19-Feito

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A cabeça latejava.

O dia tinha sido passado entre a cama, a cozinha e a casa de banho, atendendo as necessidades básicas para a sobrevivência.

Dois comprimidos e a dor de cabeça não ia embora, diminuindo para regressar à mesma dor berrante que batia no crânio, levando Felix a cerrar os olhos com força.

O tempo tinha passado desde a última conversa com Hyunjin e a partir daí nunca mais ouviu ou viu o mais velho.

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Devia de estar agradecido, afinal era isso que ele queria, distância e honra... mas de alguma forma tinha falta do mais velho, queria-lo ali, a tomar conta de si como ele tomou quando apareceu em casa esmurrado pela gaja das dívidas...

Umas batidas na porta encheram a casa de volume baixo, frustado Felix enterrou a cara na almofada.

-Timóteo, por favor vê quem é.

Inesperadamente o outro atendeu o pedido e abriu a porta, tranquilizando Felix que se enterrou nos cobertores, suspirando.

-Onde é que ele está? -uma voz grossa questionou, a porta da entrada a bater com força contra a parede.

Na hora o loiro levantou-se descalço e caminhou até ao corredor onde encontrou na esquina da entrada o gajo das dívidas.

-Bom dia! Onde moram as minhas verdinhas, ãhm? -questionou sorrindo agora com o canino esquerdo reluzente de prateado.

Ameaçado, Felix recuou dois paços que não deram em nada pois foi agarrado pela gola da t-shirt, sendo erguido do chão.

-É bom que tenhas a merda do dinheiro, senão desta vez, garanto-te que sais daqui com pelos menos um dos teus ossinhos partidos e um pontos para levar.

-Eu tenho! Eu tenho! -Felix repetiu desesperado.

Sabia que mostrar o efeito que o homem criava nele, medo e subordinação, não favorecia a sua posição, mas era impossível conter-se quando esta era a forma abruptua e ameaçadora que era abordado.

-Posso ir buscá-lo? -pediu, precisava de ser solto antes.

-Cozinha. -apontou com a cabeça e largou o outro, fazendo os pés pesarem no chão de madeira com a queda.

Atordoado e com a visão zonza foi até ao quarto, tirando de dentro do armário, no meio das suas roupas a mala com o dinheiro intocado de Hyunjin, agora de Felix.

Engoliu a seco e seguiu pelo corredor até à cozinha onde agora a gaja das dívidas agarrava Timóteo pelo pescoço,  como uma espécie de garantia que se não houvesse dinheiro, ele sofria, algo que para Felix não o abalava tanto como o esperado.

-Tens aqui. -esticou a mala na direção do outro que a agarrou.

-Uhm. Parece que alguém andou a fazer uns trabalhitos e dívidas noutros lados! -virou-se, sentando-se  para a mesa onde começou a contar o dinheiro.

-Onde é que o arranjaste? -a mulher perguntou referindo-se ao dinheiro.

-Têm-no é o que interessa... -Felix defendeu-se.

-Uhm... muito secretinho. Parece que o bordel abriu mais cedo! -riu-se o homem.

Apesar de ser uma insinuação de pouco agrado e muito imoral, não se afastava da realidade, todos aqueles verdes tinham sido feitos através de fodas, fodas boas, com Hyunjin.

Foram uns longos minutos de silêncio, as notas a serem folheadas e postas no tampo da mesa, no final arrastou-as de novo para a mala, fechando a mala.

-Muito bem! Acertas-te na quantia loirinho. 

-Isso significa que não voltam mais para virem buscar o que é vosso. -Felix escolheu as palavras sabiamente.

-Se ele não criar mais dívidas... -apontou com um dedo acusador para Timóteo. -Agora, a tua parte está feita, mas falta os juros por isso tu e eu... -dirigiu-se para o outro. -...vamos ter uma conversinha.

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O sangue escorri da narina direita para os lábios, para estancar o sangue colocou um papel enrolado no nariz, limpando com o outro o rastro no rosto.

Os juros tinham-se baseado em pancadaria, obrigado o Felix só pode limitar-se a fechar no quarto enquanto os negócios decorriam, mais tarde ouviu uma pancadinha na porta que serviu como um sinal de que já podia sair. 

Encontrou Timóteo deixado numa cadeira, a cabeça inclinada para trás com o braço a limpar o sangue, as pernas abertas e a t-shirt manga cava mais descaída por o tecido ter alargado, salpicada de sangue e deixando à mostra manchas negras no corpo moreno do outro.

Não era que fosse um dever, a esta altura do campeonato, isso já estava longe de acontecer, mas mesmo assim sentia empatia pelo homem, tinha sido uma peça na sua vida, uma que mais tarde se demonstrou mal encaixada, mas não deixou de fazer uma diferença na vida do loiro.

-Pará quieto. -Felix ordenou, obrigando a face do outro ficar direita e não caída para frente a encarar a roupa e o corpo fudido.

Tratou das feridas, sem grande importância.

Tudo o que se lembrava era de quando era ele no lugar do Timóteo, Hyunjin a tomar conta de si, os olhos com medo e a necessidade de proteger o outro, misturado com uma pitada de carinho, a forma delicada de como passava o pano nas feridas, o cuidado, a disposição para melhorar o outro...

Agora era ele que fazia essa função, mas tudo o que tinha era empatia e um cuidado básico, aquilo que qualquer ser humano tem direito, uma ajuda e nada mais.

-Felix. -chamou. 

Olhou o outro no olhos como resposta de "estou a ouvir", desviando o olhar logo a seguir.

-Como é que arranjaste o dinheiro?

Susteve a respiração, olhou-o e desviou o olhar outra vez.

-Turnos a mais e amigos. -mentiu.

-Felix, pouco são os teus amigos e as horas as mais não servem para nada. Não me mintas.

-Eu fiz a tua parte e a dívida está paga, por isso não questiones e só aceita. O quer que fiz, acredita que não nos afundou mais do que tu já afundaste. 

Não sabia qual seria a reação do outro perante esta ousadia, mas precisava de a meter em prática e atacar nem que um pouco o outro, para descargo de consciência.

-Obrigado. -sem pensar, esticou a mão para acariciar a bochecha sardenta, mas foi afastado na hora.

-Não. Nem tentes. 

Agoniado saiu, fechando a caixa dos curativos como pretexto para ir-se embora.

Não queria as suas carícias e agradecimentos, gestos de ternura que eram só atos de boa figura, tudo o que o loiro desejava era uma saída, a saída daquele bêbado criador de dividas da sua vida.

Distância e esquecimento.

O inesperado para Felix era...

 esse dia aproximava-se....




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