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Ana Paula


Cabelos assanhados, boca vermelha e amassada, um brilho intenso no olhar. Foi assim que encontrei minha tia na sala às seis da tarde após Poncho, Dona Soledad e quatro garotinhos super elétricos saírem pela porta do apartamento Madrid adentro.

"Eita, então o beijo foi bom mesmo! Você até ficou calada!" Comentei, uma caneca de chá fumegante em mãos.

"Beijo?" Anahí sacudiu a cabeça e mirou o teto. "Um selinho, Ana Paula. Eu tô assim por causa de um simples selinho. É patético..." Ela gemeu dramaticamente, enterrando a cabeça numa almofada, "nem língua não teve!" ela resmungou.

"No creo!" Exclamei com uma expressão de choque genuíno. "Esperava mais do tio Poncho, hein..."

"Ele quer 'fazer as coisas direito'" Ela parafraseou, fazendo aspas com os dedos e bufando.

"E o que isso significa?"

"Que amanhã ele vai me levar a um encontro."

Ergui as duas sobrancelhas, impressionada, assenti devagarinho e tomei um gole do meu chá.

"Ok... Nesse caso alguém tem muito trabalho a fazer, ainda mais que serei obrigada a acordar cedo pra ir a uma fazenda. O que uma sobrinha não faz em nome da vida amorosa da tia querida!"

"Ô meu amorzinho, atrapalhamos seu fim de semana, não é?" Minha tia acariciou meus cabelos e eu sacudi a cabeça de leve. Apoiei minha caneca na mesinha de centro e abracei a minha tia. Sucumbi à carência e ficamos agarradinhas no sofá como fazíamos quando eu era menor.

"Nah, acho que vai ser divertido ver o Manu surtar de nojinho e medo de um monte de galinha."

Tia Annie fez tsk tsk tsk com a língua e soltou uma risada. "Grava e me manda!"

"Você é uma péssima mãe." Eu acusei, rindo junto.

"HA! Isso jamais, amore!"

Revirei meus olhos e aspirei seu perfume. "Você passou perfume francês pra ficar brincando de Bob o Construtor com o Herrera?"

Minha tia riu de novo e eu a observei morder os lábios inferiores para tentar (e falhar) conter um sorriso, fitando o teto e suspirando como uma adolescente.

"Seria muito exagero um vestido vermelho?" Ela perguntou segundos depois. "Eu nem lembro a última vez que eu tive um primeiro encontro..."

"Segundo encontro, não? Teve o dia do café..." Eu a recordei.

"Ah, mas será que vale? A gente tava meio que testando as águas..."

"Acho que vale. E você sabe o que acontece no terceiro encontro, não sabe?" Eu balancei as sobrancelhas para ela.

Minha tia arregalou os olhos levando a mão ao coração, provavelmente imaginando os dois numa cama, ultrapassando limites nunca antes ultrapassados durante aquelas duas décadas em que os dois se conheciam. Seria lindo se não fosse levemente perturbador pra mim que sou sobrinha. Tia Annie é como se fosse minha segunda mãe e ninguém gosta de imaginar sua mãe transando.

"Por que vocês nunca ficaram juntos?" Eu perguntei após vários minutos de silêncio.

"Meu Deus, Ana Paula! Esqueci totalmente de mandar um email pra figurinista com as minhas observações!"

Minha tia pulou do sofá e saiu correndo igual o diabo foge da cruz.

'Mentirosa!' Falei comigo mesma, rindo sozinha no sofá da sala.

Andar ConmigoOnde histórias criam vida. Descubra agora