Capítulo 27: Incêndios Selvagens

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"Como eu poderia saber
que essa pequena faísca
se espalharia como
um incêncio selvagem."

— N. R. Hart


A sombra se levantou, separando os dois corpos que antes lutavam um contra o outro. Isabelle parecia manter uma expressão confusa, juntando partes de um grande quebra-cabeça em sua mente.

Conforme a figura se aproximava, sua aparência ia ficando mais clara, até que finalmente a reconheci. Era Jane Smith, a antiga funcionária dos Taylor que vimos no sanatório. — Não vou machucar vocês. — disse, com a voz ofegante da luta.

— Não mesmo, — Isabelle começou — você é quem vai se continuar seguindo a gente!

— Belle, deixe-a falar. — Abracei Emma com um pouco mais de força e fitei Jane por um segundo. — O que está fazendo aqui? Por que a vi se esgueirando pela cidade como uma sombra? O que estava fazendo no sanatório?

— Céus Helene, escolha uma pergunta não temos todo o tempo do mundo. — Isabelle sentou-se ao meu lado, me fazendo relaxar um pouco.

— Tudo bem, o que está fazendo aqui?

Jane estava com o rosto coberto de poeira, sua roupa rasgada e o cabelo envolto em folhas e galhos perdidos indicavam que estava na mata fazia tempo.

— Eu... — ela começou, parecendo um pouco perdida nas palavras. — precisava entregar isso para Isabelle...

Procurou algo no bolso de seu vestido por alguns segundos, até que tirou um envelope amassado e o estendeu para nós. É claro que Belle permaneceu desconfiada e ficou encarando o papel no ar um tempo, antes de finalmente pegá-lo.

— É a caligrafia de Amélia, como conseguiu isso?

— Os pássaros estão cantando... — Jane disse, distraída. — não temos muito tempo.

— O que fez com Amélia? — Isabelle se levantou, puxando a gola do vestido de Jane com força. Podia ver seu rosto enrugar em uma expressão de fúria.

— Lady Amélia é uma moça muito boa, sempre leva pães frescos para a gente no sanatório. — Jane mantinha o olhar um pouco distraído, e para ser sincera sua fala também não era muito coerente. Belle a soltou quando percebeu que ela estava prestes a se explicar. E torci secretamente para que ela não estivesse simplesmente louca.

— Precisei esbarrar com Lady Amélia, veja, eu sabia que ela precisava falar algo para você. Quando me reconheceu do sanatório, acho que pensou que eu havia sido libertada... — Jane riu sozinha com a sua própria fala — eu fugi, sempre consigo fugir. E voltar, também consigo voltar...

— Vá logo ao ponto! — Isabelle bradou.

— Certo... — Jane se perdeu um pouco nos pensamentos com a interrupção, mas logo voltou ao raciocínio. — Quando trabalhava na casa dos Taylor, Isabelle era minha amiga, mas estava sempre sumindo. Um dia resolvi segui-la, percebi que era muito boa em me esgueirar por aí sem ser vista.

— Como ousou me seguir? — Belle parecia furiosa. — Poderia matá-la agora mesmo!

Jane começou a rir de repente, enquanto Isabelle levou a mão a boca por um momento. Talvez a fama de assassina estivesse entrando em sua cabeça. Podia vê-la lutar com seus pensamentos enquanto voltava ao seu lugar ao meu lado e se sentava.

— Matar... é uma palavra curiosa...

— Jane, não temos tempo para conversa! — Falei, insistindo para que voltasse ao ponto.

— Desde então, depois que fui demitida... — Seus olhos permaneceram vidrados um tempo, antes que lágrimas se formassem e caíssem de seus olhos. Era como se revivesse a situação em sua cabeça. — os pássaros, estão cantando de novo...

— Jane, se não vai ajudar então precisamos ir. — Belle se levantou, limpando a terra de seu vestido e mantendo um olhar furioso.

— Precisava me vingar! — Jane gritou de repente, levando sua mão a boca instantaneamente. — Os Taylor, são pessoas terríveis, monstros horríveis... fugia para planejar minha vingança, observá-los me ajudava a planejar. Até que vi como te tratavam Helene, soube na hora que poderia contar com você.

— A minha vingança será ser feliz com Charles, — falei. — não farei mal a ninguém, apesar de desprezá-los.

— Então é verdade? A história de Oliver tê-la engravidado? — Isabelle perguntou, não sendo nem um pouco discreta com o assunto.

— Sim, veja... disse que estava apaixonado, mas acho que era somente para me levar para a cama. — Jane limpava as lágrimas furtivamente — pensei inúmeras vezes em como fugiríamos juntos, e a gravidez era o momento perfeito para isso. Mas ele chamou os enfermeiros, falou que eu estava louca...

— Charles não é assim. — respondi, sabendo o que estava pretendendo insinuar.

— A maçã não cai muito longe da árvore, não é? — Jane riu fraco, mas os gritos de Isabelle abafaram sua risada.

— Helene, a carta! — Estendeu o papel no meu rosto e o balançou com força. — leia!

Olhei para Jane novamente, ainda extasiada com a sua história e toda essa reviravolta. Sem dúvida não pretendia ter qualquer explicação para a sombra que me seguia. E agora que finalmente havia descoberto tudo, pensava que preferia continuar na ignorância.

Peguei o papel da mão de Belle e procurei um lugar que fosse minimamente iluminado pela lua.

"Querida Isabelle,

Se está lendo esta carta, é porque tudo deu errado da pior maneira possível. A sociedade não compreende o amor. Ela não compreende eu e você. Desde que descobrimos nossos sentimentos eu soube que um dia precisaríamos de um plano para um momento de desespero, e venho pensando durante meses em tudo o que vou escrever a seguir. Nunca pensei que seria tão breve, nunca imaginei que seriam nessas circunstâncias, mas infelizmente é o mundo que nos controla. Há tempos venho juntando o dinheiro que meu pai me dá todo mês, e guardando algumas das joias mais caras que possuo. Faço isso com o único objetivo de podermos ter a nossa tão sonhada vida sossegada a dois. Não poderemos descansar nossa felicidade aqui na Inglaterra, veja bem, uma vida em fuga não é realmente o que desejo para nós. Contudo, com o dinheiro que tenho podemos comprar uma pequena propriedade no norte da França. É a nossa chance de ser feliz, a nossa chance de viver o amor que sempre sonhamos. Há um barco nos esperando no cais da praia de areia branca, combinei com Helene de nos encontrarmos lá antes do amanhecer. Fique tranquila pois a sua amiga está a salvo connosco. Sorria, pois o sol está prestes a brilhar mais forte por nós duas.

Amo você mais do que o mundo,
Amélia."

Um sorriso tomou conta do meu rosto, não podia acreditar na pontada de esperança que se acendia dentro de mim. Era como ler o final de um livro onde todo o mal se dissipa, e o bem prevalece. Uma chama de felicidade que não podia ser apagada, e nos dava coragem para enfrentar o que fosse preciso para encontrar a paz.

Ainda em prantos, quando levaram Isabelle para a prisão, Amélia havia mencionado a praia de areia branca como nosso ponto de encontro no pior dos casos. Contudo, só agora eu compreendia o motivo.

— Helene, me escute. — Amélia dissera engolindo as lágrimas — Não tenho tempo para explicar tudo agora, peço somente que confie em mim. Caso tudo dê errado, me encontre na praia de areia branca antes do amanhecer. Está me entendendo?

— Sim, mas... — comecei a questionar, mas Amélia já havia começado a andar.

— A praia de areia branca, lembre-se! — disse uma última vez, antes de entrarmos em sua carruagem rumo a delegacia.

— Os pássaros... — Jane disse uma última vez, me acordando dos devaneios.

— Sim, eu sei — falei, finalmente entendo o que ela queria dizer — está amanhecendo.

Amor e Outras GuerrasOnde histórias criam vida. Descubra agora