13-Dívidas

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As dívidas estavam pagas.

Após um mês de luta intensa em gerir todas as lacunas da vida, finalmente Felix via o seu túnel iluminado, infelizmente ainda não se podia afirmar que se via uma luz ao fundo do túnel, porque isso... isso ainda estava longe de acontecer e não iria acontecer enquanto Timóteo fosse quem estivesse como companheiro de vida.

Sem entusiasmo para regressar a casa, deambulou pelo corredor, carregando a sua mala e uma saca de compras com coisas em falta no seu ombro.

De alguma maneira as horas passavam e Felix obcecava-se cada vez mais com o carregar do botão lateral do seu telemóvel.

Acender a tela.

Apagar a tela.

Acender a tela.

Apagar a tela.

A necessidade de uma notificação em forma de balão de fala aparecer na sua barra de notificações só aumentava a cada instante do dia.

Queria uma mensagem de Hyunjin, um pedido para alterar a sua rota e nem precisar de colocar um pé em casa naquele dia, indo direitinho na direção dos lençóis da cama do outro.

Precisava de outros ares e acima de tudo, precisava de Hyunjin, porque apesar do tempo passar e o intervalo dos seus encontros ir estender-se para dois dias de diferença, as saudades por aquilo que não existia, existiam e eram excessivas para se ter neste tipo de relação.

De alguma forma nestes dois dias não tinha falta do sexo em si próprio, mas sim de ver e apreciar a figura do outro.

Sentia falta da mão larga do moreno lhe afagar as costas como fez uma vez sem data, de os lábios azedos embrulharem-se com os seus de forma doce, da voz do outro o embebedar num transe em que nem a realidade desaparece nem a vida se passa a fazer na imaginação, um meio-termo específico do seu timbre.

Abanou a cabeça levemente numa tentativa de repelir todos esses sentimentos e imagens, focando-se em encontrar as chaves corretas no seu porta-chaves.

Abriu a porta cansada de igual modo por se limitar à existência e descalçou-se, deixando a mala e as chaves na mesinha de entrada.

-Cheguei! -avisou a Timóteo que parecia estar na sala do outro lado do corredor, a TV ligada no canal da Discovery entregava.

Arrastava os pés, muito derrotado para se dar ao trabalho para os levantar, mas logo foi surpreendido quando no virar da esquina encontrou um corpo muito bem trajado sentado na sua mesa de madeira.

A informação nem tinha sido processada quando uma mão surgiu do lado apontando algo que reluziu contra a luz, sentindo só o frio da ponta de metal contra o pescoço.

-Senta-te. -o homem da mesa ordenou, apontando a cabeça para uma cadeira.

De trás da parede surgiu uma mulher, ainda empenhando a navalha contra a pele do outro, para demonstração de superioridade aplicou uma pequena força criando um pequeno corte na garganta do loiro.

Não resistiu, deixando-se ser encaminhada pela mulher para a cadeira.

Agora, sentado, via que no canto direito da cozinha, Timotéo estava sentado numa cadeira em falta da mesa.

A cabeça contra a parede e o cabelo de comprimento médio ensanguentado, o lábio rachado em dois pontos, o olho esquerdo roxo com indícios que ia inchar e como toque final pintas de sangue dispersas por todo o seu corpo, destacando-se uma mancha de maior envergadura no braço esquerdo.

Não foi capaz de expressar qualquer emoção perante aquilo.

Sabia que se fosse ele no seu lugar nada se passaria na mente do outro para além de uma forçagem de fingimento de preocupação, necessária para manter Felix debaixo da sua asa, limpando sempre as suas merdas.

-É assim... -começou o homem, puxando o cabelo loiro e de mau estado por um dia de trabalho para trás. -...o teu namoradinho aqui, deve-nos a bela de uma quantia e eu estou com uma leve pressa em receber o meu dinheiro.

Inspirou e com a mão vazia tirou do interior do blazer um maço de cigarro, levando um à boca que acendeu com o isqueiro de forma bastante hábil o que só confirmava os factos que não era a primeira vez que estes tipos sujavam as mãos e regateavam o seu.

-Agora, supúnhamos que estou de bom humor e aceito ouvir a tua proposta de tempo para me pagares o dinheiro? O que dirias?

Felix tinha por imagem a face invertida do homem, o cigarro espetado para a frente, esfarelando-se em pequenos pedaços cinzas que desciam balançando até pousarem na sua cara.

-Não vais dizer nada?! -o homem questionou impaciente.

A posição do seu pescoço totalmente alongado não favorecia para dizer qualquer coisa e não sabia o que dizer ao certo pois a situação era-lhe complemente alheia, não sabia o que dizer porque não sabia o background da cena, foi com isso que foi na sorte.

-Quanto é? -referiu-se à dívida, a maçã de Adão mexendo-se vistosamente e exageradamente devido à posição.

-Demasiado para os teus ouvidos e carteira. -o homem sorriu inclemente, massageando a barba rasa.-21980$ (20.000€/11.0974 R$).

Perante uma situação daquelas, nem o valor dava para assustar, talvez se os tempos fossem outros e a notícia lhe tivesse sido dada em ambientes ditos normais, o queixo até teria caído, mas naquela situação precária com uma faca encostada literalmente ao pescoço, já nada abala o psicológico.

-Sinto-me generoso hoje, por isso dou-te um prazo de dez dias.

A cara de Felix mirrou com a informação, era muito pouco tempo, mesmo que Hyunjin exigisse serviços todos os dias, nunca iria dar.

-Alguma coisa para protestar? -o homem perguntou infastiado com a cara a baixo de si.

-Pouco tempo... -explicou sôfrego. -Um mês. -propôs com muita pouca esperança.

A mulher riu-se, rasgando os seus dentes com um contentamento pecaminoso, o homem por outro lado bufou revirando os olhos.

-Para alagar o prazo existe um preço... -o homem recitou largando o loiro.-Eu levo este. -referiu-se a Timóteo. -E deixo-vos a sós para tratarem das questões do tempo de pagamento. Não lhe partas nada.

Com estas palavras Felix levantou-se da cadeira, mas logo foi puxado pelas roupas para se sentar de novo.

-Ora bem. E que tal começarmos com uma anestesia. Uhm? Bom, não?

Rapidamente a mulher se colocou à sua frente, em pé, uma perna de cada lado do corpo sentado.

A última coisa que Felix se consigueria recordar era a mão fria a estalar contra a sua face, originando um ardor em toda aquela área, seguido de uma voz:

"Felix..."

Wrong Service-HyunlixOnde histórias criam vida. Descubra agora