Sol acordou antes do despertador. Ela ainda não acreditava que a noite passada houvesse sido real, mas os sinais estavam em sua blusa suja de molho e as embalagens de lanche dentro do seu carro. Anthony devia ter esquecido de jogar fora.
Anthony... Desde quando entrou em casa, ficou pensando no nerd estranho que cuidou tão bem dela. Se ele tirasse a barba, e cortasse aquela juba num tamanho razoável, ele podia fazer parte da elite. Mas pelo visto o jovem abominava aquela hierarquia.
Sol balançou a cabeça para espantar aqueles pensamentos. Porque ela só via as qualidades de Anthony? O garoto era mandão, metido a sabe-tudo, e fazia sua vontade prevalecer.
Exatamente como ela queria ser.
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Anthony simplesmente deixou de lado os cadernos. Quase sem perceber, seus pensamentos vagavam na noite passada. No sorriso, na teimosia, na relutância, nos olhos e no jeito esnobe de Sol Wiggins.
Ele sacudiu a cabeça e guardou o material. Pela primeira vez, o dever poderia esperar. Entrou no chuveiro e tomou uma ducha fria, para acordar. Lá fora, a aurora já havia colorido o céu de rosa e laranja. Aparou a barba, escovou os dentes e deu uma olhada no espelho para ver como havia ficado. Seus olhos azuis estavam límpidos aquela manhã.
Saiu e escolheu uma camiseta branca, com uma blusa xadrez em tons amarronzados, calças preta e sapatos marrom. Vestiu-se sem pressa, pegou o material, conferiu se o laboratório estava mesmo fechado e saiu.
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Pela primeira vez ao longo dos dois anos que estudava na SKT, Sol foi a primeira da elite a chegar. Ela estacionou seu conversível vermelho na vaga reservada para ela e andou rapidamente na direção das escadas.
- Sol!
Ela girou nos calcanhares. Eram os seus "súditos", que vinham em bando para acompanhá-la.
- Ok, - disse ela suspirando - o que temos para hoje?
Uma garota de óculos de lentes grossas começou a ler o que tinha escrito em uma prancheta vermelha.
- Temos um teste de ciências esta manhã, mas já temos todas as respostas. Para fazer jus à sua fala, um rapaz entregou-lhe uma folha.
- Terminamos também sua redação, e eu marquei seu cabeleireiro para as cinco e a manicure às cinco e meia. A noite tem a festa na casa de Adams. Se for fazer compras, aconselho a ir antes do salão.
- Tudo bem, estão dispensados por hoje. Tirem o dia de folga.
Ela saiu, deixando todos atônitos.
- Que milagre, você por aqui tão cedo! - disse Scarlet, sorrindo.
- Tinha alguns assuntos para resolver com meus súditos.
- E esses assuntos envolvia o fato de ter perdido a festa na minha casa?
Sol espantou-se. Ela havia esquecido completamente da festa na casa de Scarlet.
- Eu não estava me sentindo bem.
- Tudo bem, não estou cobrando explicações. Só queria saber. Mas você vai para a festa do Adams, não é?
- Com certeza.
Scarlet deixou a jovem e saiu acompanhada dos nerd que trabalhavam para ela. Sol subiu as escadas e entrou na biblioteca.
- Bom dia senhorita Wiggins. - disse a bibliotecária. - Deseja algum livro em especial?
- Não senhora. Vou procurar algo que me interesse.
- Se quer livros para leitura, eles ficam na ala leste.
Ela deu um meneio de cabeça, agradecendo a dica. Seguiu o mais silencioso que suas botas de salto alto permitiram. Parecia que o som aumentava dez vezes de volume naquele ambiente.
A ala leste era enorme, com imensas janelas em vitrais coloridos. Ela nunca tinha visto, pois jamais tinha ido aquela parte da biblioteca. Ficou encantada com os desenhos multicoloridos no vidro, as cores vibrantes, a textura.
Voltou-se para a prateleira enorme e viu um sem-fim de obras. Foi lendo os títulos, vendo nomes estranhos, e nada que chamasse sua atenção de imediato. Até que enfim, avistou um livro de capa vermelha, com detalhes dourados e o título em prata. Ela estendeu a mão para pegá-lo, mas esbarrou na mão de alguém que também ia na mesma direção.
- Desculpe. - disseram em uníssono.
O coração de Sol parou.
Anthony.
- Você por aqui, Sol?
Ele estava realmente espantado. Uma garota da elite na biblioteca. Era algo inédito para ele. Ainda mais quando se tratava de Sol Wiggins.
- Decidi ler um pouco. Para me distrair.
Ele sorriu.
- Isso é bom.
- Fiquei pensando em como você voltou para casa ontem. Você não tem carro, e taxistas geralmente não aceitam cartão de crédito...
- Tenho meus métodos. Mas como pode comprovar, estou vivo e bem.
Eles ficaram em silêncio, olhando para as centenas de livros organizados milimetricamente.
- Então... - começou Anthony, para quebrar aquele gelo. - Como se sente?
- Muito bem. Obrigada mais uma vez.
- Ok, então pode levar o livro.
Ela o olhou.
- Se eu estivesse mal não poderia levar?
- Se estivesse mal, eu aconselharia uma barra de chocolate.
Ela riu.
- Você só sabe falar de comida. - em segida mudou a expressão. - Mas tem coisas que nem mesmo um pote cheio de sorvete de creme com calda de chocolate poderia resolver.
Ele retirou o livro da prateleira e colocou nas mãos de Sol. Seus dedos se tocaram por alguns segundos, deixando uma sensação de formigamento nos dois. Ela fitou os olhos azuis de Anthony, e desejou mergulhar naquele mar e não imergir nunca mais.
- O sorvete pode não resolver. - ele chegou mais perto. - Mas os livros nunca mentem. Eles podem resolver muitas coisas. Principalmente este aqui.
Sol leu o título: "Dom Quixote de La Mancha", de Miguel de Cervantes. Nunca tinha ouvido falar.
- Porque acha que este livro em especial pode mudar alguma coisa? - perguntou ela. O rapaz sorriu.
- Se você for até o final, você passará a ver as coisas de outro modo. Dom Quixote era um louco, mas um louco apaixonante.
A garota arqueou as sobrancelhas.
- Está me dizendo que este livro narra a história de um louco? E que eu iria ver as coisas de outro ângulo? Não mesmo. Não o lerei jamais.
Ela devolveu o livro para a prateleira e deu as costas para Anthony, procurando a saída.
- Gosta de tudo como está?
Ela congelou por alguns instantes, e depois respondeu:
- Não tenho que gostar. Tenho que viver.
- Não é obrigada a nada. Você só fará algo contra sua vontade quando for extremamente importante e necessário.
A jovem voltou e disse:
- Como ter me levado ao fast food ontem? E ter praticamente me forçado a comer?
O rapaz confirmou.
- Exatamente.
Dessa vez, foi ele que deu as costas e saiu do campo de visão dela rapidamente, metendo-se naquele labirinto infindável da biblioteca, deixando a moça boquiaberta. Ninguém nunca lhe havia dado às costas. Principalmente um nerd. Mas ela começava a perceber que Anthony não era fã de cerimônias para garotas.
Ela percorreu todo o caminho de volta e parou na mesa da bibliotecária.
- Com licença... - e deslizou o livro pela bancada. A outra sorriu.
- Excelente escolha, senhorita Wiggins. Espero que o leia até o final.
- Vou tentar.
Ela recebeu o livro de volta, guardou o no fundo da mochila e saiu da biblioteca.
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O outro lado da moeda
RomanceUm nerd gênio no mundo da tecnologia. Uma patricinha rica que acha que tudo pode ser rotulado a seu bel prazer. Uma atração irresistível. Embarque na aventura de Sol e Anthony e veja o outro lado da moeda.