi só uma confirmação do estrago que a presença dela nos trouxe, nossa relação não resistiu a sua ex, como que a gente pode casar?

- Eu nunca tive tanta certeza de algo na minha vida como tenho de que quero passar o resto da minha vida com você Natty...

- Não, você não tem...

Natalie chorava com uma mágoa que corroía meu coração, parecia que eu esgotara todas as minhas chances com ela.

- Natalie, me dá uma chance... Não desiste de mim...

Beijei nosso anel, segurei suas mãos e continuei falando:

- Isso é sagrado pra mim Natty, isso que nós temos é sagrado pra mim, não me deixa...

Natalie estava frágil, queria abraçá-la e convencê-la da minha verdade, dormir e acordar desse pesadelo, mas ainda via uma magoa profunda em seus olhos.

- Camila, não consigo te olhar... Não consigo acreditar no que você me diz, parece que você quebrou algo dentro de mim, não sei como reconstruir.

- Deixa que eu tente... Me dá essa chance...

Nesse momento ela levantou do sofá, segurou sua nuca, caminhando até a mesa de jantar onde nosso anel ainda estava, segurou, olhou alguns segundos, me deixando ansiosa a cerca de cada movimento que ela executava diante de mim.

Aqueles segundos pareciam uma eternidade, me aproximei dela, segurei o anel e coloquei no seu dedo, beijando sua mão.

- É aqui que ele deve ficar meu amor, eu quero que você seja a minha mulher, e eu quero ser a sua.

Natalie derramou uma lágrima olhando para nossas mãos unidas, e me abraçou depois de um longo suspiro, desabando em meus braços, me trazendo alento e paz de volta, era ali que eu tinha que estar, era ali o meu lugar, junto a Natalie.

- Camila, eu não vou aguentar outra decepção, eu quero ir embora com você daqui o mais rápido possível, não quero mais Lauren entre nós.

- Vamos quando você quiser, você conseguiu adiantar o visto?

- Ahhh Eliza!

- Desculpa amor não briga com ela não, praticamente coloquei um bisturi na jugular dela pra ela desembuchar...

Natalie enxugou as lágrimas, sorriu, mas voltou a seriedade para me falar:

- Camila, não vai ser fácil recuperar minha confiança, ainda estou muito magoada, não sei se posso te pedir isso, mas não quero que você tenha mais contato com a Lauren, qualquer decisão médica que ela precise, serei a responsável, você trate de terminar seu projeto da tese do mestrado e adiantar seus pacientes...

- Isso quer dizer que nós vamos ainda esse ano para Boston? – disse descendo minha mão por dentro de sua calça.

- Isso quer dizer, que a senhorita vai ter que ralar muito pra ter esse corpinho na sua cama de novo... Vai mergulhar nesses afazeres, porque sexo comigo agora só depois de casada Camila Cabello! – me deu um tapa na mão, forçando a retirada dela de sua calcinha.

- Au, Natty!

- Falando sério Camila, preciso de um tempo, ainda dói muito lembrar o que vi, o que senti... Eu te amo, tanto que nem te pediria nada em troca... Mas se eu posso esquecer meu passado para viver um presente e um futuro com você, acho que você também pode fazer isso.

- Justa como sempre... Você só me pede o que pode me dar não é?

- Isso... Agora você... Trate de tomar um banho, você está fedendo! – Natalie riu depois de fazer cara de nojo pra mim.

- Ai, amor...

- Vai, corre pro banho criança – estapeou meu bumbum me empurrando para o quarto.

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