Sol vagava pelos corredores vazios da SKT. Fazia mais de uma hora que as aulas haviam terminado, mas pela primeira vez ela não foi a primeira a sair com seu conversível vermelho. Ela não queria voltar para casa. Seus pais estavam viajando, e ela detestava ficar sozinha em casa. Mas tampouco convidava alguma de suas amigas para ir dormir com ela. De jeito nenhum.
A moça sentou no peitoral da única e gigante janela do terceiro andar, que ficava de frente para a porta da biblioteca. Sem perceber, uma lágrima escorreu lentamente por seu rosto. Ela olhou para baixo e viu o jardim bem cuidado, banhado pela luz do entardecer.
Naquele momento, ela pensou em sua vida. Não em uma pequena parte, mas sim desde quando conseguia se lembrar.
Era filha de Edward Wiggins, um famoso empresário no ramo da tecnologia. Sua mãe, Brisa, era arquiteta, mas abandonou a carreira quando ela nascera. Seu pai queria que ela fosse médica, ou advogada, mas não queria que ela comandasse a empresa que era dono. Edward tinha o arcaico pensamento de que mulher e tecnologia não davam certo. Principalmente uma rebelde como Sol.
Sol. Ainda lembrava do dia em que adotara esse pseudônimo. Os pais a haviam deixado de castigo por ela ter saído sem avisar. Ficou sem celular, TV, Internet e mesada. A garota ficou furiosa, e não aceitou mais ser chamada de Aurora. Agora havia se tornado Sol, a rebelde.
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Anthony ficou tão absorto na leitura que não notou a presença atrás dele. Quando a mão tocou-lhe os ombros, ele quase deu um salto.
- Já estamos fechando Anthony. - disse a bibliotecária.
O jovem deu um sorriso envergonhado.
- Fiquei tão envolvido com esse livro que nem percebi o tempo passar...
- Pode levá-lo se quiser.
- Muito obrigado. Eu o devolverei amanhã.
Anthony pegou sua mochila, guardou o livro e saiu da biblioteca.
Ele ficou surpreso ao encontrar Sol Wiggins sentada no parapeito da janela. E sua surpresa ficou ainda maior quando viu que ela estava chorando.
Os passos no corredor fizeram Sol se assustar, perder o equilíbrio e cair no chão. Anthony correu os poucos metros que os separavam, tirou sua mochila as costas e ajoelhou-se ao lado dela. A moça parecia estar se sentindo mal.
- Você está bem? Se machucou? - perguntou ele, sem esconder a preocupação.
Sol ergueu o olhar e se surpreendeu ao ver quem era.
- Antônimo? - disse ela, com voz fraca.
Ele a levantou.
- Consegue ficar de pé sozinha?
- Não sou nenhuma inválida.
O rapaz irritou-se, mas não disse nada. Pegou sua mochila e a ajudou a descer as escadas.
- Onde está o seu material?
- No meu carro.
- Você não está em condições de dirigir.
Ela desequilibrou-se e quase caiu, mas Anthony a segurou pela cintura. Era extraordinariamente fina. Talvez a cingisse com as mãos...
As palavras de Sol o fizeram sair do devaneio.
- Você não é médico...
- Não, mas sabe que eu tenho razão.
Era verdade. A garota sentia-se tonta, com a visão embaraçada e sem forças.
- Tenho que levar meu carro. Não confio meu bebê para ninguém.
Ela puxou a chave do bolso da calça e destravou as portas. Quando abriu a porta do motorista, Anthony a segurou com mais força.
- Me solta! - exclamou Sol.
Ele a arrastou até o banco do passageiro e abriu a porta.
- Eu seria um idiota se deixasse você dirigir nesse estado. Então me dê as chaves.
Ela olhou-o, sem acreditar. Nunca ninguém havia falado daquele jeito com ela. Nem mesmo seus pais.
Sol relutou um pouco, mas por fim, estendeu a chave dourada. Ele deu a volta e entrou no carro.
- Sabe dirigir? - perguntou a garota.
- Acha que eu arriscaria sua vida e a minha no volante?
- Acho que meu carro não é o fusca que você costuma dirigir.
Anthony ligou o carro e o manobrou até os portões.
- Onde fica a sua casa? - perguntou o jovem.
- Jardins.
Era um dos berços de milionários, com mansões enormes, cada uma mais imponente que a outra.
- Sabe onde fica? - perguntou ela.
- Sei.
- Se sabe, então porque vai por esse caminho? Os Jardins ficam na direção contrária.
-Também sei disso.
- Então...
- Vou atrás da cura para o seu mal estar.
Sol se endireitou no assento.
- Estou ótima. Foi apenas uma tontura passageira. - mas seu rosto demonstrava o contrário.
- Veremos.
Antes mesmo de chegar ao lugar, Sol já estava petrificada.
Ele a havia levado a um fast food exclusivamente para carros.
- O que!?
- Boa noite. O que vão querer? - perguntou a garçonete.
- Boa noite. Qual é o especial da noite?
- Temos hambúrguer de lombinho com molho apimentado. A sobremesa da noite é mousse de frutas vermelhas.
- Ok. Traga dois hambúrgueres de lombinho, mas separe o molho. Dois milkshakes de chocolate com muita calda e de sobremesa duas tortas de limão. Embale para viagem, por favor.
- Sim, senhor. Aguarde alguns minutos que seu pedido logo estará pronto.
As estrelas começaram a aparecer no céu, junto com uma lua crescente incrível.
- Mas porque diabos você me trouxe nessa porcaria de lugar?!?!?! - esbravejou Sol.
- Eu disse que ia curar seu mal estar...
- Sabe quantas calorias tem um milkshake de chocolate?!
- O suficiente para que você não morra de fome. Sol, você passou mal porque não se alimenta direito.
- Você não sabe nada sobre mim, seu idiota!
Ele ficou em silêncio.
- Eu não vou comer!
- Veremos.
- Você não pode me obrigar!
- Não sou um canalha para obrigá-la a fazer algo que não queira.
Ela riu e depois falou com um toque de ironia:
- Realmente. Me trouxe um lugar contra a minha vontade e não é um canalha...
A garçonete chegou com o pedido muito bem embalado.
- Aqui está senhor.
Ele recebeu a conta e perguntou:
- Aceitam cartão?
- Sim, senhor.
Anthony tirou o cartão da carteira e efetuou o pagamento.
- Tenham um bom apetite!
O rapaz pisou fundo no acelerador e afastou-se rapidamente. Novamente Sol não reconheceu aquele caminho tortuoso e sempre subindo. Mas não disse nada. Sabia que não adiantava. O asfalto acabou e eles entraram num caminho de pedras. A garota encolheu no banco. A estrada era dentro de uma floresta espessa e muito escura...
- Está com medo? - perguntou o garoto.
- Sim. - pela primeira vez ela admitia alguma coisa para alguém.
- Não se preocupe. Não mordo.
Finalmente eles pararam. Sol respirou fundo.
Nunca havia visto um lugar tão bonito quanto aquele.
Era no alto de um morro, de onde eles podiam ver boa parte da cidade. As luzes, vistas dali, tinham um efeito impressionante. A moça desceu do carro e aspirou profundamente mais uma vez aquele ar tão puro. Sorriu timidamente para Anthony, que estava desembalando os lanches.
- É lindo. Como descobriu esse lugar?
- Geralmente é onde venho em busca de inspiração... Agora venha pegar seu sanduíche. Ainda está bem quente.
- Eu não vou comer isso.
Anthony irritou-se, e dessa vez falou:
- Não estou pedindo. Estou mandando. Então pegue logo o sanduíche Sol Wiggins!
- Ninguém manda em mim. Principalmente você Antônimo.
- Tudo bem, não vou discutir. - ele pegou o molho e colocou no hambúrguer. Pegou também o milkshake e, recortando-se na frente do conversível, começou a comer tranquilamente.
Involuntariamente, a boca de Sol começou a salivar. Ela aproximou-se do rapaz e sentou do lado da embalagem de hambúrguer.
- Tem certeza de que não quer? - Anthony perguntou com voz doce.
- Se eu comer, virarei uma baleia assassina.
- É melhor ser uma baleia assassina do que morrer de fome. - ponderou ele.
Seus dedos tremiam de vontade. Seu estômago se retorcia pedindo aquele lanche. O cheiro apetitoso a fazia salivar.
- Coma. Não faz mal sair da rotina uma vez na vida.
Ela não aguentou mais. Pegou o sanduíche, abriu e colocou bastante molho. Deu uma grande mordida, lambuzando-se. Não lembrava de ter comido algo tão gostoso como aquilo. Tomou o milkshake, e voltou a morder o hambúrguer.
- Há quanto tempo você não come?
- Comi no almoço.
Ele encarou-a.
- Estou falando de comida de verdade. Que te faça sentir saciada.
Ela pensou um pouco.
- Não sei. Acho que na minha infância. Não lembro. Sempre faço dieta.
- Não pode viver só de folhas. Tem que comer bem.
Ela abaixou a cabeça, e seus cabelos cobriram seu rosto.
- Eu tenho que ser perfeita para ser aceita como membra da elite.
Anthony pegou a torta e mordeu.
- Ok, mas pelo por enquanto, esqueça que é da nobreza e misture-se com a plebe.
Ela sorriu.
- Você é estranho.
- Eu diria diferente. Mas obrigado mesmo assim.
Os dois terminaram de comer em silêncio. Por fim, Anthony perguntou:
- Como se sente?
Ela deu um largo sorriso.
- Nunca me senti tão bem como agora, Antônimo.
- Acho que agora podemos ir, então.
- Mas já?
Ele deu de ombros.
- Tenho trabalhos para fazer. Não faço parte da elite, que tem um batalhão de CDFs para fazer o dever de casa.
Ela suspirou e observou uma última vez aquela paisagem deslumbrante. Por fim disse:
- Está bem. Vamos.
Os dois entraram no carro, e Anthony deu a volta e retornou para a estrada. A viagem até os Jardins fora feita no mais absoluto silêncio. Até que cruzaram os portões do condomínio e o rapaz foi conduzindo o carro lentamente.
- Qual dessas é a sua casa?
- A de colunas de mármore. Com um jardim de rosas vermelhas na frente. Ele estacionou na calçada, em frente a uma mansão muito bonita e iluminada, a casa de Sol.
- Bom, chegamos. - disse Anthony.
Ela virou-se na direção dele e falou.
- Eu agradeço por tudo. Por ter me ajudado, me alimentado, e por ter me trazido em segurança para casa.
- Não precisa agradecer. Eu não podia deixar você naquele estado.
- Mesmo assim obrigada Antônimo. Tem alguma coisa que eu possa fazer por você?
Ele pensou um pouco.
- Tem sim.
- E o que seria?
- Que você parasse de me chamar de Antônimo!
Sol sorriu.
- Ok.
Ele entregou-lhe as chaves.
- Então, até amanhã Sol.
- Até amanhã Anthony.
A moça deu alguns passos, mas voltou novamente até o garoto.
- Como vai voltar pra sua casa? - perguntou.
- Eu me viro.
- Quer que eu chame um táxi?
- Não precisa, obrigado.
- Tudo bem...
Ela andou lentamente pelo jardim até chagar a soleira da porta. Virou-se mais uma vez para ver o rapaz que a observava. Ela deu um leve aceno e entrou.
Assim que ela fechou a porta, o rapaz tirou o celular do bolso e fez uma ligação.
- Jack? Poderia trazer a minha Ferrari até os Jardins?
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O outro lado da moeda
RomanceUm nerd gênio no mundo da tecnologia. Uma patricinha rica que acha que tudo pode ser rotulado a seu bel prazer. Uma atração irresistível. Embarque na aventura de Sol e Anthony e veja o outro lado da moeda.