Honestamente, tento ser uma boa esposa. Minha esposa, Ana, estava enfrentando diversos problemas no trabalho com chefes abusivos e muitas atividades, ao ponto de trazer trabalho para casa e ficar sem dormir. Então, planejei umas "férias" para ela durante o fim de semana. Moramos em uma cidade grande e sufocante, então pensei que um fim de semana no interior faria bem para ela. Ana é trabalhadora e dedicada, então fazer isso é o mínimo que posso fazer por ela.
Passei no mercado para comprar alguns aperitivos para a viagem, já que não gosto de parar em postos de gasolina ou lanchonetes de estrada. Depois, passei no mecânico para confirmar se o carro estava em boas condições para viajar, pois ela se preocupa muito com a possibilidade de ficarmos presas em um lugar desconhecido, o que acho um medo compreensível. Cheguei em casa e ela já havia feito as malas e estava completamente animada. Andava na ponta dos pés, dando alguns pulos e frequentemente massageando as bochechas, mas não parava de sorrir. Fiz um afago em sua cabeça.
— Você parece uma criança de tão animada.
— É claro! Como não ficar? Vamos sair juntas depois de tanto tempo, e por sua preocupação comigo.
— Você é minha princesa. Como não me preocuparia?
Ela sorriu, me abraçando e dando-me um beijo. Colocamos as coisas no carro como em um jogo de Tetris e nos aprontamos para sair. Foi extremamente tranquilo, com pouco trânsito, até finalmente sairmos da cidade. Ela estava sentada no banco do passageiro, comendo um pacote de jujubas. Sorri para ela discretamente. A viagem estava tranquila até que encontramos um engarrafamento e ficamos paradas lá por uma hora e meia.
— Olha, eu não gosto de mudar de rota, mas essa aqui é mais demorada. Porém, esse engarrafamento tá uma tortura.
— Não gosta de ficar na minha companhia?
— Eu adoro sua companhia, meu bem, mas odeio engarrafamentos. Olha, tem uma rua aqui que vi lá atrás que vai dar onde a gente quer ir. É meio deserta, mas é melhor do que ficar pegando engarrafamento nas BRs.
Ela franziu as sobrancelhas, não gostando muito da ideia, por medo de ficarmos sem sinal e termos algum problema. Acariciei sua perna levemente para lhe confortar. Ana já tinha feito uma viagem alguns anos atrás em que acabou se perdendo por dias, daí o trauma. Puxei-a para dar um beijo na bochecha, vendo um leve avermelhado surgir em seu rosto. Ela assentiu para que pegássemos a rota alternativa. Dei-lhe um gentil sorriso, virando o carro.
No início, praticamente não havia carros, mas, após uma curva, não havia sinal de nenhum veículo. Era uma estrada de asfalto com um pouco de terra, folhas pelo caminho e muitas frutas. Geralmente, ao ver uma fruta pelo caminho, é comum passar por cima, mas, se quer um conselho: passar por cima de uma pode gerar um acidente. Em determinado momento, comecei a sentir a direção pesada, com dificuldade de desviar de buracos, e parecia que havia um peso na parte de trás do carro. Comecei a frear com dificuldade e parei no acostamento. Ana me olhou, já sabendo o que tinha acontecido.
Não tínhamos visto uma vila ou casa fazia um bom tempo e começava a escurecer. Analisei o veículo e vi que ambos os pneus traseiros estavam furados por pregos envolvidos em pedaços de frutas. Peguei o necessário e chamei Ana para me ajudar. Ela estava completamente nervosa, olhando de um lado para o outro, enquanto eu tentava distraí-la com algumas piadas e trocadilhos sem graça, o que, depois de um tempo, funcionou. Estiquei a mão para pegar algo quando senti o dorso da minha mão ser rasgado por algo pontiagudo. Olhei para o carro e vi uma flecha, que parecia feita à mão, cravada na lataria. Ana me puxou para dentro do carro, indo para o outro lado através do veículo. Ela me jogou no chão enquanto tentava abrir a porta sem se levantar muito do banco. Atravessamos o carro, nos protegendo enquanto uma nuvem de flechas passava por nós. Olhei para ela, tremendo, segurando meu braço tão forte que podia sentir suas unhas entrando na minha pele. Agarrei seu braço e partimos em disparada para a floresta.
Ana não corria tão rápido, mas rápido o suficiente para me acompanhar. Eu a puxava e empurrava para evitar que se batesse nas árvores e raízes. Estava tão preocupada com ela que esqueci de mim. Senti uma pressão gigantesca na perna, seguida de um pequeno estalo, e caí no chão em meio a galhos e folhas. Uma quentura úmida se espalhou pela minha perna. Ana tentou me levantar, mas foi acertada no ombro por uma das flechas.
— VAI!
Puxei do fundo da garganta para fazê-la correr. Obedecendo, ela correu.Vi um grupo de três pessoas usando chapéus feitos de rostos de animais. Eles tiraram a armadilha do meu pé e me levaram até um pequeno vilarejo com uma fogueira no meio. O tempo passou e trouxeram Ana, já sem vida. Ela tinha diversas flechas nas costas e um tornozelo quebrado. Eles a cortaram em pedaços e cozinharam, servindo-me uma tigela com sua carne. Nada mais justo, fui eu quem a trouxe até ali. Uma pena ter me machucado no processo.
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histórias noturnas
Short StoryApanhado de contos de terror e horror sobrenatural autorais com cada conto tendo uma temática diferente, do irreal ao real. Aviso para leitores com leitura sensível