Capítulo 22: Corra na outra direção

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"Onde quer que a multidão
vá, corra na outra direção.
Eles estão sempre errados.
Por séculos estiveram
errados e sempre estarão
errados."

Charles Bukowski


Durante o dia planejei minha fuga, não havia margens para erros, não poderia correr tal risco. Teria que fazer com que tudo desse certo. Enquanto cuidava das crianças, observei os caminhos até as saídas mais escondidas, acima de tudo precisava pensar em um modo seguro de sair dali.

Minha primeira opção fora pela porta dos fundos, porém, seria necessário passar pela cozinha. Certamente era um caminho discreto, poderia correr tranquilamente através do jardim sem que me vissem, porém, e se alguém decidisse beber um copo de leite quente tarde da noite? Quiçá não fosse a melhor decisão.

Estava saindo da cozinha quando uma janela chamou minha atenção e, senti uma brisa leve soprar meu rosto. Foi como um sinal divino. Ela se encontrava no fim de um longo corredor à esquerda, era discreta, e duvidei que alguém passasse por ali durante a noite. Só havia um único porém, o escritório do Sr. Smith ficava naquele mesmo corredor. O que me restava era torcer para que ele fosse dormir cedo naquela noite, pois não havia opção melhor. Era minha melhor chance.

Conforme o dia chegava ao fim, sentia uma fagulha de esperança se acender em meu peito, ainda nem havia começado minha jornada, mas a adrenalina já tomara conta de mim. Estava na hora de servir o jantar, o que me aproximava ainda mais da hora de partir. Servia sopa de ervilha com batatas para as crianças, as quais agradeciam e logo começavam a comer.

Faltavam somente mais cinco pratos, quando percebi que havia um movimento incomum do lado de fora do refeitório. Parecia estar acontecendo algo. Tentei manter a concentração na minha função, mas sempre acabava fitando a porta em uma tentativa de saber o que estava acontecendo. Não fora uma combinação muito boa, pois em um certo momento acabei derrubando parte da sopa direto no chão. — Céus, vou buscar um pano, um minuto só crianças.

Encostei-me em um dos arcos da entrada, afim de observar melhor a cena do corredor. A Sra. Stewart e o Sr. Smith discutiam ao lado de uma criança, a qual não parecia ter mais do que seis ou sete anos. Suas roupas estavam rasgadas, e seus cabelos despenteados, o que me fez concluir que deviam tê-la encontrado vagando pelas ruas de Londres.

— Acho que estava à procura da irmã. — A diretora disse, com uma expressão fria, enquanto a criança continuava parada ali parecendo receosa.

— Então mande alguém cuidar dela imediatamente, está mais suja que um rato — Smith empurrou a menina para frente, quase como se quisesse se livrar dela. Seu rostinho assustado olhava em todas as direções, e foi somente quando se virou para mim que a reconheci. Precisei piscar diversas vezes para acreditar no que via, quer dizer, não podia ser real. Era Emma. Abri um sorriso emocionado, a felicidade cresceu em mim, era como se meu coração não coubesse no meu peito.

Não sabia como ela havia chegado até ali, ou o que passara durante esse tempo, contudo, possuía plena certeza de uma coisa, nunca mais sairia de seu lado. Precisei me conter para não correr em sua direção e puxá-la para um abraço, ao invés disso cumpri com meus deveres e voltei ao refeitório. Seria melhor manter a discrição naquele momento.

O dormitório estava um breu, só o que conseguia ver era a sombra que a lua projetava dos galhos na parede. Repassei o plano mentalmente, sabia o que fazer, em breve estaria livre daquele lugar, e com minha irmãzinha em meus braços. Fechei os olhos alguns segundos antes de levantar, e pedi forças para que conseguisse dar à Emma uma vida melhor. Fugir seria só o começo de um futuro bom para nós duas.

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