Ierousalim

CAPÍTULO 5

Em seu interior, minha mãe sabe que precisa curar suas feridas internas e que jamais poderá fazer isso sozinha.

- Como a senhora sabia que minha mãe estava possuída? - pergunto a Helena, que calmamente se senta ao meu lado.

- Essa é uma habilidade que tenho: discernimento de espíritos. De certa forma, consigo ver quando uma pessoa apresenta sinais de possessão. Assim que sua mãe entrou aqui, vi que a alma dela estava manchada. Eu só não usei o pingente antes, porque queria ver qual o propósito do demônio aqui, e, certamente, era te impedir de sair de Ierousalím.

- Sinceramente, Helena, eu mal consigo absorver toda essa informação.

- Sua mãe estava possuída por um espírito maligno para te vigiar. Apoliom deve suspeitar que, como seu pai e sua mãe, você também tivesse alguma habilidade especial.

- Espera aí! Meu pai, tudo bem. Mas, como assim a minha mãe possui uma habilidade?

- Sim - responde Helena, olhando diretamente para minha mãe. - Possui a habilidade de amar, mas desde que perdeu seu pai, essa vocação desapareceu. Ela deixou de se fortalecer com as meditações e, por isso, ficou vulnerável a possessões malignas. A Agnes precisa voltar a meditar e fortalecer o espírito.

- Sim, filha, é verdade - responde minha mãe, limpando as lágrimas que escorrem dos seus olhos. - Desde que seu pai se foi, me mantive inerte e escondi isso para te manter segura. Como seu pai havia apagado sua memória, não queria que você suspeitasse que também pudesse ter algum tipo de habilidade. Por isso, sempre me neguei a conversar sobre o assunto. Eu não concordei com seu pai na época, mas Robert estava determinado demais. Ele cuidava de você tão intensamente que pretendia te trazer a fim de ser criada por Helena, o que não ocorreu devido a sua morte.

- E por que desistiu? Por que não deu continuidade ao plano do meu pai e me trouxe para a casa da Helena? - pergunto a minha mãe, com os olhos marejados.

- Porque eu a amava demais, filha, não queria que vivesse longe de mim. Reconheço que sou indiferente a muitas coisas. Perdi a habilidade de amar há muito tempo e hoje já não a amo mais como antes. Tudo que me restou foi o instinto protetor de toda mãe. O amor não é egoísta, filha, e eu me tornei uma mulher egoísta! Coloquei minha vontade acima do que era melhor para você - responde minha mãe, em meio às lágrimas.

Mal posso acreditar no que ela acaba de dizer. Minha própria mãe confessou diante de mim que não me ama. Isso é cruel. Sinto de perto a rejeição, estive desamparada pela minha própria mãe. Embora eu saiba que ela não pode me amar, nem se quisesse, já que perdeu a habilidade de demonstrar tal sentimento. Levanto-me e ando de um lado para o outro na sala, até que finalmente tomo coragem para falar.

- Vamos dar um jeito nisso, mãe! - digo, com determinação, recebendo o olhar de todos.

- Então você não me odeia por eu não te amar da forma como deveria? - pergunta minha mãe, com a voz trêmula.

- Claro que não, mãe. Entendo que perdeu sua habilidade pelo que aconteceu com o papai. O fato de se preocupar comigo o tempo inteiro não pode ser só por instinto. Acredito que ainda sobrou algo dentro de você, mãezinha. - Pego suas mãos e percebo o quanto estão geladas.

- Precisamos reaquecer esse amor, Agnes - diz Helena com ternura. - Vamos fazer da seguinte forma: permita que Aurora vá para o reino de Ouránios com Eduard e você fica aqui comigo. Posso te ajudar a fortalecer seu espírito enquanto meditamos juntas, assim não ficará vulnerável a possessões. Enquanto isso, Aurora pode dar início ao seu treinamento. O que acha? - pergunta ao se aproximar de nós e colocar sua mão por cima das nossas.

- Eu não quero incomodar - diz minha mãe, meio sem jeito.

- Não é incômodo de maneira alguma - responde Helena, com esperança de que minha mãe aceite sua proposta. - Então, o que me diz?

- Está bem! Mas com uma condição.

- E qual seria? - pergunto, curiosa.

- Que Eduard a proteja de qualquer perigo. E eu prometo escrever toda semana.

- Não se preocupe, sou treinado para isso - responde Eduard, cruzando os braços. - Eu não tive a oportunidade de dizer antes, mas faço parte dos celestiais, a frota dos soldados mais valentes de Ouránios. Portanto, Aurora estará segura.