Amira continuava viva, o que era bom. Sem nenhum cordão de choque em seu pescoço, ou Nulo a controlando, o que era melhor ainda. Entrando no transporte dos Guardas, o que não era tão bom, mas ela preferia focar na parte principal: ela continuava viva.
Aquela era a segunda vez que ela saia de casa em sua vida. A primeira foi em um momento de desespero, logo após a tentativa da Lança de Apollo de tomar posse de um transporte indo para fora do Domo, sua pior falha. Não pareciam haver médicos o suficiente, e era ali que Amira entrava, feliz por sair de casa até achar os sobreviventes. Seu primeiro contato com pessoas, e todas elas estavam devastadas. Haviam pessoas mortas, feridas e no meio do caminho, sangue cobria as paredes e choro, por eles mesmos e por quem não foi salvo pesava o ambiente e fazia seus ouvidos doerem. Curar quem ela podia era trabalhoso, e como sentir a dor de todos ali não fosse ruim o bastante, ela ainda tinha que lidar com pessoas a xingando, quando ela dizia que não podia curar alguém. Parentes dizendo que era culpa dela que alguém estava morto. Ela acabou tendo um ataque, sem conseguir respirar direito, ou se mover. Seus pais a encheram de pedidos de desculpa, e deram folga aos empregados da casa por uma semana.
Ela preferia aquilo do que estar mais um segundo com os Guardas.
Ela não conseguia nem mesmo olhar a vista no caminho. O transporte era uma caixa de metal com rodas, sem janelas o que a obrigava a olhar para cadeiras com Guardas em todos os lados. Mesmo com outras pessoas presentes, ela não conseguia parar de encarar a mulher que entrou em sua casa, com medo de que se ela desviasse seu olhar, ela puxaria a sua espada ainda ensanguentada e enfiaria a lâmina no seu peito, seu corpo sendo descartado como o dos pais.
Descartado era a palavra certa. Eles a obrigaram a ajudar a carregar os corpos até a parte de trás do veículo, como alguém carregando malas antes de uma viagem. Ela preferia não pensar muito sobre, mas a imagem jamais sairia de sua cabeça. Pelo menos, quando eles chegaram, eles não a fizeram os descarregar.
A base da Guarda não era como ela esperava. Parecia uma torre, com janelas por todos os lados. A parte de cima parecia ser mais nova, feita de um material diferente da parte de baixo, mas as duas tinham uma coloração desaturda como se alguém tivesse pintado a torre há muito tempo, mas ninguém se preocupou em a repintar.
O átrio consistia em veículos como o que ela foi levada e pessoas fazendo exercícios como corrida, flexões e até mesmo carregando pneus. A maior parte delas tinha seus uniformes vermelhos sujos de suor ou terra. Ela se perguntou se os uniformes eram vermelhos para esconder manchas de sangue.
Eles seguiram até uma porta pesada, que escondia lances de escada. O homem e a mulher que entraram na casa dela subiram, ela andando na frente e ele andando atrás com Amira no meio, no pior sanduíche que ela conseguiria pensar. Amira continuava sem ter o que fazer a não ser seguir.
Quando eles chegaram no andar para onde eles estavam indo, Amira já estava sem fôlego e tinha perdido a conta dos lances de escada que ela tinha subido. Ao sair por mais uma daquelas portas pesadas, ela se deparou com uma sala normal.
Ela não sabia o que ela estava esperando. Uma masmorra. Sangue nas paredes. Uma sala cheia de equipamentos de tortura, com paredes vermelhas e pessoas chorando. Essa era a impressão de que a Guarda passava, pelas histórias que ela tinha ouvido. Eles eram sempre descritos como pessoas a serem evitadas, sadistas que não se importavam de sujar suas próprias mãos.
Então não, ela não esperava um escritório normal, nem a mulher sentada do outro lado da mesa, fazendo uma atividade tão banal como escrever.
— De onde eu vim, as pessoas costumam bater na porta, Capitão- a mulher falou.
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Sangue e Seiva
FantasíaAmira não deveria existir. Não era sua culpa, claro, seus pais sabiam que nobres não podiam ter filhos. Mas o culpado pouco importava. Eles foram pegos e Amira foi enviada para Academia, onde crianças escolhidas eram treinadas para entrar para a nob...