Encaro a figura à minha frente, minha tia-avó Bernadette, toma seu café da manhã calmamente.
_ Vou à farmácia pegar seus remédios. _ Quebro o silêncio bebendo um gole de café.
_ Obrigada querida, como está sendo sua adaptação à cidade? _ Pergunta com um sorriso gentil.
_ Ótima.. _ Minto. Na verdade, faz uma semana que cheguei à Willow Falls, uma cidade escondida em meio às montanhas, com seus um pouco mais de 20 mil habitantes. _ Acho que preciso sair um pouco à noite, essa foi a única coisa que não fiz
_ Conhecer gente local pode ser bom, e suas fotografias?
_ Ah, perfeitas! Achei alguns cervos e os fotografei, depois mostro para a senhora. _ Sorrio animada. Fotografia é minha paixão, e ainda mais fotografar a natureza. Essa parte da minha estadia nesse lugar não tenho do que reclamar, a pequena cidade tem muita natureza e animais à sua volta. Nos últimos três dias me aventurei com um mapa em mãos e minha câmera fotografando pássaros, lagos e animais silvestres. Devo ganhar algum dinheiro com essas imagens, mesmo que seja iniciante no ramo. _ Vi que o leite acabou, que tal eu ir ao mercado?
_ Farei uma lista, pegue o dinheiro no pote de biscoitos acima da geladeira. _ Levantando-se com sua bengala ela vai ao seu tempo até a sala de estar pegando papel e caneta.
...
Entro em meu velho Mazda, o carro que comprei por menos de mil dólares há dois anos. Ele é tudo o que tenho, em pensar que já morei nele por um bom tempo.. Me nego a abrir os vidros, está um pouco frio do lado de fora, não estou acostumada com o clima úmido das montanhas, já que sou nascida e criada em San Diego.
É fácil chegar ao centro da cidade, fica apenas a algumas quadras da casa de minha tia-avó. Estaciono em uma das vagas em frente ao mercado, mas uma mulher para antes que eu puxe o freio de mão.
_ Você não pode estacionar aqui! _ Reclama.
_ É vaga preferencial? _ Questiono com medo de não ter visto.
_ Essas vagas são para moradores locais, você não é bem vinda a estacionar aqui.
_ Ah, mas só vou ao mercado rapidinho. _ Respondo saindo do carro, tento soar gentil, as pessoas aqui tem me tratado como uma intrusa o que me deixa um pouco irritada, mas tento relevar por minha tia, sendo a única pessoa em minha família que me trata como carinho.
Tranco o carro deixando a mulher resmungando, o mais fácil a se fazer é ignorar essa Karen. Entro pegando uma cesta e tiro a lista do bolso lendo a letra trêmula de Bernadette.
_ Ovos, leite, macarrão, batatas e frango. Ok, posso achar isso sozinha. _ Falo olhando em volta. O mercado mesmo sendo de uma cidade pequena é bem equipado, e seus corredores são fáceis de se perder. Demoro um bom tempo para achar tudo e por fim entro na fila atrás de algumas pessoas, tiro meu telefone do bolso desbloqueando a tela e abro minha conta no Instagram, preciso atualizar com as fotos que tirei desde que cheguei, vejo que ganhei dois novos seguidores e os stalkeio para ver se conheço, até sentir alguém puxando meu casaco. Olho em volta e reparo ser um menino pequeno, não deve ter mais do que quatro anos.
_ Olá! _ Falo dando um sorriso para ele. O menino segura um carrinho vermelho na mão e me entrega para brincar com ele, me abaixo ficando à sua altura e seguro o carrinho o admirando. _ Uau, é realmente um belo carro, qual seu nome?
_ Nicolas. _ Diz devagar.
_ Muito prazer Nicolas, me chamo Blanca.
_ Se afaste dele! _ Me assusto com a ordem, olho para trás vendo um homem barbudo, a semelhança com a criança me faz entender ser tratar de seu pai.
_ Hã, desculpe ele veio me mostrar o carrinho. _ Explico entregando o brinquedo ao menino. As pessoas em volta me olham torto, não consigo entender porque todos nesse lugar tem me tratado com tanta hostilidade. Deixo o pai e o menino passarem na frente e fecho os olhos por um momento respirando fundo. Sinto um nó na garganta, o grito que o homem deu é como um gatilho para mim.
Aos poucos as pessoas voltam a suas vidas e deixam de me olhar, a fila diminui chegando a minha vez. Coloco os itens da cesta no caixa e vejo a garota passar tudo rapidamente, ela me olha receosa me examinando e estudando meu rosto e braços. Abaixo a manga do casaco escondendo minhas tatuagens.
_ Deu 43,20.. É.. É verdade o que saiu no jornal?
_ O quê? Jornal? _ Pergunto sem entender. A menina nega com a cabeça e pega o dinheiro me entregando o troco. Ela abaixa a cabeça quando o gerente se aproxima. Olho por cima de ombros para ela, que parece escutar um sermão de seu superior. Que história é essa?
...
_ Cheguei tia, vou preparar nosso almoço. _ Anúncio deixando as sacolas na mesa, procuro por ela pela casa e só a encontro no jardim dando de comer aos esquilos. _ A senhora não deveria ficar nesse frio sem um agasalho.
_ Frio? Minha filha, eu moro nesta cidade há mais de 40 anos, não está nem um pouco frio. _ Diz sorrindo.
_ Mesmo assim, a senhora tem seus 75 anos, pode se resfriar. Trouxe seus remédios, vou colocar na mesinha ao lado da sua cama.
_ Obrigada meu anjo, está sendo muito boa sua companhia aqui. A casa mais movimentada, um pouco mais de vida.. Há anos que não escuto o som da porta da frente sendo destrancada.
_ A senhora terá que me aguentar por bons meses. _ Aviso dando um abraço apertado nela. Tia Bernadette, entrou em contato com minha avó, seu marido faleceu há 4 anos e desde então ela tem ficado sozinha, não teve filhos, uma longa história.. Então ninguém poderia cuidar dela. Sua irmã, minha avó, não estava disposta a abandonar sua vida na Califórnia, e só soube que Bernadette precisava de ajuda ao receber uma correspondência de minha avó, mais de dez anos depois, sem falar comigo. Ela falava que minha tia-avó está com sua saúde debilitada e que não se importa de abrigar uma pessoa como eu. Não teve uma mensagem perguntando como passei, como foram meus últimos anos de vida ou contando como estava minha irmã. Apenas disse que eu poderia vir para o meio do nada morar com minha tia pelo tempo que fosse necessário. Ao chegar aqui foi estranho, só havia visto Bernadette uma vez aos 11 anos, quando ela foi para a Califórnia visitar os familiares. Mas mesmo assim, depois de todo o ocorrido ela me recebeu bem, não me trata como um monstro e nem me olha estranho. De certa forma, minha tia parece entender um pouco pelo o que eu passei. Ela tem conhecimento de boa parte da história e quando estacionei o carro na sua porta há uma semana fui recebida com um abraço, coisa que não recebia há mais de 10 anos. Chorei em seus braços, e foi como ter conhecido alguém, na verdade reencontrado um familiar que gosta de mim.
_ Tia, a senhora falou alguma coisa antes de eu chegar para algum vizinho?
_ Acho que sim, com as meninas no clube do livro, estava animada para revê-la após tantos anos. Comentei que minha adorável Blanca viria passar uma temporada comigo. Todas pareciam animadas para conhecê-la. Estranho, agora me dei conta de que ninguém ainda veio aqui.
_ Elas costumam visitá-la sempre? _ Indago.
_ Ah sim, quase todos os dias, e às sextas-feiras para nossa leitura. Devem vir esta noite.
_ Ah sim, entendo. Mas vamos, venha para dentro vou fazer uma comidinha para nós duas.
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Volúpia (COMPLETO)
RomanceUma forasteira chega a uma pequena cidade, vindo ao encontro de sua velha tia-avó. Blanca se surpreende com o tratamento rude dos cidadãos de Willow Falls, e o tratamento mais rude ainda do Xerife local, Nathan Turner. Iniciada 09/12/2023 Finalizada...