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Apesar do silêncio, os sentimentos que cada uma daquelas pessoas trazia dentro de si eram tão fortes que quase gritavam aos meus ouvidos. Ignorando os demais, aproximo-me da minha esposa e olho bem dentro de seus olhos, querendo ler neles alguma esperança, ou pelos guardar na memória a última chance que terei de fazê-lo.
- Dilan, me escute. Eu posso explicar tudo... Não dê ouvidos a elas. Minha avó e Derya são como serpentes que me traíram e enganaram... Eu estive sim naquela situação mas totalmente contra a vontade, na verdade nem lúcido estava... As duas colocaram sonífero no meu chá, então Derya aproveitou para fingir que algo havia acontecido entre nós, mas foi mentira... É tudo uma armação para nos separar... Você precisa acreditar em mim Dilan, eu juro que não encostei nela nem em nenhuma outra depois que te conheci... Só existe você e nosso amor... Essas fotos são mais uma trama nojenta... Não vá embora... Você não pode me deixar agora, nem nunca... Nós temos muita vida pela frente, eu...
- Baran... Acalme-se meu amor. Eu confio em você. Soube desde que botei o olho naquelas fotos que tudo fazia parte de um plano sórdido. Não tenho intenção de sair do seu lado, apenas precisei acertar as contas com Derya definitivamente... Parece que agora ela entendeu quem é a senhora Karabey.
Totalmente confuso, desvio o olhar para Derya e, somente agora, noto seu rosto machucado. As bochechas estão vermelhas, há marcas de unhas em seu pescoço e o lábio inferior está inchado e cortado. Será que Dilan fez isso? Volto a encarar minha esposa, dessa vez em um misto de alívio e admiração. Ela não fugiu... Ficou e acreditou em mim. Eu que já lhe dei todos os motivos para me odiar e não merecer seu amor nem confiança, fui aceito por essa mulher incrível.
- Só passei aqui para verificar como todos estavam antes de retornar para o hotel e...
Engoli as palavras seguintes da minha esposa em um beijo desesperado. A angústia, medo e desejo me consumiam... Estive mil pés abaixo do inferno na certeza de que sofreria até a morte sozinho amargando a saudade de Dilan e agora que a tenho novamente em meus braços, o mundo pode se partir em mil pedaços que não me pararia. Sorvi de seus lábios toda doçura como se os provasse pela primeira vez, minhas mãos apertaram seu corpo, reconhecendo cada curva, marcando a pele perfumada, o pensamento correndo solto através das lembranças da noite anterior, com Dilan em meus braços, em meu corpo, toda minha...
- Baran!
Meu nome ecoou pela casa partindo dos lábios de minha avó. Só então lembrei-me que haviam outras pessoas conosco.
- Meus olhos sangram vendo tamanha pouca vergonha! Realmente essa víbora cravou as garras em você e transformou aquele homem forte e honrado que eu criei em um fantoche!
- Meça suas palavras senhora Azade... Não permitirei que insulte minha esposa.
- Não pretendo me demorar, vim até aqui somente para levar meu filho e neto para casa. Cihan, traga seu pai e vamos embora.
- Eu não irei vovó! Pretendo morar aqui com meu irmão...
- Não me desobedeça! Diferente de Baran que se mostrou ingrato e sem juízo, você ainda é uma criança, tem tempo para aprender o que é correto e eu irei lhe ensinar. Quanto a Kudret, jamais permitirei que ele viva um tormento sob o teto da filha do assassino. Meu filho vem comigo.
- Basta! Ninguém irá embora dessa casa. Todos estão aqui justamente para se afastar de você e suas maldades. Eu ainda sou o chefe dos Karabey e minhas ordens devem ser seguidas.
- Não mais... Logo após você fugir abandonando sua família para se juntar a essa escória, Hassan assumiu o comando de tudo. Agora é a ele que devemos obediência e respeito.
Nesse momento, meus nervos que estavam mantidos com muito custo sob controle, explodiram em uma tempestade dentro de mim. O semblante de meu tio, vitorioso e arrogante foi como um gatilho para minha ira. Eu sempre soube de sua inveja, da ganância e fome de poder que ele trazia consigo. Se, em algum momento eu tivesse deixado me levar por seus conselhos ou baixado a guarda em sua presença, tenho certeza que a família estaria em ruínas a muito tempo.
- Não se preocupe sobrinho, eu derramarei sangue por você. Vou acabar com a vida do filho do assassino e então nosso nome será honrado novamente.
- Não!
Durante segundos suspensos no ar, ficamos olhando-nos uns aos outros, confusos, imaginando quem havia dito tal coisa em uma voz grave e tempestiva, até que para nosso assombro, meu pai surge na porta do quarto.
Ficamos imóveis e incrédulos enquanto ele se aproxima a passos cambaleantes e se posiciona frente a meu tio lhe apontando o dedo.
- Hassan... Minha esposa... O tiro... Foi ele... Assassino...
Embargado pela emoção de ouvir novamente a voz de meu pai, custei a assimilar as palavras ditas por ele. A muitos anos venho guardando na memória seu timbre forte porém calmo, seu tom caloroso e claro de falar. Pareço estar em meio a um sonho... A esperança de dias felizes brota vigorosamente em meu peito... Papai finalmente em pé, caminhando e falando é uma resposta a todos os anos de orações de um filho desesperado.
Diminuo a distância entre nós e o puxo contra o peito em um abraço. Queria poder lhe guardar para sempre assim, sob minha proteção para que nunca mais nenhum mal lhe aconteça. Nesses anos que cresci tomando conta dele, tornei-me um pouco seu pai e ele meu filho. Alimentava, limpava e zelava por seu bem estar assim como foi feito comigo quando criança. Sob meus ombros levo o peso da responsabilidade da sua vida. Seguro seu rosto entre as mãos e deixo as lágrimas rolarem livres sobre minha face. Os olhos claros de meu pai também estão marejados, somente nós dois sabemos quanta luta, quantos segredos e quanto dor compartilhamos sem palavras.
- Você deveria ter continuado calado e inválido irmão. Agora serei obrigado a terminar o que comecei naquele dia.
A voz do meu tio Hassan interrompeu nosso momento, e nos fez olhar em sua direção. Uma arma foi apontada e engatilhada. Um grito de pavor passou pelos lábios da vovó Azade e em seguida o som de um tiro fez tudo escurecer.
