CAPÍTULO 6

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Decidimos partir ao entardecer. Eduard quer chegar ao reino de Ouránios bem cedo e parece apreensivo por isso. A ideia de uma viagem durante a noite inteira não me parece muito agradável, mesmo assim não reclamo. Dou um beijo e um abraço bem apertado em minha mãe enquanto as lágrimas rolam pelo seu rosto.

- Vai ficar tudo bem, Aurora, não se preocupe! Sua mãe estará segura e me fará uma boa companhia - diz Helena, tentando me reconfortar enquanto coloca o braço ao redor do ombro da minha mãe.

Assinto e entro na carruagem que nos aguarda. Eduard me ajuda a subir, segurando minha mão, o que me surpreende, não por ele me ajudar, mas pelo fato de demonstrar uma genuína preocupação comigo. Quando ele toca minha mão, uma sensação incomum vem sobre mim, a qual nunca havia sentido antes. Meu coração acelera ao seu toque. Desde que o conheci, ele mantém uma aparência séria e não parece ser muito dado a gentilezas. Olho pela janela enquanto a carroça parte e aceno para minha mãe que está abraçada a Helena.

- Então, você não se lembra mesmo de mim, não é? - pergunta Eduard, olhando para mim como se eu o tivesse desapontado.

- Como assim me lembrar de você? Nos conhecíamos antes do meu pai apagar minha memória? - pergunto curiosa.

- Sim. Passamos boa parte da infância juntos. Eu, você e minha irmã que faleceu há alguns anos. - Eduard parece triste e arrependido ao falar da irmã.

- Lamento, Eduard, mas não me recordo de nada referente a você ou à sua irmã. Depois de tudo o que me contou, sinto uma incerteza se realmente quero recuperar minhas lembranças. Há momentos em que desejo recordar tudo de uma vez, mas também tenho receio de que essas lembranças tragam não apenas as habilidades, mas também as recordações de todas as experiências que vivi.

A carruagem chacoalha vigorosamente, exigindo que eu me esforce para manter o equilíbrio durante todo o percurso.

- Bom, eu sou uma completa desmemoriada - Sorrio, tentando descontrair e aliviar a tensão que se instalou entre nós, afinal, apesar de termos nos conhecido recentemente, ainda há muito a descobrir sobre Eduard. É intrigante pensar que ele sabe mais sobre mim do que eu mesma. - Então, Eduard, até que eu recupere minhas memórias, você poderia compartilhar um pouco mais sobre você e sobre como foi nossa infância juntos? Estou curiosa para saber mais. O que acha? - Provoco, buscando obter mais informações.

- Bom, o que poderia dizer? Você sempre foi muito amada pelo seu pai. Ele era um homem bom, muitas vezes me chamava para pescar, e você, como de costume, ia junto. Naquela época, eu tinha treze anos e sabe como é, de certa forma, sentia falta de uma presença paterna em minha casa. Seu pai, sem perceber, supria isso em muitas dessas pescarias. No inverno, você ficava extasiada com a neve, e todas as vezes que ia até a nossa casa para nos visitar, ficávamos horas no quintal fazendo bonecos de neve. - Eduard sorri meio sem graça.

- E sua irmã? Como faleceu? Achei que você fosse filho único. Sua mãe nunca mencionou ter tido uma filha durante todo esse tempo - questiono curiosa.

- Esse é um assunto que, por ora, eu não gostaria de falar, se não se importa.

- Tudo bem - respondo, arrependida por ser tão inconveniente e curiosa.

Desvio o olhar para a janela para não ter que encará-lo, mas de repente a carroça passa por uma estrada íngreme e esburacada, e eu não consigo me segurar, acabo quase caindo em seu colo, mas ele me segura pelo braço, e por um momento nossos olhos se encontram. Estamos tão próximos que consigo sentir sua respiração.

- Você precisa ter mais cuidado - ele diz, e instantaneamente solta meu braço se afastando.

- Você tem razão, me desculpe - respondo após ter a certeza de que fiquei corada de tanta vergonha com nossa proximidade.

- Perdão, eu não tive a intenção de ser tão rude.

- Como é o reino do Rei Emanuel? - pergunto, tentando dar outro rumo à conversa.

- O reino de Ouránios é lindo. Não saio muito do castelo quando estou lá. Faço parte da frota de soldados responsável pela segurança do rei. É um reino pacato, as pessoas são bem receptivas, e os Abadons nem ousam entrar lá.

- E o rei permitiu que você visse sua mãe depois de tantos anos de treinamento? - pergunto, desviando o olhar para as montanhas que aparecem pela janela.

- Na verdade, não. - Olho de soslaio e vejo Eduard passando a mão pelos cabelos negros que caem em seu rosto. Ele parece tão tenso quanto eu. - Ir à casa da minha mãe foi uma tarefa designada pelo Rei Emanuel, ele ordenou que eu a buscasse, Aurora. Quando a encontrei na estrada, não foi por acaso, eu estava à sua procura.

- Como assim à minha procura? - questiono, assustada.

- A habilidade de revelação, esqueceu? - responde Eduard, apontando para a própria cabeça com um leve sorriso. - Tudo o que sei é que eu tinha que levá-la ao rei. Foi a missão que recebi, e não a mencionei antes porque era sigilosa. Essa informação não podia ser descoberta por outras pessoas, nem mesmo pela minha mãe ou pela sua, mas garanto que quando encontrarmos o Rei Emanuel, tudo será esclarecido.

- Sabe, Eduard, você é um verdadeiro enigma - suspiro e entrelaço as mãos, tentando conter o nervosismo.

- Não precisa temer, Aurora. Estará segura em Ouránios - ele diz, percebendo a preocupação no meu olhar e então, volta o rosto para a janela.

IerousalimOnde histórias criam vida. Descubra agora