CAPÍTULO 14

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Chego aos portões de Ouránios logo que saio da sala de Hakon, e lá está Eduard com dois cavalos à minha espera. O sol já está se pondo e tudo ao meu redor parece diferente agora. Consigo controlar minhas habilidades, mas sei que tenho um longo caminho a percorrer até o final do treinamento, quando finalmente estarei pronta. Ao me ver chegar, ele sorri, o que não é muito comum, pois desde que nos reencontramos sempre esteve muito sério e com o semblante preocupado. Deixo de pensar nisso e paro para admirar o belo sorriso de Eduard. Amo as covinhas que se formam nas bochechas dele.

- E então? Pronta para nosso passeio?

- Mais do que pronta! - Respondo enquanto subo no cavalo.

Enquanto cavalgamos pelas estradas de Ouránios, me concentro em minha visão, pois quero aproveitar ao máximo cada detalhe da paisagem desse reino. Ouránios é lindo demais; sinto uma harmonia e uma paz sem fim ao percorrer as estradas com Eduard. Consigo ver as campinas verdejantes onde um rebanho de ovelhas pasta livremente a alguns quilômetros à nossa frente. Queria que Eduard pudesse ver o que estou vendo.

O comércio em torno do palácio é bem movimentado. Ao sentir o cheiro de alguns temperos que estão à venda, lembro da minha mãe e do quanto sinto falta dela, da comida dela. Queria ter notícias de como ela está se saindo na casa de Helena. Meus pensamentos se voltam para Laura, ela adoraria isso aqui. Com a mente divagando, ultrapasso Eduard em disparada.

- Ah! Você quer apostar corrida, é? Está bem!

Eduard vem em minha direção a toda velocidade. O vento bate em meu rosto, trazendo a sensação de liberdade que eu tanto gosto. Sorrio ao olhar para trás e ver que ele está quase invisível no meio da areia que meu cavalo levantou ao correr, mas não demora muito para que ele consiga me acompanhar.

- Por ali, Aurora! - Eduard aponta para uma curva que indica a entrada da floresta.

Descemos do cavalo e continuamos caminhando. Ao adentrar a floresta densa, olho para cima e observo as copas das árvores que se tocam, formando um "teto" verde. O clima é agradável, e há pássaros cantando ao redor e logo à frente me deparo com a imagem mais bela que já vi: uma clareira. No centro dela, vejo uma pilha de lenhas e a luz do sol poente penetra entre as folhas das árvores dando uma certa luminosidade ao lugar.

- Parece que você esteve muito ocupado enquanto estive com Hakon... - comento enquanto observo todo o lugar, que parece mágico.

- Um pouco, confesso. Quase ninguém vem a essa clareira achei que você gostaria de um lugar como esse, com essa quietude. Venho aqui quando quero ficar sozinho.

Eduard amarra os cavalos em uma árvore e acende a pilha de lenha, formando uma fogueira. Ele havia pensado em tudo. Ao meu lado, vejo um tapete de lã marrom por baixo de algumas vasilhas com frutas, pães frescos com ervas e garrafas de suco. Não é necessário um olfato aguçado para sentir o maravilhoso cheiro que vem das vasilhas.

- Devo confessar que estou um tanto admirada com sua atitude, Eduard. Todos esses dias você esteve tão sério! Não imaginei que gostasse desse tipo de coisa.

- Sou um soldado, Aurora. É normal que eu pareça assim - ele sorri e senta no tapete ao meu lado.

A luz da fogueira ilumina todo o ambiente, trazendo um certo calor, suficiente para equilibrar a temperatura que começa a cair pela noite que se aproxima.

- E então, como foi com Hakon? - Eduard pergunta sem rodeios enquanto come um pedaço de pão.

- Achei que seria algo difícil para mim, sabe, Eduard? Mas pela reação de Hakon acho que me sai muito bem - sorrio ao ver a expressão curiosa de Eduard. - Foi tudo bem rápido! O que quero dizer é que já controlo minhas habilidades. Não com tanta perfeição, mas ainda chego lá! - Pisco e tomo um gole do suco.

- Sério? Nossa! Você é mesmo muito especial, Aurora. Demorei um bom tempo para controlar a minha e olha que só possuo uma.

Sinto as bochechas queimarem ao ouvir as palavras de Eduard. Passamos horas rindo e relembrando momentos da nossa infância. Principalmente quando Eduard foi à minha casa no dia do meu aniversário de 8 anos e me entregou uma caixa e quando a abri, tinha um sapo nojento dentro, lembro que chorei o dia inteiro.

- A culpa foi minha - diz Eduard de repente, deitando-se no tapete e contemplando o céu, que agora estava imensamente estrelado.

- Como assim culpa sua? Do que está falando, Eduard?

- Minha irmã Lúcia!

Fico surpresa com a espontaneidade dele ao tocar no assunto, mas percebo que não é o momento de fazer muitas perguntas. Deixo que ele fique à vontade para conversar, afinal, Eduard parece uma muralha intransponível quando o assunto é sentimento.

- Sabe, Aurora, às vezes é assustador se abrir para as pessoas. Tenho receio de dizer o que estou sentindo, principalmente para as pessoas com quem eu me importo - ele continua.

- Eduard, eu não sei o que dizer, mas... Pode se abrir comigo. Se você quiser, claro - digo, me deitando ao lado dele no tapete, enquanto fitamos o céu cheio de estrelas, que parece um quadro pintado de tão lindo. Lembro dos nossos tempos de infância, quando costumávamos deitar na grama por horas, admirando as estrelas juntos.

- E se você me odiar e não me compreender? O que fiz não tem perdão, e não espero que me perdoe, mas eu não aguento mais levar esse fardo sozinho. - diz Eduard, com a voz embargada.

- Eu sempre vou te compreender, Eduard. Já não somos crianças, mas permanecemos os mesmos amigos de antes. Sabe que pode falar o que quiser comigo. Sempre estarei aqui para você. Não há nada nessa vida que seja imperdoável. Diga. - O encorajo.

- No dia em que eu, você e Lúcia fomos ao Lago Karnak, antes de sair de casa, eu a desafiei a saltar da pedra mais alta do lago. Apostamos que quem tivesse coragem de subir na pedra mais alta e mergulhar, ficaria uma semana sem limpar o estábulo dos cavalos. Por isso Lúcia subiu naquela pedra, ela queria me provar que não tinha medo e que estava disposta a ganhar a aposta. Vivo com essa culpa desde que sai de Ierousalím. Entende agora? Se eu não tivesse feito aquela aposta idiota, talvez agora Lúcia estivesse aqui conosco. Talvez nem tivesse saído de Ierousalím. A culpa fez eu me afastar de você, Aurora, eu não queria te decepcionar. Não suportava a ideia de você me odiar por isso, e quando seu pai decidiu apagar sua memória e nos contou tudo o que estava acontecendo, me senti aliviado em saber que você não se lembraria de mim. Me senti aliviado em saber que eu não teria que te contar isso na época - Eduard vira a cabeça e fita os seus olhos em mim. - Mas agora tudo mudou. Você está aqui e estamos de novo fazendo parte um da vida um do outro. Eu não quero mais carregar essa culpa e nem quero me afastar de você.

- Você não tinha como saber, Eduard! - Viro o rosto na sua direção e o encaro. - Éramos crianças e você jamais faria nenhum mal a sua irmã. Sei que não faria - enfatizo.

- Então, não me odeia por isso? - percebo os olhos de Eduard marejados.

- Claro que não! Tira isso da sua cabeça. Lúcia não gostaria que se culpasse desse jeito. Se tem uma coisa que aprendi até aqui, é que a vida não é nada fácil e nem sempre vai aparecer alguém para salvar você. Nem tudo faz sentido, Eduard, mas você é forte e vai superar isso. Vamos superar juntos!

- É difícil ser sozinho - diz Eduard ao se levantar.

Me levanto em seguida e o encaro novamente.

- Sempre estarei aqui para você, Eduard. Sempre que precisar. Mas você precisa se perdoar. Você não está mais sozinho, eu estou aqui agora.

IerousalimOnde histórias criam vida. Descubra agora