Prólogo

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— Xeque-mate
Amira revira os olhos e derruba o seu rei, como se ela tivesse desistido por conta própria e não perdido pela milionésima vez.

— Você teve sorte, honestamente- ela disse, apontando o dedo para a sua mãe- você não vai conseguir continuar vencendo por muito tempo.

O pai de Amira riu, de onde ele estava, em um sofá perto da mesa em que elas estavam jogando.

— Eu não sei por que você ainda tenta, Amira. Eu jogo com a sua mãe desde que nós somos adolescentes e eu nunca ganhei dela.

— Vocês não me criaram para desistir fácil.

Sua mãe já estava começando a reorganizar suas peças.

— Essa é minha garota. Quer uma revanche?

Fora a conversa deles, a casa estava silenciosa. Aquilo era raro, a casa costumava estar cheia de barulhos e conversa, feita pelos trabalhadores da casa, pessoas que Amira nunca poderia conviver com por mais que ela quisesse. Ela não poderia arriscar.

Seus pais tinham percebido que algo estava errado com ela, mesmo que ela se recusasse a falar sobre, e tinham dispensado os funcionários mais cedo para que Amira pudesse ficar com eles enquanto o Sol ainda estava no céu. Eles deveriam achar que ela se sentiria mais confortável falando o que estava errado se eles fossem legais, mas não importa o que eles fizessem, ela não tinha coragem de contar o que tinha acontecido para eles. O que eles diriam de ela ter quebrado a única regra que eles tinham imposto para ela? Sua mãe quebraria seu nariz de novo, propositalmente dessa vez.

Era mentira, é claro. Eles sempre eram gentis. O mínimo que eles poderiam fazer, depois de condenar Amira com o fardo de existir.

Mas se eles realmente queriam ser legais com ela, tinha uma coisa que eles podiam fazer.

— Depois que acabarmos por aqui, podemos dar uma volta nos vinhedos? - ela estava testando a generosidade dos pais e sabia disso- Correr ou lutar um pouco. Ou só sentar na grama, vocês escolhem. Eu quero ver o Sol.

O sorriso da mãe dela se fechou imediatamente.

— Eu sinto muito. Você sabe que não, e já está grande demais para brigar por algo tão imprudente...

— Eu não sou grande demais a ponto de as árvores não me cobrirem! - Amira a interrompeu- E não tem ninguém além da gente por aqui! Ninguém vai me ver!

— Ainda está claro.

— Todo cuidado é pouco- o pai dela complementou- Você sabe o que pode acontecer se alguém nos denunciar.

Ela sabia. Ela soube desde que ela era grande o bastante para questionar por que ela não podia sair para fora de manhã cedo, como as personagens em seus livros ou como seus pais, que saíam para rezar no amanhecer e ir para a cidade ou pelo terreno em passeios que Amira nunca pôde participar. Quando ela era pequena, ela tinha medo do Sol a desprezar por ela nunca ter saído para rezar com seus pais. Sendo honesta, ela tinha medo disso até agora.

Mas nobres não poderiam ter filhos. Eles poderiam se livrar de muitas coisas com seus títulos e riquezas, mas essa não era uma delas. Era um distúrbio na monarquia democrática, se eles deixassem uma pessoa sair sem consequências, outras tentariam também, e o sistema seria transformado em ruínas.
Então se ela saísse, haveriam consequências. Ela e seus pais seriam mandados para fora do Domo, o que seria a mesma coisa que morrer levando em conta os níveis de radiação que o lado de fora tinha. Mas ela precisava ver o Sol. Ela precisava do calor, e pedir perdão pelo erro gigantesco que ela cometeu.

Sangue e SeivaOnde histórias criam vida. Descubra agora