11. Cassiopeia

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   Cassiopeia acordou no dia seguinte querendo deixar de existir.

A janela estava aberta e Cassie nem mesmo teve a força de fechar as cortinas, apenas cobriu sua cabeça com o lençol para fingir que o tempo estava parado, que ainda estava de noite e nada tinha acontecido.

   Ela não planejava voltar a dormir. Ela não merecia, não depois do fiasco na noite anterior. Seis anos de cuidado tinham sido jogado no lixo em uma noite. Cassiopeia poderia tentar fingir que o acordo era positivo, que ela iria aprender sobre luta e se aproximar de uma inimiga, mas seria apenas fingimento. A verdade é que Cassiopeia tinha a subestimado. Ela passara a ver Amira como uma garota tímida e fora do lugar com o tempo e esqueceu da ameaça que ela poderia representar.

  E representava muito mais agora. As duas tinham terminado com um acordo, mas acordos poderiam ser quebrados com a mesma facilidade de que eram feitos e era ela quem iria se foder se isso acontecesse. Ela precisava de alguma coisa, alguma garantia de que ela não seria traída, e ela precisava disso rápido.

  Ela poderia fingir estar doente e faltar as aulas naquele dia.

   Não, doença era uma fraqueza e aquele era um ano em que fraquezas não poderiam ser toleradas.

   Cassie ficaria deitada na sua cama com pena de si mesma até ficar atrasada se ela não tivesse notado um som praticamente inaudível de papel deslizando por baixo de sua porta.

   Ela se levantou para pegar um envelope, sem marcas de pessoalidade. A carta dentro dele exigia um encontro imediato.

   O envelope não precisava de nenhuma marca, ela já sabia de quem era. Só uma pessoa faria isso, só ela não simplesmente entraria no quarto ou esperaria para falar com Cassie quando ela saísse.

  É claro, ajudava que Cassie tinha recebido envelopes como aquele durante toda sua adolescência. Ela os guardava entre as páginas dos livros que ela nunca lia na sua estante, na esperança de que quando ela finalmente saísse daquele lugar, ela poderia jogar elas em uma fogueira e ver todas queimarem.

   Enquanto esse dia não chegava, Cassiopeia colocou seu uniforme e foi encontrar imediatamente a Diretora.

   Cassie se preocupou com o "imediato" da carta. Na noite anterior ela e Amira estavam carregando uma espada pelos corredores até seu quarto. Será que elas tinham sido vistas?

   Ao garantir que o corredor estava vazio, ela enterrou as unhas em seu antibraço para se acalmar. Se ela estivesse em apuros Amira também estaria e a carta nem mesmo mencionava o nome de Amira.

   A não ser que essa fosse uma tentativa de separar as duas. De deixá-las mais vulneráveis, fazer com que elas não consigam combinar um álibi descente.

   Se aquele fosse o caso, Cassie sentia pena de quem tentasse atacar Amira.
  
   A ideia a fez sorrir um pouco, o que a fez se arrepender instantaneamente. Se ela passasse a tratar Amira como sua aliada, cometeria praticamente o mesmo erro que a colocou nessa situação. Ela deixou seus braços voltarem ao lado do seu corpo até chegar na porta da sala da Diretora. Ao chegar, ela ficou encarando seu braço até as marcas de meia-lua de suas unhas sumirem, e só então ela bateu.
  
   — Você pediu para me ver?

    A Diretora abriu a porta pessoalmente, como ela sempre fazia nesses encontros.

   — Cassiopeia, eu não te esperava tão cedo! Entre, minha querida.

   Cassiopeia entrou, se segurando para não arquear uma sobrancelha, e se sentou em uma das cadeiras.

   — Você pediu para eu vir de imediato.

   — Eu não quis dizer literalmente! Eu nem esperava que você estivesse acordada ainda! Está tudo bem? Você está tendo problemas para dormir? Eu estou notando que você está começando a ficar com olheiras.
  
   Cassie involuntariamente levantou a mão e encostou embaixo dos olhos.
 
    A maior dificuldade daquela relação era que a Diretora era humana. Ela conseguia ficar ali por horas se ela quisesse, sorrindo, fingindo se importar com Cassie e outros alunos e às vezes, por alguns curtos e horríveis segundos, Cassie acreditava, até ter que encarar novamente que a única coisa com qual aquela mulher se importava era seu próprio bem-estar e a reputação de sua Academia.
  
   — Eu estou dormindo bem- Cassie mentiu- mas estou acordando cedo demais. Amira tem a mania de abrir as cortinas enquanto eu durmo.
  
   A Diretora franziu a testa.

      — Por que ela faria isso?
  
   Cassiopeia percebeu que sua vantagem no acordo tinha sido entregue de bandeja.
  
   — Para me incomodar. Eu tenho a impressão de que ela não gosta de mim- Cassie disse com uma expressão triste- não sei por quê. Eu sei que eu errei no começo, mas eu estou realmente me esforçando para ajudar ela e mesmo assim...- ela deu um suspiro- Eu tenho medo de algum dia ela espalhar um boato falso sobre mim só porque ela pode e atrapalhar todo meu trabalho duro.

   — Você dá muito poder para ela, a temendo dessa forma- foi o que a Diretora respondeu. Nenhum conselho, nenhuma afirmação. Cassiopeia pensou o que fez ela achar que aquela conversa tomaria um rumo diferente- Ela não vai fazer nada, mas se fizer, você precisa saber lidar com isso. Como você espera ser uma nobre sem conseguir superar um boato infantil?

   Cassiopeia balançou a cabeça, como se estivesse concordando. Ela não estava. Como aquela mulher ousava chamar um boato de infantil? Ela tinha visto o estrago que uma mera insinuação tinha feito na vida de Hélio, e Cassie tinha plena consciência das consequências que ela teria que enfrentar se a Diretora sequer sonhasse que ela sabia como sair daquela prisão. 
   
   Mas estava tudo bem. O importante é que talvez agora a Diretora pensaria duas vezes antes de acreditar em qualquer merda que Amira falasse para ela e aquilo já contava muito.

   — Alguma outra coisa que eu deveria saber? - a Diretora perguntou.
  
   — Eu estive muito ocupada cuidando da aluna nova para checar os outros alunos- ela não falou isso com acidez, por mais que ela quisesse.
  
   — Eu estou te dando uma honra e tanto, Cassiopeia, confiando em você dessa maneira. Eu cuidaria melhor do tom como você fala comigo.
  
   Acidez ou não, a Diretora sempre foi capaz de reconhecer uma farpa.
  
   — Sim, é claro. E eu me sinto honrada pela confiança. Mas eu tenho medo que ela afete meu desempenho.

   — E se você não conseguir lidar com tudo é uma falha sua, você não acha?

   Cassiopeia abaixou a cabeça.

      —Eu agradeço a confiança, Diretora.

 
    A Diretora sorriu. Ela adorava quando conseguia fazer os alunos agirem de acordo  com sua vontade.
   
   — De nada, Cassiopeia. E eu espero que você tenha algo mais relevante para me contar da próxima vez. É difícil punir quem eu não sei que errou. Eu preciso dos meus olhos.
  
  Cassie se esforçou para sorrir.

— E você os têm.

Sangue e SeivaOnde histórias criam vida. Descubra agora