Madrid, 15 de junho de 2024 (sábado)
Anahí
Acordei-me de um sonho gostoso ao sentir alguns teimosos raios solares que entravam pelas frestas das persianas esquentando minhas costas. Olhei para os meus dois meninos que dormiam quietinhos, ressonando baixinho ao meu lado na cama queen-size e me virei para alcançar meu iPhone branco que estava carregando na mesinha de cabeceira.
Abri minhas notificações vendo que haviam algumas mensagens da minha mãe e da minha irmã, mas nada muito sério que não pudesse esperar. Mesmo não havendo mensagens novas, cliquei na conversa com o Poncho, relendo as várias mensagens que trocamos ao longo dos últimos dias.
Era tão bom e tão estranho ao mesmo tempo. Não nos falávamos assim com tanta frequência desde os tempos de banda, mas naquela altura convivíamos tanto pessoalmente, que eram poucas mensagens. Me lembro que quando batia aquela saudade doída, ligávamos um para o outro e a gente conversava por uma, duas, às vezes até três horas diretas... Mas essas ligações eram raras, ficando cada vez mais esparsas com o passar dos anos. E não era algo exclusivo ao Poncho—fora assim entre todos os seis, cada um seguindo adiante com sua vida, os intensos anos juntos enquanto amigos e colegas de trabalho parecendo mais e mais distantes.
Fiquei mais alguns minutos na cama encarando o teto, na esperança do sono voltar. Quando ao contrário me senti mais e mais desperta, deslizei para fora da cama com cuidado para não acordar os meus curumins. Quem olhava assim, até poderia pensar que eram anjos de candura. Sorri pra mim mesma.
Puxei o meu robe de seda azul com desenhos de flor de cerejeira e o vesti, amarrando de qualquer jeito na cintura. Saí do quarto na ponta dos pés, cerrando a porta com cuidado. Ao entrar na sala, fui recebida pela bagunça de brinquedos espalhados pelo tapete—Legos para a minha agonia—e almofadas espalhadas por todos os lados, de quando os meninos inventaram de construir um forte.
Ao entrar na cozinha, me deparei com Ana Paula sentada na ilha, com uma enorme xícara de café preto e uma expressão de pura dor.
"Bom dia, flor do dia!" Falei bem alto, a assustando.
Ana deu um pulo e imediatamente sua mão foi até a cabeça, reclamando de dor.
"Ai, tia! Pelo amor de Deus, fala baixo. Putz, parece que o mundo inteiro tá berrando hoje..." Ela choramingou.
"Eu só quero saber quantas garrafas de vinho a senhorita tomou, Ana Paula." Falei, pegando minha cafeteira italiana cor-de-rosa de dentro do armário e enchendo a parte de baixo com pó de café.
"Ah, perdi a conta... Ficamos até tarde na praça bebendo. Lembra do Gavin?"
"O irlandês que você tava paquerando? Menino mais branco que leite, ruivo, meio franzino..." Comecei a listar, me lembrando das fotos no perfil do instagram que minha sobrinha tinha me mostrado há alguns dias. O tal Gavin era um estudante de intercâmbio frequentando a mesma universidade em que Ana Paula estava matriculada, no curso de arquitetura.
Ana Paula revirou os olhos e suspirou, apoiando o queixo no punho e fazendo biquinho. "O próprio... Ai tia, ele me colocou na friendzone... Tenho certeza! Porque gay eu já sei que ele não é."
"Bom, eu sei uma coisinha ou duas sobre friendzone..." Eu falei, tirando minha cafeteira do fogo e servindo minha xícara predileta.
"É mas no seu caso é diferente—vocês se gostam, é recíproco, vocês só são meio tapados e super orgulhosos. Já o Gavin realmente não me vê como algo além. Não há sentimentos ali..."
"Ana Paula, minha sobrinha linda, você e o Gavin se conhecem há o quê? Uma semana? Odeio ter que ser a voz da razão quando eu sou a menos racional entre nós duas, mas calma. Relaxa. Dê tempo ao tempo." Logo em seguida puxei o pano de prato e bati nela com ele. "E mais respeito comigo! A tapada orgulhosa aqui é sua tia! E na ausência da sua mãe eu sou a autoridade aqui, entendido?"
"Vai me dizer que você não caiu da cama hoje porque tá ansiosa por causa dele, tia?"
Ela me olhou daquele jeito, com a sobrancelha arqueada e um sorrisinho cínico surgindo no canto do rosto.
Grunhi e revirei os olhos, preferindo não responder à afronta e concentrar-me no meu cafezinho.
Momentos depois, Ana Paula lavava o mug dela e eu regava o pé de manjericão que eu estava me esforçando ao máximo para não matar, no parapeito da janela. Meu celular apitou com duas novas mensagens e antes que eu pudesse erguer os olhos para mirar a tela, minha sobrinha curiosa lia o nome no ecrã. Alfonso.
"Tititi, seu friend no telefone." Ela falou com malícia na voz. "Vou dormir, beijinhos de luz!"
Eu peguei o celular e imediatamente abri as novas mensagens:
AH: Acorda Anajaya!
AH: Que horas você quer que eu chegue? Pensei em passar e comprar umas coisinhas pro café da manhã... Do que os meninos e a Paulinha gostam? Você eu sei que gosta de croissant e aquelas tortinhas de pistache.
AP: Já estou acordada e devidamente cafeinada, meu querido! Qualquer coisa com nutella e chocolate tá bom pra eles. A Ana vai hibernar hoje, acabou de chegar da farra num porre que só você vendo. Tá super rabugenta.
AH: Ah, os vinte anos... Você lembra, Ani?
AP: Como se fosse ontem! Embora do jeito que você fala até parece que foi há um século. Tão velhinho o meu Ponchito... Quer que eu te compre uma bengala, benzinho?
AH: Já tenho uma muito boa, lindinha. Qualquer dia desses te mostro... 😏
AP: Boa como? Assim compacta?
AH: Você sabe que não, Anahí, não se faça de boba. 9h tá bom pra você?
AP: Mas ainda são 6h...
AH: Com tanta saudade assim?
AP: E se a resposta for sim?
Observei os três pontinhos que indicavam que ele estava digitando algo e percebi um minuto passar, depois o segundo minuto e eu me sentia tentada a roer as unhas de tanta antecipação.
AH: Porra, Anahí...
Ele escreveu e eu podia sentir mesmo através de uma simples mensagem de texto toda a tensão nas entrelinhas.
AP: O que a gente tá fazendo, Alfonso?
AH: Eu não sei, mas algo me diz que tenho que descobrir.
AH: E você?
AP: Eu também, Poncho... Mas devagar, ok? Não sei se o meu coração vai aguentar outra decepção.
AH: Chegarei assim que puder, é só os meninos acordarem. Falta pouco, güera.
AP: Não vejo a hora!
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Andar Conmigo
RomanceQuando termina a turnê Soy Rebelde, Anahí Puente se sente pronta para reassumir as rédeas de sua vida e sair da aposentadoria de vez. Divorciada do marido almofadinha, Annie aceita um papel principal numa série da Netflix e embarca para Madrid onde...