"Eu só tenho medo
de não ter tempo
para cometer todas as
loucuras que desejo."
— Ita Portugal
Demoramos algumas horas até que conseguíssemos arrumar todos os quartos da ala oeste perfeitamente, estávamos acabando de limpar o piso de madeira do corredor quando escutamos a porta do quarto de hóspedes se abrir. — Oh, vocês fazem muito barulho para duas empregadas. — a mulher saiu massageando as têmporas — estão me dando dor de cabeça.
— Desculpe Lady Charlotte. — Isabelle falou em um tom sereno, se levantando do chão e ficando em pé com as mãos para trás. Fiz o mesmo, mas tive que lutar para copiar as suas palavras, queria mesmo é dizer umas poucas e boas para aquela mulher. Onde já se viu, quase meio-dia e lá estava ela reclamando do barulho do nosso trabalho.
— Desculpe o incomodo. — falei por fim.
— Voltem ao trabalho, por acaso viram Charles por aí? — ajeitou seu vestido rosa claro com detalhes em renda e colocou um chapéu espalhafatoso sobre a cabeça.
— Não senhora. — dissemos em coro.
— Pois bem, vou procurá-lo eu mesma então, andem voltem ao trabalho o chão não irá se limpar sozinho.
Tive vontade de empurrá-la escada abaixo, de cuspir em seus sapatos, colocar um sapo sob seus lençóis. Mas não fiz nada disso, infelizmente. Assim que Lady Charlotte desceu as escadas Isabelle revirou os olhos e recolheu o balde e a vassoura.
— Criatura abominável essa. — sussurrou para mim.
— Nem me fale, Charles não parece ser má pessoa, como irá aturá-la? — Isabelle segurou os equipamentos com uma mão e a outra pôs em volta do meu braço.
— Oh, ele é encantador certamente, teve o prazer de conhecê-lo? — dei uma risada ao me lembrar do incidente do quarto.
— Esbarrei com ele no quarto ao acaso, devo confessar que ele foi bem simpático.
— Simpático é um adjetivo muito pequeno para aquele homem minha cara Helene — Isabelle se dirigiu ao quarto de Lady Charlotte e começou a arrumar a cama enquanto eu varria o piso.
— Se alguém nos ouve falar assim estaremos com problemas Isabelle. — a alertei, tentando afastar de meus pensamentos a visão de Charles no quarto.
— Estou só comentando, vai me dizer que não o achou bonito? — largou a colcha pesada e se virou em minha direção com as mãos na cintura.
— Não tenho nada a dizer a respeito. — respondi simplesmente, a fazendo soltar uma risada natural, pensar em amores impossíveis era a última coisa de que eu precisava. Só queria me adaptar bem e quem sabe conseguir um bom casamento com um homem que eu não odiasse no futuro.❣
Tudo na casa dos Taylor era um grande acontecimento, desde o almoço até a hora de dormir. Tudo tinha uma certa ordem a seguir, regras e etiquetas. Cada detalhe, cada novo aprendizado era um choque para mim, mas estava absorvendo tudo o que podia.
Por exemplo, o almoço só podia ser servido quando todos estivessem sentados a mesa. Um funcionário serviria a comida pelo lado direito e o prato seria retirado pelo lado esquerdo. Os talheres tinham ordem certa para irem a mesa e cada vinho tinha uma taça diferente, quem diria não é? Para mim bebidas iam em qualquer copo que não estivessem rachados ou tivessem um furo, e já estaria de bom tamanho. Minhas irmãs teriam rido se contasse tudo isso a elas, a lembrança fez com que meus pensamentos se perdessem por um momento. Onde será que elas estariam? Nem sequer sabia se estavam juntas. Esperava que estivessem, Abigail era forte mas Emma era só uma criança e uma muito sensível por sinal. Esperava que algum dia eu as reencontrasse. Mas isso era um sonho distante.
Como ia dizendo, havia o chá da tarde onde a mesa era posta e dois funcionários ficavam em um canto caso alguém precisasse de chá ou de mais açúcar, era um evento mais casual. Porém, o jantar era mais do que uma festa, era um banquete com direito até a assentos reservados. A comida era a melhor, preparada pela melhor cozinheira da casa geralmente uma carne ou alguma ave de caça servido com um molho rebuscado, de sobremesa haviam vários tipos de torta servidas com creme inglês ou chantili. Parecia um sonho, era muito mais do que eu jamais sonhei ver. Mas em geral apesar de estar muito impressionada com tudo a minha volta, eu diria que estava me adaptando bem, inclusive só havia tido três pesadelos naquela semana. Era uma semana boa.
Uma tarde após o chá eu estava recolhendo as louças da mesa e as levando até a cozinha quando a Sra. Grace apareceu na sala de jantar. — Charles, o Sr. Brown mandou uma carta para o senhor.
— Deve ser sobre a reunião, ficamos de nos encontrar hoje para resolver a questão das terras. — ele comentou enquanto se levantava da mesa. — vou encontrá-lo mais tarde na cidade. E já disse para não me chamar de senhor, Grace.
— Desculpe Charlie, é o habito. — ela abriu um sorriso tímido — será que poderia aproveitar a carona e mandar alguém para buscar as encomendas do armarinho? Os tecidos que encomendei já devem estar prontos.
— Claro, tudo por você Grace. Mande alguém arrumar a carruagem e me esperar lá foram em meia hora. — ele saiu apressado da sala.
Parei de prestar atenção na conversa dos outros e me concentrei em juntas os pires em uma pilha única, os colocando sobre a bandeja.
— Helene! — Grace chamou na mesma hora — que bom que está aqui, preciso que vá a cidade para mim, é uma boa oportunidade para você conhecê-la. Tem uma encomenda em meu nome no armarinho, vá trocar de roupa rápido e espere Charles na porta por favor.
— Trocar de roupa? — perguntei confusa.
— Sim, você não precisa ir até a cidade de uniforme, aproveite para dar uma volta, Charles deve demorar na reunião. A senhorita pode aproveitar o tempo para conhecer a cidade.
Assenti com a cabeça, partindo imediatamente para a casa dos funcionários. Isabelle pendurava as roupas limpas no varal e passei por ela apressada. — Adivinhe onde vou? — perguntei rapidamente, parando na frente da porta vermelha.
— Onde? — perguntou, largando os lençóis brancos para me encarar.
— A cidade com Charles. — abri um sorriso para me gabar e Isabelle revirou os olhos.
— Não pode estar falando sério! — largou tudo o que estava fazendo e veio em minha direção, começando a me seguir quando subi as escadas em direção ao nosso quarto.
— Bem, tecnicamente vou buscar uma encomenda para Grace no armarinho, mas Charles irá me levar então vou a cidade com Charles.
— Engraçadinha, não me dê sustos. Brincamos sobre o Sr. Charles mas se tem uma coisa que eu aprendi é que criados não se metem com seus patrões. Sempre termina em confusão. Sempre. — ela apontou o dedo em minha direção falando com a cara séria.
— Está doida? Ele é noivo de Charlotte! E não é como se fosse querer algo com uma simples empregada que veio do orfanato porque não tinha mais lugar algum para ir. — abri minha gaveta, escolhendo um vestido xadrez amarelo claro que eu adorava.
— Não custa nada avisar, afinal somos amigas não é? — disse, abrindo um sorriso leve enquanto me observava da porta. — bem, aproveite e use meu chapéu de domingo, vai combinar com seu vestido.
Isabelle pegou um de seus chapéus do armário e o colocou sobre a minha cabeça, ajeitando para que meu cabelo permanecesse arrumado por baixo.
— Estou apresentável? — perguntei, fazendo uma pose de brincadeira.
— Está amável Srta. White. — Isabelle falou, usando seu melhor tom de voz masculino para imitar Charles. Começamos a rir juntas e foi então que notei que já deveria estar atrasada. Corri até a carruagem que estava na porta da residencia dos Taylor torcendo para que não tivesse deixado Charles esperando. Parei para respirar aliviada quando notei que não havia ninguém ainda, porém logo coloquei as mãos para trás e levantei a postura quando vi a porta principal se abrir.
— Tome cuidado querido. — Charlotte o beijou na bochecha e Charles veio andando mais bonito do que nunca. Usava uma calça marrom com uma blusa branca e um blazer comprido por cima. Sorriu ao me ver ao lado da carruagem mas não tenho certeza se me reconheceu.
— Podemos? — estendeu a mão e ele mesmo me ajudou a subir no banco da frente. Quando assumiu as rédeas do cavalo ao meu lado eu arregalei os olhos confusa.
— Achei que William iria nos levar, o Senhor não deveria se cansar com tais atividades. — abriu um sorriso divertido na mesma hora e senti meu coração acelerar ao me lembrar de nosso encontro.
— Bem que achei seu rosto familiar, me lembro da senhorita Helene White. Não se incomode comigo — começou, enquanto partíamos pelo portão principal — há muito trabalho a se fazer e as vezes eu gosto de sentir o vento no meu rosto e observar a paisagem tranquilo. Não tenho muito tempo de paz se é que me entende.
— Entendo sim senhor. — respondi, apesar de não saber se entendia realmente.
— Pode me chamar de Charles, já disse. — ele sorriu simpático e senti minhas bochechas corarem.
— Desculpe sen... Quer dizer, Charles.
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Amor e Outras Guerras
Historical FictionNo ano de 1852, na Inglaterra vitoriana, Helene White enfrenta a dura realidade da vida após a perda de seus pais e o distanciamento de suas irmãs mais novas. Sozinha e desamparada, ela é forçada a passar um ano sombrio no orfanato de Londres, onde...