Capítulo 02: O tal Z

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Luiz nasceu prematuramente de sete meses e desde então sempre foi o menor dentre seus amigos. A fim de compensar sua baixa estatura ele sempre tentou ser bom em tudo, era o mais inteligente, tentava ser o mais corajoso e se oferecia para ser o primeiro nas atividades ou brincadeiras.

Tudo ia bem no jardim de infância até o Gigante chegar. Antônio tinha praticamente o dobro do tamanho dele e como esperado atraía a atenção de todos. Isso irritou muito o Luiz que declarou em alto e bom som que eles seriam arqui-inimigos.

–Gigante, eu te desafio para uma corrida! –E perdeu –Quebra de braço! –E perdeu –Videogame! –E perdeu –Nota mais alta! –E ganhou. A única coisa em que Luiz era melhor que Antônio era no quesito inteligência acadêmica. –Tirei dez, eu sou o maioral! O Gigante não é de nada!.

Aquilo não durou muito tempo, pois logo Antônio seguiu brilhando em tudo que sua altura facilitava. Entretanto, as vezes ele ficava de fora, pois muitos achavam injusto competir com ele.

–Tira esse vara-pau da competição! Coloca ele pra correr com os adolescentes! –Reclamavam alguns pais.

–Que desgraçados! –Queixou-se Luiz –Qual é a graça de vencer fazendo os outros desistirem? Pois eu quero competir com você! E um dia vou vencer, Antônio.

–Obrigado, Luizinho –O alto respondeu sorrindo e enxugando as lágrimas –E também fico feliz que me chame pelo nome. Não gosto que me chamem de Gigante. Eu queria ser normal.

–Eu entendo como é ter tamanho diferente. Eu queria ser mais alto.

–E eu queria ser mais baixo.

–Nunca mais de chamo de Gigante.

Aqueles dois tinham tudo para serem grandes amigos, mas as vezes as pessoas mudam conforme crescem.

Quando chegaram na quinta série começou a batalha por perder o BV, todas as garotas queriam beijar o Antônio, enquanto nenhuma olhava duas vezes para o Luiz. "Quem quer namorar um baixinho?".

No final do ano, Antônio já tinha beijado umas dez garotas e Luiz seguia BV. No último dia de aula, Luiz viu seu rival entalhando algo numa árvore, ele se aproximou e viu as iniciais: T & Z.

–Qual das suas namoradas é Z? –Luiz perguntou surpreendendo o outro de tal maneira que este fez um corte no dedo. –Eita, peste! Me desculpa!

–Aí! Está doendo.

–Deixa eu ver! –Luiz tirou a farda e a usou para estancar o sangramento. –Eu te levo até a enfermaria, a enfermeira vai ficar brava por darmos trabalho pra ela bem no último dia.

Aquela era uma cena engraçada, um pirralho raquítico arrastando um gigante enquanto segurava a mão dele.

–Um dia eu te digo quem é Z –Antônio disse enquanto a enfermeira dava pontos.

–Tá legal. Não que seja da minha conta. E você já beijou tanta menina que logo vai ter completado o alfabeto inteiro.

–Essa pessoa eu não beijei. Nem sei se vou beijar um dia –Antônio comentou ficando vermelho.

–Aí que fofo o amor adolescente –Intrometeu-se a enfermeira –Você consegue sim se declarar, Gigante.

–Não chama ele de gigante! –Luiz a recriminou.

Antônio sorriu, desde o jardim de infância Luiz era o único que não o chamava de gigante. Antônio estava apenas começando a entender seus sentimentos, mas tinha decidido que no ano seguinte ficaria mais próximo do Luizinho. Mas aquilo nunca aconteceu.

Quando as aulas voltaram aqueles dois não ficaram na mesma turma e foi assim nos anos seguintes. Eles se afastaram, no início se cumprimentavam nos corredores, mas logo se tornaram estranhos e suas vidas seguiram em diante.

Mesmo sendo baixinho Luiz queria passar o ar de confiante e seguia tentando ser o melhor no máximo de coisas que conseguisse. Entretanto quando o ensino médio começou foi atingido pelo sistema de popularidade que segregava os alunos, os atletas eram deuses e os nerds eram lixo.

Aquilo o fez odiar os Leões da escola Valentes, que eram os times de basquete e de futebol. Nos dois primeiros anos Luiz seguiu tentando evitar contato com os atletas, a não ser com Marcus, um amigo do time de futebol.

Só faltava mais um ano pra deixar aquela insanidade do ensino médio pra trás e ir para a faculdade dos seus sonhos.

–Mais um pouco e não precisarei mais me sentir diminuído pelos atletas.

Isso era o que ele imaginava até o professor Ricardo simplesmente informá-lo que estudaria na turma B este ano e que seria parceiro de estudos do Antônio.

–Não acredito que isso está acontecendo.

–Vai ficar tudo bem, Luizinho –Antônio disse quando eles estavam quase chegando à sala de aula da turma B.

–Luizinho? Tem tempo que não me chamam assim.

–Desculpe, acho que não nos falamos desde a quinta série.

–É verdade.

–O gigante chegou! –Gritaram o grupo de atletas no fundão da sala acenando pra ele que respondeu com um aceno de cabeça.

–Agora você gosta de ser chamado de gigante? –Luiz perguntou baixinho.

–Detesto. Sempre detestei. Mas fazer o quê?

Luiz viu Antônio ir receber abraços e cumprimentos dos seus amigos do time. Embora estivesse sorridente, aquela última frase deu a Luiz a impressão de que o outro estava triste.

–Tony... –Luiz cochichou pra si mesmo o apelido que o outro gostava de ser chamado, mas que ninguém o fazia.

Luiz sentou na primeira cadeira da fileira do canto e se encolheu torcendo para que ninguém o notasse. Aquilo era pedir de mais, afinal ele era o único aluno novo naquela turma que já se conhecia há dois anos.

–Por que o anão da turma A, está aqui?

A professora da primeira aula entrou e convidou Luiz para se apresentar. Ele estava envergonhado e com medo de tanta atenção.

Antônio também estava, afinal a professora estava contando que todos formariam duplas e que o Luiz tinha sido escolhido para poder ajudá-lo.

"Todos vão pensar que sou tão burro que precisaram mexer uns pauzinhos para que eu me forme no ensino médio" Antônio pensou.

–E quanto a Brenda? –Alguém perguntou.

–O bebê dela está já para nascer. Se tudo der certo ela retornará no segundo semestre.

–Certeza que o pai é o Tonhão –Brincou um dos garotos fazendo todos rirem.

–Ela é minha melhor amiga! –Antônio se defendeu –E se eu fosse o pai estaria ao lado dela agora.

Luiz gostou daquela atitude, e também de ter deixado de ser o assunto principal.

–Luiz, pode sentar ao lado do Antônio? Você tem que ir lá pra trás, se ele sentar aqui na frente vai cobrir a visão dos outros alunos.

Luiz pegou sua mochila e caminhou pro fundo da sala onde ficavam os atletas que riam dele. Ele olhou para Antônio que também parecia desconfortável com a situação.

–Esse vai ser um longo ano –Luiz comentou ao sentar.

–É o que parece –Antônio concordou.

Luiz olhou para o outro pelo canto de olho e deu um sorrisinho rindo da própria desgraça e da ironia deles estarem juntos novamente depois de tantos anos. "Terei que ajudar o meu antigo rival? Olha só pra ele, grande, forte, bonito, popular. Tão melhor do que eu em tantos sentidos".

Luiz viu Antônio fechar os olhos e respirar fundo, depois olhar pra frente e focar na aula. "Parece que ele também está lidando com alguma coisa. Mas que problema alguém como ele deve ter?".

Continua...

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