"Se todo animal
inspira ternura, o
que houve, então,
com os homens?"— Guimarães Rosa
Havia chegado o meio da semana, era um dia bonito com o sol forte e um céu completamente azul sob nossas cabeças. Caminhávamos pela praça principal de Dover observando as flores diversas, e os passarinhos voando de árvore em árvore. Isabelle e eu estávamos tendo o nosso tão merecido dia de folga após tantas horas seguidas de trabalho. É claro que precisou de um pouco de lábia e simpatia de nossa parte para convencermos Grace a nos dar o descanso no mesmo dia, porém, tudo havia dado certo.
Estávamos andando entre os jardins e jogando conversa fora, como se não houvesse nenhuma preocupação em nossas mentes. Não perguntei o que ela havia feito na noite do baile, mas fui bombardeada com perguntas sobre a minha curta aventura como convidada dos Taylor. Não escondi nenhum detalhe, esperava que mostrando a Isabelle que confiava totalmente nela, fosse ter o mesmo retorno. Só que até o momento ela fingia que não havia feito nada que precisasse compartilhar comigo. Deixei para lá.
Tudo aconteceu assim que sentamos em um banco em baixo de uma árvore para aproveitar a sombra. Notamos uma movimentação atípica a alguns metros de distância, próximo ao gazebo branco. Nos entreolhamos confusas e demoramos a decidir se realmente íamos querer ver do que se tratava. — O que você acha que é? — Perguntei.
— Não sei, geralmente não vemos tanta gente aglomerada assim por aqui. — Em seu rosto havia uma ruga de preocupação entre as sobrancelhas, Belle fitava a multidão enquanto andávamos lentamente entre as pessoas. De repente começaram os gritos, e no mesmo momento tive um pressentimento ruim que me deu um frio na barriga.
— Vamos embora. — Falei, tentando puxá-la. Só que Isabelle estava determinada a chegar perto o bastante para saber o que estava acontecendo. "Mate-a!" as pessoas berravam, seguidos de insultos de todos os tipos. Quando pude ver o que havia no meio do gazebo, meu corpo paralisou. Não conseguia sair do lugar, não conseguia mover meus olhos, não acreditava no que estava acontecendo.
Uma mulher que não devia ser muito mais velha do que eu estava presa a uma das pilastras de sustentação. Um homem subiu as escadas de forma calma, como se estivesse chegando em casa para ver sua família no fim do dia, e o pior, assim que chegou ao topo ele sorriu. Aquilo provocou uma onda de fúria dentro de mim, minhas palmas das mãos estavam quentes e jurava sentir meu sangue pulsando em minhas veias. Como ele estava sorrindo? Havia uma mulher acorrentada ali! Ela chorava sem parar, tentava esconder o rosto com os cabelos desgrenhados e murmurava algo baixinho. Imaginei que estivesse rezando.
— Povo de Dover! — O homem gritou, virando-se para a multidão. Sua postura era impecável, assim como sua vestimenta e sua aparência. Os murmúrios entre todos a minha volta foram ficando mais baixos, e já não havia mais gritos após alguns segundos. Silêncio completo. Era como se alguma espécie de show fosse começar. — Esta mulher que vocês estão vendo é adúltera! — Ele segurou o rosto dela com força, o virando para que todos pudessem ver. — Traía seu marido, traía sua família, e consequentemente traía os costumes e o povo de Dover!
Foi o auge. Todos gritavam ao mesmo tempo exigiam sua morte através de gritos raivosos e insultos. Fiquei enojada com a cena, Isabelle paralisada ao meu lado secava as lágrimas que escorriam para que ninguém pudesse vê-las. Desejei ter o poder de mudança, queria subir ali e salvá-la. Queria o impossível.
O homem parecia gostar do alvoroço da multidão, pude notar que ele escondia um sorriso enquanto se virava para pegar um chicote. Rasgou o vestido da moça, deixando suas costas completamente nuas e pronta para receber a ira de sua punição. Ela fechava os olhos com força e chorava tão alto que parecia estar ao meu lado. Um grito de pânico surgiu quando a primeira chicotada foi feita. Em seguida veio a segunda, terceira, e parei de contar. Não queria ver aquilo, não queria presenciar aquela cena.
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Amor e Outras Guerras
Ficción históricaNo ano de 1852, na Inglaterra vitoriana, Helene White enfrenta a dura realidade da vida após a perda de seus pais e o distanciamento de suas irmãs mais novas. Sozinha e desamparada, ela é forçada a passar um ano sombrio no orfanato de Londres, onde...