capitulo 15

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Dizem que o nosso lar é onde o nosso coração se encontra; se perde e faz morada. Se acredito nisso? Talvez. É que quanto mais o tempo passa, mais eu me sinto confusa. Às vezes parece que as minhas feridas estão se curando, outras vezes me sinto como se elas nunca tivessem existido. É que o sorriso dela me bagunça por completo. O tempo tem sido o meu aliado e o meu pior inimigo - na mesma proporção. Se me perguntassem o que o amor é para mim, eu não saberia dizer se é minha cura ou a minha perdição.

Eu não quero mais fugir disso, mas tenho noção que não posso me entregar. É, só o amor pode machucar assim... Só o amor pode machucar assim. Pense comigo: você não sofre; não sente a angústia te dominando e não vê motivos para fugir, em contraponto, tu não tens o direito de amar. Cruel, não?

Ah meu amigo, Emma me faz querer acordar todos os dias e aplaudir a vida.... A minha consciência me faz querer chorar como se não houvesse o amanhã. Eu vivo um duelo dentro de mim e não sei o que vai prevalecer. Tempo, tempo, tempo. A minha única esperança é que o tempo passe devagar e prolongue a minha felicidade.

Eu confesso que tenho pensado em demasia e não consigo encontrar o sentido no que virá depois. Eu não consigo ver o meu mundo intacto, sabendo que Emma irá partir e talvez me odiar. Ah, se existisse uma única razão que a fizesse ficar e me amar também...

Okay, não é a hora de se preocupar com o futuro. O problema é que Emma se tornou a minha morfina. Eu estou viciada na maneira em que ela entorpece a minha dor. Talvez seja melhor me recordar que sou a causadora das dela, que sou a culpada por essas dolorosas sessões de fisioterapia.... Talvez, se eu não me esquecer que sou o seu problema, esqueço que ela é a minha solução.

Enfim, hoje eu estava mais perto e ela mais distante. O fisioterapeuta falava e falava, mas Emma não o respondia. Ela nem se atreveu a me convidar para segurar a sua mão. A tristeza fez morada no seu olhar. Tudo bem, não é preciso sorrir o tempo todo, meu amigo.

E todos nós sabíamos que isso iria acontecer.

- Já chega! - Emma disse em um tom mais agressivo.

- Faltam só mais duas repetições. - O fisioterapeuta tentou insistir.

- Eu não quero mais! - Ela disse. A dor estava tão notável que me partiu a alma.

- Meu bem, já está acabando. Aguente só mais um pouco. - Eu disse e segurei em sua mão. Eu tentei lhe passar segurança e amor, mas não foi possível.

- Não, não está acabando! Eu não aguento mais essa merda! Eu não estou vendo melhora. Continuo não sentindo absolutamente nada. Vocês mentiram pra mim! Mentiram quando disseram que era passageiro! - Ela se exaltou.

- Emma, eu já acompanhei casos iguais ao seu e acredite, é só uma questão de tempo... - Ruby tentou intervir. Confesso que me incomodou. Ela não precisa fazer o meu papel e tentar acalmar a minha noiva.

- Okay. Vocês estão dispensados por hoje. - Eu disse ao fisioterapeuta e à Ruby.

- Mas...

- Sem mas, Ruby. Nos deixem a sós.

Eu ajudei Emma a se acomodar na cadeira de rodas e fomos para o quarto (por uma escolha dela). Eu não queria ser invasiva e muito menos dizer que o seu estresse/a sua dor não era válida. Era preciso pensar muito bem em como se iniciar a conversa ou apenas ser acolhedora.

A segunda opção era a mais sensata. Ah, droga! Eu não faço a menor ideia de como agir... eu não quero errar e piorar tudo. Por quê me parece tão difícil anestesiar a sua dor? Por quê não consigo ser também o seu antídoto? Por quê caralhos me quebra tanto não saber enxugar as suas lágrimas? Oh Deus, me ajude! Me ajude a não cair no momento em que Emma precisa de mim.

Eu segurei a minha vontade de chorar e deixei-a desabar. Ela deu um grito e deixou as lágrimas caírem. Tudo bem não estar bem... tudo bem ser humano e sentir as pancadas da vida... tudo bem, meu amor, em deixar a sua força escorrer pelos olhos.

Droga. Droga. Droga. Eu não sou capaz de vê-la sofrer. Droga. Se eu pudesse, apagaria todas as suas cicatrizes e lhe dava um mundo inteiro de felicidade. Emma não merece sofrimento algum. Não é justo! Os anjos não deveriam chorar, não deveria conhecer o sofrimento. Ela não deveria sentir tamanho desespero e desejo de deixar de existir...

Eu a ajudei se acomodar na cama e continuei tentando ser forte, enquanto me sentava ao seu lado.

- Não é justo! Não mesmo. Eu amava tanto a vida e de repente estou sendo forçada a reaprender os sentidos das coisas; a ver beleza onde não têm... sou forçada a acreditar que o amanhã será melhor... me obrigo a sorrir e pensar que tudo passa, só que não dá... não hoje...

- Eu não sei o que dizer, me perdoe... - Eu disse e a olhei com ternura. - Eu só sei que se pudesse, trocaria de lugar contigo... se isso fosse te fazer feliz e estivesse ao meu alcance, não pensaria duas vezes.

- Você me amar iria me fazer feliz. - Ela disse e não fez questão de esconder a sua dor.

- E quem disse que não amo?

- As suas atitudes. Você esquece que é a minha noiva e age como se fosse a minha cuidadora. Você quer fazer o papel da Ruby e esquece que não tem ninguém pra fazer o seu.

Ah, se você soubesse que na minha cabeça eu esqueço que sou apenas a sua cuidadora e acho que sou sua esposa de verdade, Emma.

- Você está sendo injusta, meu bem.

- Não, eu não estou! Você não me beija; não demonstra interesse... É por que fiquei sem o movimento das pernas? É por que estou reaprendendo a viver? Eu não entendo! Você não me vê como mulher...

- Emma, não faz assim, por favor! Olha tudo que a gente passou... tem certeza que um beijo é a única coisa capaz de provar do meu amor?

- Eu me sinto indesejável, Regina.

- Você não se lembra de nada... não posso fazer isso...

- Eu não quero um beijo representando o que você era, mas sim o que tem sido pra mim!

Eu não consigo deixá-la se sentindo frustrada em todos os âmbitos da sua vida. Eu a desejo, sou apaixonada e talvez ame, não sei... Só sei que neste instante estou á um passo de abandonar a minha ética...

Olhar em seus olhos e ver um sentimento confuso não foi uma boa ideia... eu não sei o quão errado é o que estou prestes a fazer, mas sei que não posso suportar vê-la assim. Não dá. Não posso. Eu definitivamente não consigo.

Era melhor se levantar e sair, mas acabei escolhendo selar os nossos lábios. Eu fechei os meus olhos e me entreguei ao meu maior pecado. O nosso beijo teve gosto de lágrimas; de perdição e de amor... um amor confuso e incerto... foi como se as nossas almas se conectassem...

Mas isso não poderá mais se repetir.

Droga. Eu estou perdendo o controle.

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