Capítulo 11: Confissões (quase) desnecessárias

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Pela primeira vez em anos, Sol dispensou a salada japonesa que comia no jantar e pediu uma pizza. Tomou um banho relaxante e permitiu se ficar de toalha na cabeça e robe. Se continuasse naquele ritmo, daqui a pouco estaria pesando uma tonelada. Mas fizera uma promessa de comer as calorias necessárias para sobreviver. E uma pizza de calabresa certamente teria.
- Estou boquiaberta Sol! - exclamou Brisa, colocando a caixa fumegante encima da mesa do quarto da jovem. - Você não come pizza há uns oito anos. Talvez mais.
- Estou com fome.
- Fico feliz por isso. No meu tempo de líder de torcida, eu comia de tudo e mantinha a forma. Mas você não vai comer tudo isso sozinha, vai?
Sol abriu a caixa e tirou uma fatia com um lenço de papel. Mordeu e depois de engolir, respondeu:
- Claro que não. Você vai comer comigo. E não aceito resposta negativa.
A mãe sorriu.
- É claro.
Elas começaram a comer em silêncio, e depois de um certo tempo, a mulher perguntou:
- Quando vai me apresentar seu namorado?
A garota engasgou um pouco e respondeu:
- Sabe que não tenho namorado.
- Então reformularei a pergunta: quando vai me apresentar Anthony?
A jovem deu de ombros.
- Não sabia que se interessava tanto pelos meus amigos...
- Por favor Sol, sabe que ele não é um amigo comum. Ele deve gostar muito de ser seu "súdito", porque...
- Anthony não é meu súdito. Ele não serve a ninguém da elite. Ele é apenas...
Ela parou. Não poderia dizer jamais que ele era um aluno comum, nem um amigo comum, porque de comum Anthony não tinha absolutamente nada.
- Ainda não descobriu quem ele é pra você? - perguntou a mãe.
- Gosto dele. - Sol admitiu.
- E ele gosta de você?
- Não sei. Acho que sim. Deve gostar. - ela pensou um pouco e continuou. - Ele disse que gostava.
- Então...
A garota levantou e jogou-se na cama.
- Faz pouco tempo que a gente se conhece, mas quando eu o ouço falar, ou mesmo quando me toca, eu sinto uma coisa indescritível... É estranho, mas ao mesmo tempo, bom.
A mãe comeu um pouco mais em silêncio. Depois levantou e sentou na beirada da cama, acariciando a cabeleira ruiva da filha.
- Nunca se sentiu assim antes?
- Nunca. Com nenhum outro garoto. Ele me fez ver que eu posso ser feliz com pouco...
Brisa espantou-se:
- Ele é pobre?
- Ele é nerd. E todos os nerds da SKT são bolsistas.
- Ele é o primeiro nerd musculoso que eu conheço. E acho que deve ser o único...
- Se Anthony tirasse a barba, cortasse um pouco a juba e tirasse os óculos, seria um príncipe encantado perfeito...
Na mesma hora que falou, Sol tapou a boca, mas já era tarde demais. A mulher deu um sorriso de orelha a orelha e falou:
- Acho que alguém aqui está apaixonada...
- Não! - gritou Sol.
- Muito bem, Aurora Wiggins. Deixarei você pensar no seu "príncipe"...
Brisa estranhou o fato da garota não ter protestado por ser chamada pelo nome verdadeiro, mas não disse nada. Se aquele rapaz havia sido o responsável pela mudança da moça, ele merecia um prêmio.
De preferência, o Nobel.
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Anthony estranhou ter sido recebido por uma carta, em vez de uma comitiva de engravatados como geralmente acontecia. Ela dizia apenas que fosse para o hotel e descesse as dez em ponto. Sem atrasos.
O quarto do rapaz ficava na cobertura, com uma vista magnífica da praia. Ele quase podia sentir o cheiro de areia e água salgada, as conchas e os coqueiros. Talvez desse uma escapada amanhã bem cedo para caminhar.
Foi ao banheiro e lavou o rosto, para espantar o nervosismo que vinha cada vez que pensava no projeto. Respirou fundo e olhou-se no espelho. Sua relativa rebeldia havia ido pelo ralo, literalmente. Sem a barba e o cabelo cacheado esmeradamente penteado, vestido com um terno preto sob medida, ninguém o chamaria de nerd. Ele seria "o gênio".
Procurou um chocolate na bolsa e foi para a varanda. A lua refletia-se no mar, dando um toque romântico a noite. Imediatamente seus pensamentos foram arrastados dali para o seu refúgio na montanha. "Sol...", pensou ele, sorrindo sem perceber.
Examinou o relógio. Nove e meia. Ela ainda estaria acordada? Quase esbofeteou-se ao pensar naquilo. Uma garota da elite não dormia tão cedo numa sexta à noite. Com certeza estaria em algum evento social. Mas prometera ligar, e cumpria suas promessas. Procurou o número na agenda e ligou.
Sol ainda estava de robe e toalha no cabelo, assistindo TV e comendo pizza e pensando no ensaio. Seu celular começou a vibrar e ela atendeu sem ver quem era:
- Alô?
- Boa noite Sol.
A voz do outro lado da linha quase a fez cair da cama.
- Anthony?! - ela sorriu, mas depois fez voz de pouco caso. - Achei que não fosse me ligar...
- Tenho palavra. Prometi a você que ligaria, e não costumo quebrar minhas promessas.
- Achei que a espécie homo de palavrum estava em extinção há muito tempo...
Ele riu.
- Como vê, sou uma exceção à regra.
- Como foi de viagem? - ela perguntou.
- Bem, na medida do possível. Não gosto muito de aviões... mas cheguei são e salvo em terra firme.
- Que bom.
Ele ficou em silêncio por alguns instantes e depois perguntou:
- O que está fazendo?
- Diga primeiro você o que está fazendo Anthony.
O jovem gargalhou.
- Ok. Estou na varanda do hotel, olhando para o mar, comendo chocolates, pensando no meu projeto e nos acontecimentos de hoje à tarde. E você?
A garota sentiu suas bochechas esquentarem. Ficara feliz por saber que o momento não tinha sido inesquecível só para ela.
- Estou assistindo TV. E comendo.
Ele riu e falou com ironia:
- Hmmm, deixe-me adivinhar... salada de alface com cubinhos de queijo sem gordura?
- Pizza.
- Pizza?! Ok, estranha, me diga onde foi parar a senhorita Dieta?
Sol tirou uma selfie com a fatia de pizza na boca e enviou para o rapaz.
Quando abriu, Anthony não pode conter uma risada. Ela estava belíssima, de robe e toalha nos cabelos, o rosto isento de maquiagem. Parecia jovem e fresca, uma garota normal, sem a sombra da princesinha que realmente era.
- O que foi? - perguntou a moça, com a raiva explícita na voz.
- Você está mesmo cumprindo a sua promessa de se alimentar direito. - e em tom de segredo continuou - E espantosamente bonita.
- Obrigada.
O silêncio pairou sobre eles de novo, e novamente foi Anthony, depois de dar  um longo suspiro, que o quebrou:
- Quero pedir desculpas por ter sido grosso algumas vezes com você...
- Não. - cortou Sol. - Você estava certo. O mundo não deve girar em torno de mim sempre.
- Ele nunca vai girar em torno de você. Ele pode conspirar a seu favor, mas nunca fazer aquilo que você realmente quer.
- Entendo...
O silêncio pairou novamente. Anthony examinou o relógio de novo. Estava na hora de descer para o jantar. Ele relutou um pouco e falou:
- Tenho que descer. Está quase na hora do jantar.
- Tudo bem. Tenho que guardar o restante da pizza na geladeira.
Ele sorriu.
- Frituras demais faz mal. Não deve ..
A moça gargalhou.
- Ora, o senhor rei do fast food, falando de comida saudável... isso é realmente incrível!
Eles ficaram em silêncio por mais um momento. Anthony comeu um pouco mais de chocolate e perguntou:
- Acha que posso convencer de que sou o melhor?
- Não sei. Mas a mim já convenceu disso. Boa sorte e boa noite Anthony.
- Boa noite, Sol.
Ele suspirou e com relutância, desligou. Guardou o celular, ajeitou a gravata e desceu para encarar os seus juízes.

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