Creio que seja um consenso público que, quanto mais tarde se sai de um lugar, mais perigoso pode ser, especialmente para mulheres. É nisso que penso enquanto termino meu trabalho em uma loja de conveniência em um posto relativamente isolado. São 11:30, faltam exatos 30 minutos para que meu turno acabe e, por sorte, não há nenhum cliente além dos motoristas que param de vez em quando para reabastecer. Porém, são poucos os que param na loja.
Na conveniência, assim que se entra, tem-se o caixa em formato de L com três fileiras de prateleiras e banheiros ao final do lado direito. Estou na última fileira, arrumando pacotes de macarrão instantâneo e algumas batatas que um grupo de adolescentes, claramente bêbados, havia bagunçado. Algumas batatas estavam no chão, outras fora do lugar. Enquanto organizo a estante, ouço o sino da porta e olho para o espelho, vendo um homem relativamente alto, de calça jeans e moletom com capuz. Ele estava com as mãos nos bolsos e olhava ao redor, como se procurasse alguém. Dirijo-me ao caixa, passando pela portinhola.
— Olá, boa noite. Como posso ajudá-lo?
Ele demora a responder. Olha para mim e em volta.
— Senhor?
— Quero um cigarro... e uma cerveja.
A voz dele era áspera e rouca. Falava como se para si mesmo, mas olhava fixamente para mim, vidrado. Tinha olheiras fundas, ossos das bochechas aparentes e olhos tão claros que pareciam brancos. Seus cabelos negros como piche caíam sobre o rosto.
Apenas obedeci, peguei o pedido e passei no caixa, dizendo o preço. Ele apenas assentiu com a cabeça.
— Tá sozinha?
— Perdão?
— A senhorita está sozinha?
Pensei em dizer que sim, mas algo dentro de mim gritou para que dissesse não, então obedeci a voz que ecoava em mim.
— Não, tenho um colega nos fundos. Deseja mais alguma coisa?
Ele era muito mais alto que eu. Mantive a postura ereta para parecer confiante. Ele não mudou de postura e ainda mantinha um olhar vidrado em mim. O homem olhou para suas compras, pegou-as e saiu da loja sem dizer uma única palavra, o que, confesso, me deu ainda mais medo. A incerteza sobre o que ele queria ao fazer aquela pergunta percorria meu interior. Passaram-se 40 minutos e meu colega estava atrasado. A figura daquele homem não saía da minha cabeça. E se ele voltasse? E se voltasse acompanhado?
Não podia sair. Tinha de esperar meu colega. Um medo inexplicável me percorria, pois estava sozinha naquele local e o frentista não veria se alguém entrasse na conveniência. Estávamos apenas eu e o barulho eterno do relógio. Pairava em mim uma sensação extrema de que algo estava prestes a acontecer e que era apenas questão de tempo. Passados 15 minutos, meu colega chegou. Não trocamos versos e poesias, apenas peguei minhas coisas e saí dali, batendo meu ponto.
A rua era mal iluminada, com alguns postes funcionando e grama alta ao lado da calçada, que estava cheia de remendos mal feitos, prontos para derrubar alguém desatento. Do outro lado, um asfalto com pontos laranjas e marrons espalhados. Caminhei por quase seis minutos, ouvindo a sinfonia da mata, quando ouvi um barulho atrás de mim. Virei-me rapidamente e deparei com uma figura alta, a face coberta pela sombra, levemente aparente atrás do mato alto. Congelei ao vê-lo atrás de mim. Ele parecia uma sombra parada em meio à folhagem. Não tinha nada para me defender, nada para espantá-lo. Apenas fiz que não havia visto a presença, olhando para outras direções, e segui meu caminho atenta ao som de seus passos.
Cada passo que ele dava era como uma facada em meu interior, já que seu andar era similar ao de um gato. Passamos o que, para mim, parecia uma eternidade andando, até eu avistar o ponto de ônibus ao longe, com uma pessoa apenas. Não sei o que havia feito de bom no dia de hoje, mas ouvi o barulho de um motor e vi que era o ônibus passando por mim e parando mais adiante para que eu entrasse. Não hesitei e corri o mais rápido que pude, ouvindo-o correr atrás de mim. Nunca fui boa em esportes, sempre a última a completar a volta na quadra. Corri pensando no que aquele desconhecido faria se me pegasse, sentindo-o se aproximar, ouvindo aqueles passos largos e decididos. Senti o calor percorrer meu corpo, indo até minhas pernas e braços. Corri como nunca havia corrido. Em certo momento, o ar faltou em meus pulmões e minha barriga doeu como se uma faca estivesse sendo fincada em mim. Mas o desespero me consumia enquanto via o ônibus dando partida. Corri mais e mais, até sentir algo agarrar minha bolsa pela alça. Sentindo algo se aproximar de meu braço, puxei a alça e a soltei com força em sua direção, dando passos mais largos ainda. Estendi o braço e senti a gélida firmeza do metal, batendo com o máximo de força que pude. Rezei, rezei para tudo que existia, vendo-o se distanciar até finalmente parar. Pulei para dentro do ônibus, correndo ainda para o meio, olhando para trás e vendo apenas bancos vazios. Senti minhas pernas fraquejarem e sentei no primeiro banco, tentando recuperar o fôlego perdido, mas respirava aliviada por estar a salvo, sem documentos, mas a salvo.
Me ajeitei no banco, pensando em como poderia voltar amanhã para o trabalho. Seria seguro? Afinal, ele sabia onde eu trabalhava. Refletindo ali, sentada naquela van preta, amarrada como um porco, com a circulação dificultada, concluí que não.
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histórias noturnas
Short StoryApanhado de contos de terror e horror sobrenatural autorais com cada conto tendo uma temática diferente, do irreal ao real. Aviso para leitores com leitura sensível