14-Conforto

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Enrolava a mão no puxador da porta como forma de buscar um apoio, o tronco dobrado para a frente, tremendo pelas recente pancadaria a que o corpo ficara exposto, não teve outro remédio para além de salvaguardar a cabeça, envolvendo-a com os braços.

Ainda não tinha sido capaz de decifrar a sua independência para se guiar para a rua e chamar um táxi, pedindo-lhe para o trazer para o apartamento, que agora tinha acesso por Hyunjin lhe ter dado uma chaves.

Por uma vez tinha sido egoísta, tornando-se a sua própria prioridade pela primeira vez em anos, nem sequer lhe ocorrendo Timotéo na cabeça quando abandonava o apartamento.

Ele que se fudesse!

Ao entrar, agarrou-se à parede, puxando o corpo para dentro, os pés embrulhando-se neles próprios e a vista completamente turva, sentia como se tivesse sido demolido e agora tudo o que sobrava eram os destroços um em cima dos outros.

Fechou a porta e tossiu contra a manga, uma mancha de sangue entranhando-se nas fibras do tecido e a cabeça rodopiando.

-Felix?! -a voz autoritária sobrepunha-se de preocupação- Mas o que é que...

A coisa mais reconfortante que alguma vez sentira foi o abrangimento do seu corpo naqueles braços.

Um rodear leve, mas apertado de afligimento em ver o outro naquele estado, sentia todo o cuidado radiado naquele gesto e outra vez gostava de o sentir, de sentir esta presença em que apesar de o universo estar errado, alguém cuidaria dele, mesmo que só por uns instantes.

As mãos pequenas, trémulas e sujas de sangue seco agarraram-se ao braço forte do outro, suportando o seu peso total em Hyunjin.

O mais velho não questionou nada de seguida, pegando em Felix pelas pernas e as costas, encostou o corpo pequeno contra o seu peito e carregou-o até ao sofá da sala.

Estendeu-o e avaliou o seu estado físico, levantando-se a seguir para ir buscar o necessário para cuidar do mais baixo.

Começou por desifentar as feridas à vista, fazendo um curativo, na sua maioria pensos chegavam para tapar a ferida à exposição do ar.

Voltou à cozinha, enchendo uma bacia com água morna pegando mais panos pelo caminho de regressou.

Mulhou um dos panos na água, escorreu-o e dubrou-o, aplicando delicadamente o tecido contra o olho arroxeado.

-Uhm... Hyunjin. -queixou-se, a pressão leve contra o olho era demasiada.

-Eu sei... eu sei, meu doce. Mas têm que ser. -acariciou a lateral direita do rosto branco, sorrindo docemente.

Deixando lá o pano, subiu a t-shirt vendo umas manchas de igual modo arroxeadas e amareladas de pisado.

Sobre estas não havia muito mais a fazer, passou água nelas, não adiantando em nada e desceu para as pernas.

Outros hematomas, leves cortes que cuidou de igual modo com cuidado e receio por poder magoar o outro mais do que já estava.

Quando terminou, arrumando tudo, sentou-se na carpete fofa esverdeada, as costas contra o sofá e as pernas escolhidas, apoiando os braços nos joelhos que se uniam nas mãos interlaçadas a pairar no ar à sua frente.

Suspirou, esfregando a sua cara com uma de suas mãos e por fim deixou-a descair, olhando fixamente o seu colo.

-Quem é que te fez isso? -questionou sussurrando, custava-lhe saber que existia uma resposta para esta questão e bem lá no fundo estava com medo do facto de ela lhe importar tanto.

-Não... interessa... -suspirou, a voz fraca e trémula.

-Felix, eu quero ajudar-te. E devíamos de ir a um médico, apesar de ter feitos uns curativos, não sei até que ponto não tens algo pior interiormente.

-Eu estou bem, só preciso de descansar... -suspirou outra vez as palavras, mexendo-se no sofá de forma agoniante.

-É melhor eu ligar para o teu trabalho a avisar que não vais. -Hyunjin levantou-se, apalpando os bolsos à procura do telemóvel.

-Eu ligo.

-Não! Tu vais tentar dormir, Felix! Eu vou fazer as chamadas...

-Chamadas? -questionou Felix não muito cansado ao ponto de não deixar de estar atento ao detalhes.

-Sim. Não te vou deixar sozinho. Tenho que avisar para se governarem na minha ausência.

Foi nesta altura que Felix chegou à conclusão que apesar de já ter passado algum tempo desde que conhece Hyunjin, na  verdade não sabe nada a nível da sua vida pessoal.

Como por exemplo...

Qual a profissão que exerce?

Será que tem família? Mulher? Filhos?

Talvez depois desta última questão, nem era assim tão mau permanecer na ignorância, afinal o que os olhos não vêm e a mente não sabe, o coração não sente.

Deixou a sala encaminhando-se para o quarto onde fez as chamadas e passado 10 minutos regressou à cozinha.

Deparou-se com a imagem serena do outro a dormir no sofá, a cara descaída contra o ombro e o pano molhado fora do sítio, os lábios meio entre-abertos.

Era demasiado delicado para a vida que tinha, demasiado gentil para a rudez da vida, demasiado doce para constante amargadura e demasiado esperançoso para uma vida sem opções, foi a conclusão que Hyunjin tirou olhando para aquela imagem.

Silenciosamente aproximou-se e com a maior precaução retirou o pano da sua face, sem despertar o outro.

Arrumou-o e voltou para o quarto, despindo o blazer para arregaçar a camisa e desapertar uns botões, a sua ideia era ficar na sala durante o tempo necessário para cuidar do outro por isso mais valia pôr-se confortável.

Regressou uma segunda vez à sala, agora o mais novo estava de olhos abertos, algo que gerou uma leve preocupação no mais velho.

-Hyunjin... -sussurrou mexendo só os olhos para ter uma melhor vista do outro.

-Diz. -avançou, agachando-se para não fazer uma pose de superioridade.

-Podes deitar-te comigo? -as palavras ditas num volume baixo com medo de estar a esticar a corda.

A garganta secou, sendo o único movimento no corpo do maior o pestanejar dos seus olhos, a mente completamente branca.

-É melhor dormires sem ninguém a ocupar-te o pouco espaço que tens. Eu fico aqui ao teu lado. -cortou a esperança do outro, amenizando de seguida a dor com um interlaçar de dedos.

Podia ter soado rude e de alguma forma esperava que o seu tom de voz tivesse estabelecido um limite.

Hyunjin estava assustado, receoso daquilo que sentia, pois após tantos anos Felix tinha sido capaz de despertar sensações que o mais velho pensava nunca mais ir sentir por o conforto tomar-lhes o lugar.

Agora, olhando a face serena do outro, analisava a sua mente e todas as vertentes que englobassem Felix na sua vida.

Só fora capaz de chegar a uma conclusão, passado umas horas, pois era demasiado medroso para a admitir mais cedo.

Hyunjin estava fudido
...
por amor
(?)

Wrong Service-HyunlixOnde histórias criam vida. Descubra agora