Haviam se passado dois meses. As coisas estavam melhorando na minha vida e na do meu amor. O sol parecia mais bonito e o céu mais azul. Nada poderia nos machucar. Nada me causaria dor. A felicidade existe e fez morada em mim.
É como se eu estivesse com coragem de amar até isso doer. A ansiedade já não me dominava. Eu tentei ser melhor e aparentemente estou conseguindo.
Hoje é um dia chuvoso. Um belo dia chuvoso. Emma havia feito as sessões de fisioterapia e conseguido grandes avanços. Ela já estava com uma sensibilidade maior. A sua alegria era a minha também. Me fascina vê-la com um sorriso no rosto. Me encanta partilhar da sua esperança. Tudo o que eu mais desejo é poder assistir no futuro o seu caminhar.
Eu acho que nós nascemos para nos amar e não há nada que possa mudar tal fato. Os amores se encontram, não importa como e nem o tempo... Os amores sempre irão se concretizar. Não estou dizendo que é fácil e nem que não haverá lágrimas, só estou mostrando a veracidade das almas. É, até os mais descrentes passaram a acreditar nas linhas do destino.
Eu sei que até os jovens mais pagãos que me acompanham, estão absorvendo a crença no invisível e a sensibilidade na questão do poder do intocável. Intocável — Eu era uma pessoa que se resumia com está palavra. Não tinha nada capaz de me transformar. Regina era feita de vícios e erros. A minha imperfeição tem cativado os invisíveis que me escutam.
Por agora tenho buscado motivos para sorrir e viver intensamente, coisa que me faltou desde o meu primeiro olhar para a realidade. Eu não me recordo do meu primeiro passo, mas ainda me lembro da minha primeira crise de choro. Eu não sei qual foi a minha primeira palavra, mas sei qual foi o motivo mais angustiante pelo qual gritei. Eu não sei o sabor da minha primeira refeição, mas sei como foi sentir o gosto da solidão. Eu não tenho lembranças sobre a primeira música que me agradou, mas nunca irei me esquecer do som de sua voz, Emma.
O barulho da água que escorre pela janela é muito reconfortante. O ruído da vitrola faz parte de um dos meus momentos favoritos até então... O gosto do chocolate quente me convida para mergulhar em um mundo gentil. A luz baixa da sala me prova que nem tudo que reluz é ouro; ás vezes é só a beleza impecável de Emma. Ah, se o mundo pudesse enxergá-la com os meus olhos... ah se todos soubessem o quão belíssima ela é... aaaaah...
— Eu não sei reagir quando me olhas assim... — Ela comentou. O seu rosto estava corado e o seu sorriso tímido é o resumo da perfeição.
— Eu não consigo te olhar de outro jeito. És tão perfeita que me arranca suspiros genuínos e me faz transbordar de amor.
— Por quê tu és tão... tão romântica? Você fala coisas que eu não estava acostumada a ouvir e então não consigo reagir a altura...
— Não precisa reagir com palavras... reaja me amando.
E então eu a beijei... É sempre tão novo e tão perfeito. O seu toque é deveras a minha maior e melhor ilusão. Entre todas as coisas deste mundo, o meu remédio é a paixão que vem de nós. Se eu tenho Emma, então eu tenho tudo.
— Obrigada por tudo, meu raio de sol. Obrigada por estar na minha vida. — Ela disse e me sorriu.
Ah a sua perfeição está nos seus detalhes. Ela não precisava me agradecer por nada, mas é tão linda a sua expressão de boba apaixonada que transborda gratidão...
— Dança comigo? — Eu aproveitei a brecha já que a o vinil que tocava era o meu preferido.
Emma não compreendeu o pedido, até que eu me sentei no seu colo e a abracei. Era só apertar o botão da cadeira de rodas e nos movimentar... Era só encontrar a felicidade na simplicidade da vida. E eu juro que esse pequeno gesto nos arrancou risos verdadeiros e uma deliciosa euforia.
— Você é o amor dessa e de todas as minhas possíveis vidas! — Emma disse com doçura e continuamos na nossa dança particular, enquanto a chuva caia lá fora.
E se esse momento precisasse de uma citação, sem sombra de dúvidas que seria aquela do Caio Fernando de Abreu: E se você vem, fica tudo maior, mais amplo, sei lá, é como se eu existisse de um jeito mais completo.
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Mais um dia. Mais uma tarde serena. Estávamos na hora da sessão de fisioterapia. Ruby seguia acompanhando a minha amada... óbvio que a minha insegurança não era fã dela. Bonita demais. Perfeita demais. Meiga demais. Tudo demais. Só que não haveria espaço da minha parte. Aqui estou, firme e forte, incentivando Emma...
A minha amada já estava mais a vontade e confiante. É como se ela me dissesse o tempo todo: “você viu isso?”, e eu lhe respondesse: “oh claro, meu amor. Você está indo muito bem.” E estava mesmo. Os profissionais estavam orgulhosos da sua evolução. Eu não tenho nem palavras para descrever o que sinto em relação a essa situação. É como se o pesadelo estivesse chegando ao final.
O tempo ia se passando e Emma ganhando mais força. Nós sabemos que todas as nossas linhas são escritas por nós mesmos. Nós somos o resultado das nossas atitudes impensadas e vindas do coração. Óbvio que há coisas destinadas, mas se você nunca tentar, não conseguirá obter respostas... Ah meu caro, demorou para compreendermos a grandiosidade das nossas escolhas.
Se fôssemos analisar tudo que vos contei, a chance de dar merda era muito maior. No aqui e agora, assistindo Emma começando uma nova etapa da sessão de fisioterapia, chego a conclusão de que somos grandes e que não importa o tamanho da dor, ela não será eterna. Ah minha amiga, guarde isso contigo: a dor não é insuportável; não é para sempre e só existe para testar a nossa crença.
Cara, eu só conhecia a escuridão e Emma havia perdido a sua vida... não era somente sobre os seus movimentos, mas também sobre a sua arte e as suas certezas. Não havia esperança para ela e eu não acreditava na salvação. Quem poderia imaginar que no naufrágio de nossas almas, encontraríamos o amor?! E neste instante, pode me imaginar com um sorriso bobo nos lábios e lágrimas nos olhos. Recordar é reviver... recordar enquanto vejo a sua luta, é compreender a sua jornada.
— Pelo visto o meu trabalho nesta casa já está chegando ao fim. Fico feliz por toda a sua melhora, Emma! — Ruby comentou ao vê-la finalizando a sessão.
— Eu fico “triste” com uma notícia dessas! — Eu pensei alto demais e acabei deixando escapar a minha ironia.
— Meu raio de sol, não precisa disso... — Emma me repreendeu. — E Ruby, não exagera! — Ela se referia ao tempo da sua possível melhora total.
— O tempo voa e não vai demorar para isso tudo ser apenas uma lembrança das páginas da vida de vocês.
— Virou filósofa agora, Ruby? — perguntei com um certo sarcasmo.
Antes que alguém pudesse me responder, Augusto chegou.
— Desculpe atrapalhar, mas vou raptar a minha amiga... estou carente de atenção. Aproveitem para dar uma volta também.
O meu amigo estava eufórico. Ele me puxou para fora do local e não me deu tempo nem de reagir.
— Você ‘tá doido? — perguntei. Nós sabemos que ele é meio bagunçado, mas precisa de tanta agitação assim?
— Vamos sair para tomar um sorvete. Deixe a sua mulher fazer as coisas dela e aproveitar a companhia da moça lá. — Ele estava falando sério. — Eu cheguei bem na hora da patada que a senhorita estava dando na moça. Precisa disso?
— Sei lá. É automático. Eu não gosto dela. — Eu disse e revirei os olhos.
— A sua mulher precisa viver momentos e ter amizades que não seja você. — Ele pontuou. O seu olhar não era de um alguém que me julgava, mas que desejava me ver melhorando cada dia mais.
— Eu sei... Só que ainda estou aprendendo a amar.
— Eu te ajudo nisso. Treinei bastante quando era seu noivo. — Augusto acabou rindo da sua afirmação. — enfim, vamos?
— Aonde?
— Tomar o sorvete que eu falei... preciso colocar as fofocas em dia.
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Augusto havia me levado para uma sorveteira próxima á uma praça. Era um lugar bem brasileiro. Aconchegante; fresco e de uma vista singela e bonita. As pessoas não pareciam desesperadas ou com pressa... todos que estavam no local aproveitavam bem a paisagem.
Eu havia escolhido um sorvete recheado de chocolate e Augusto optou pelo de creme.
— Aqui é um belo lugar para oficializar a relação de vocês, não acha? — Ele comentou.
— Do que você está falando? — Eu não havia compreendido. O sorvete me chamava mais a atenção do que o meu amigo.
— Aqui é o lugar ideal para pedi-la em casamento. E não precisa agradecer pela dica.
— Não é simples demais?
— Eu e o seu pai rodamos a cidade toda atrás de ideias mirabolantes, só que nada parecia combinar com o que vocês representam.
— E o que a gente representa? — perguntei. Na verdade, eu nem estava compreendendo a grandeza do assunto, já que nunca tinha parado para pensar naquilo.
— Apesar do caos que são, podemos dizer que são sinônimo de calmaria.
Um breve silêncio. Mil e um pensamentos. Fazia sentido pedir a Emma em casamento e oficializa-la na minha vida, só que não sei quais são os seus planos após a recuperação. Eu sei os meus... A minha pretensão era de oferecer um trabalho na indústria cinematográfica e vê-la realizando os seus sonhos. Só que a minha insegurança aponta para a possibilidade de não me caber neles...
— Por quê você e o meu pai estavam pensando em um possível casamento para mim? — perguntei, tentando afastar os meus questionamentos.
— Porque essa é a primeira vez que te vemos feliz de verdade. Se essa união é a causa, então que seja abençoada por Deus.
Eu preferi apenas absorver o assunto e voltar a me deliciar com o sorvete. Deixa isso para depois.Notas da autora:
Meus amores a fic está chegando ao final. Se preparem para se despedir. Eu ainda não o escrevi, mas já o tenho em mente.
Espero que sempre que puderem, reflitam sobre tudo o que foi posto na fanfic. Pra quem já me acompanha, sabe o quanto gosto de trazer questões emocionais e afins, desta vez tentei trazer mais coisas.
A fic fala sobre os vícios e a depressão da Regina. A imprudência e a rebeldia. O egoísmo e a vaidade. E da dependência que ela cria com a Emma (não romantizo, mas é um fato).
Sobre a violência que a Emma sofria em outro relacionamento.
Sobre depressão pós parto que a Cora teve e como isso afetou a sua vida e a de Regina.
Sobre a falha na justiça brasileira (a partir do momento que Regina sai ilesa do crime cometido pq tem dinheiro)
Não quero que criem ódio nos personagens kkk são apenas críticas. O meu papel como escritora é trazer questões para debate.
Mas eu particularmente amo os personagens da fic. E deixo a reflexão 👏
E logo mais será o capítulo final.
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La Solitudine
Roman d'amourRegina Mills leva uma vida sem regras, sem afeição e sem amor. Não pensa nas consequências dos seus atos e por isso foi obrigada a ficar noiva de Augusto. Os seus pais acreditavam que aquela era a única saída para a filha. Tudo muda quando a sua imp...