Capítulo 12: Raiva e razão

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Anthony esperava encontrar um bando de homens carrancudos, e admirou-se com a quantidade de jovens. Eram seis, de uma comitiva de onze empresários da Glenn Ckloudns Corporation, empresa de Edward Wiggins. Suas posturas graves não o deixaram nem um pouco à vontade.
- Ah, aqui está ele. - disse Gregory sorrindo. - Senhores, este é Anthony Teablyn. Idealizador do projeto Small Angel.
- Boa noite senhores. - cumprimentou o rapaz, polidamente.
O rapaz sentou-se entre o pai e Tabata, sua secretária. Além de acompanhá-lo em todas as suas reuniões importantes, ela sabia quase tanto quanto ele sobre seu projeto. A moça tocou-lhe o braço disfarçadamente, para encorajá-lo.
- Então, não poderia nos adiantar algo antes da apresentação de amanhã? - perguntou um homem de cabelos grisalhos.
- Senhores, não gosto de misturar comida e negócios. - disse Gregory, mantendo a compostura com dificuldade. - Me causa indigestão.
- Correto. Deixemos esses assuntos para amanhã. Tiraremos a noite para nos conhecer um pouco mais...
Edward era alto e bronzeado, com cabelos dourados e olhos também dourados. Seu ar era autoritário e um pouco severo, a voz forte e arrogante e o rapaz imaginou como seria ser filho de um homem daqueles.
" Não deve ser nada fácil para Sol...", pensou.
- Então Gregory, esta dama trabalha com você na empresa? - perguntou o homem, sorrindo e apontando para Tabata.
- É a secretária particular de Anthony. - ele explicou. - Sabe tanto quanto ele sobre o projeto.
Alguns dos jovens entreolharam-se, admirados. O pai continuou:
- E, pelo que vejo, sua equipe é bastante jovem...
- Gosto de incentivar a criatividade dos jovens. Eles têm o poder de superarem seus próprios recordes...
Anthony concentrou-se no cardápio. Ficou pensando se pedia lagosta ou salmão. Por fim, cedeu ao peixe acompanhado de molho francês e vinho tinto.
- As seleções da GCC são bastante rigorosas. - continuou Edward, tomando um gole de champanhe. - E usei os mesmos critérios para juntarmos nesse projeto revolucionário.
O garçom serviu a todos e logo apenas ouvia-se o som de talheres e taças na mesa.
- Que tipo se critérios? - perguntou Anthony.
- Inteligência, habilidade manual, rapidez... - começou um dos rapazes, à direita do empresário. O que estava ao lado deu continuidade.
- Astúcia, flexibilidade, destreza.
- Características específicas de quase todos nós aqui. - encerrou Edward, com orgulho.
- Quase todos? - Anthony deixou escapar.
Seu pai fitou-o, mandando uma mensagem com os olhos:
"Pelo amor de Deus Lionel, não faça perguntas!"
- Alguns dos presentes não possui esse tipo de qualidades. - respondeu Edward. - Não tem o talento natural para isso...
Anthony sentiu-se confuso. Já que estavam ali, significava que todos eram capazes.
- Esse vinho está divino! - exclamou Gregory, mudando totalmente de assunto. Seu filho o encarou, e mais uma vez ele mandou uma mensagem visual.
"Fique quieto. Não fale mais do que o necessário."
- É italiano. - disse Tabata. - Reconheço pela suavidade...
- Mas a pitada ácida e a coloração escura o identifica como toscano. - Edward falou rudemente. - O vinho não deve ser rotulado por seu país, mas por sua região.
A moça encolheu na cadeira. O jovem inventor ia ficando cada vez mais confuso.
O restante do jantar decorreu sem mais comentários. Assim que terminou, eles levantaram-se da mesa, cumprimentaram-se e finalmente cada um foi para o quarto descansar.
Anthony entrou em seu quarto, afrouxou a gravata e tirou o paletó. Já ia entrar no banheiro para tomar banho e dormir, quando batidas na porta o interromperam.
- Quem será... - murmurou o rapaz.
Ao abrir, seu pai entrou rapidamente e fechou a porta. Ele também estava sem o paletó e a gravata de seda vermelha frouxa.
- Eu queria mesmo falar com você pai.
O homem olhou-o com a expressão séria.
- Eu o devia ter prevenido. Edward Wiggins não é um homem maleável...
O jovem pensou um pouco e depois falou:
- Não gostei do jeito que ele falou com Tabata.
- Nem eu. Mas não podemos fazer nada, pelo menos por enquanto.
- Como assim, nada?! Eu não deixarei ele faltar com o respeito com ela.
Gregory fitou-o, fazendo o garoto repensar nos acontecimentos do jantar.
"Alguns dos presentes não possui esse tipo de qualidades. Não tem o talento natural para isso..."
Anthony sentiu o rosto esquentar e cerrou os punhos, furioso.
- Não. 
O pai tocou-lhe o ombro.
- Eu sei que isso é estranho. Mas ele é assim...
- Ele é assim?! - esbravejou. - Pai, ele destratou Tabata porque ela é mulher!
- Ele acredita que mulher só serve para comprar tecnologia, não para produzir.
- Pelo amor de Deus!!! Isso é arcaico! - ele sentou na cama e passou a mão nos cabelos cacheados tentando se acalmar. - Eu vou pular fora.
Gregory espantou-se.
- Você não pode fazer isso. Não a essa altura do campeonato!
- Não vou fazer esse trabalho. Não pra ele.
O pai sentou ao lado dele e o abraçou. Anthony permitiu-se ficar ali, protegido pelos braços paternos. Ele não iria passar por cima de seus princípios para agradar o pai e o empresário. Não mesmo.
- Não vou obrigá-lo a fazer o projeto. Mas fizemos uma longa viagem até aqui, e não queria que Edward tivesse algo para manchar a sua reputação.
- Foi você que me ensinou princípios. Que eu jamais deveria passar por cima de mim mesmo para agradar os outros...
O homem passou a mão nos cabelos de seu filho. Ele parecia uma criança quando enganada pela primeira vez.
- Tive que engolir muitos sapos para chegar até aqui. Se quiser ser como eu, terá que trilhar o mesmo caminho.
Anthony levantou e ajeitou a gravata. Suspirou e disse:
- Eu engolirei alguns. Mas na primeira oportunidade,vou vomitá-los. De preferência, nos pés de Edward Wiggins.
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Anthony acordou bastante cedo. Vestiu short e camiseta, calçou tênis e desceu. Tinha que pensar, e nada melhor para refletir do que dando uma boa volta na praia.
Estava preso em dois pensamentos. Primeiro, pegar o próximo avião e voar de volta para casa, sem apresentar absolutamente nada. Segundo, fazer a apresentação da sua vida e conseguir essa parceria tão boa para a empresa. O rapaz não sabia o que fazer.
"Você só fará algo contra sua vontade quando for extremamente importante e necessário."
As palavras ditas dias antes a Sol voltaram como um bumerangue para ele.
A aurora começava o seu espetáculo, pintando o céu de cores vibrantes. A praia estava vazia, e o jovem agradeceu por não ter que aguentar o tumulto de pessoas andando e conversando alto. Olhou o relógio. Seis e quinze. A reunião era as nove e ele ainda nem tinha escolhido a...
Seu celular tocou. "Tabata", imaginou.
Mas não era.
- Alô?
- Bom dia... - disse uma voz sonolenta do outro lado da linha. - Espero não ter acordado você. E nem incomodado, como sempre.
A expressão preocupada de Anthony evaporou-se e ele sorriu.
Sol.
- Bom dia. Não me incomodou, acordei faz tempo. Mas... É comum uma garota da elite acordar às seis nos sábados?
Ouvia-se um bocejo e um suspiro. A voz dela saiu triste e magoada.
- Anthony, pelo menos agora, quero que esqueça de que faço parte da elite. Você mesmo me disse isso.
"Pronto.", pensou ele. "Hoje definitivamente é o dia em que minhas frases voltam para mim."
- Desculpe Sol. Sinceramente, me desculpe. Eu não queria te magoar.
A sinceridade no tom de voz do garoto fez o coração da jovem amolecer.
- Está tudo bem.
Ela revirou um pouco na cama e perguntou:
- Ansioso para a apresentação de hoje?
Ele riu.
- Um pouco. Mas suas palavras ontem me fizeram ter mais confiança.
Sol sorriu. Era incrível a capacidade do garoto de deixá-la sem palavras.
- Não esqueça de agradecer.
- Prefere pessoalmente ou por telefone? - perguntou Anthony, com uma inocência fingida.
- Acho que por telefone seria mais rápido. - respondeu ela, prendendo o riso. - Mas pessoalmente seria bem melhor.
- Não duvide... - sussurrou ele.
O silêncio era quebrado apenas pelo suave murmúrio das ondas morrendo na areia. A garota apurou um pouco os ouvidos e perguntou:
- Está na praia?
- Sim. Aproveitei para caminhar e meditar nos últimos dias.
"Em especial, no nosso último encontro.", completou em pensamento.
- Você pensa tanto que chega a irritar... - disse ela.
- Fui educado para agir com a razão.
- Às vezes a razão é uma idiota.
Ele deu um risinho.
- Não mesmo.
Sol levantou e abriu as cortinas do quarto. Ela nunca fazia aquilo, sempre era a empregada. Respirou o ar fresco da manhã e falou:
- Você me inspirou a sair também...
- Isso é bom. Verá que o ar da aurora faz bem.
A jovem sempre se sentia estranha quando ele falava aquela palavra abolida de seu dicionário. Aurora...
- O amanhecer traz energias positivas. Vou aproveitar para recarregar as baterias e descarregar minha energia nervosa e as calorias da pizza de ontem.
Anthony comentou:
- Isso é muito bom pra você. A caminhada não é somente um exercício para o corpo, mas para a alma também.
O celular do rapaz vibrou, indicando que uma nova mensagem de texto havia chegado.
Seu pai.
- Sol, eu tenho que desligar. Parece que minha reunião começa mais cedo...
Ela suspirou e respondeu:
- Está tudo bem. Mais uma vez boa sorte. Vamos comemorar a vitória do seu projeto Anthony.
- Cruze os dedos. Até logo Sol.
- Até logo Anthony.
Finalmente ele leu a mensagem que seu pai havia mandado.
"Estou te esperando no bar de cima."
O rapaz correu um trecho de duzentos metros de areia até um barzinho com cobertura de palha esverdeada. Gregory estava ocupando uma mesa, com óculos escuros, short, tênis e camiseta como o filho. Tomava suco de melancia com bolinhos de chuva e observava a paisagem distraidamente.
- Bom dia pai. - cumprimentou o garoto, sentando na cadeira em frente.
A garçonete veio atendê-lo, entregando-lhe o cardápio e esperando-o fazer o pedido.
- Vou querer um suco de laranja e bolinhas de queijo e presunto. Ah, e trufas de maracujá. Quatro.
O homem sorriu.
- Eu já esperava que você fosse se entupir de doces logo cedo.
- Os doces me acalmam. Principalmente numa reunião tão importante quanto essa.
- Ainda bem que repensou, filho. Seria desastroso se não tivéssemos um projeto para ser mostrado hoje.
- Verdade. Mas não é só por isso que estou assim.
A moça chegou com o pedido e ele logo pegou uma trufa e comeu. Era divina! Iria comprar uma porção para levar para comer no laboratório. E talvez uma cesta de bombons para Sol...
- Então... - a voz de Gregory saiu relutante.
Anthony deu o seu mais belo sorriso e disse enigmático:
- Eu estou pensando em algo...

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