O Início de uma Nova Vida

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Dr. Braga••

Assim que a minha equipe e eu deixamos o quarto, fomos direto para sala de reuniões do Hospital.
No caminho não fizemos nenhuma observação, não se escutou uma palavra se quer e só se ouvia o barulho de nossos passos, rumo à sala de discussão.
Eu fui o primeiro a entrar, fui até o centro da sala com o cenho franzido eu disse, num tom de preocupação:
- Estou muito preocupado com a situação, o quê podemos fazer para reverter este quadro, que no mínimo, é um tanto quanto estranho?
Os integrantes da equipe, ficaram andando de um lado para o outro, pensando numa solução e nada de alguém se manifestar...
Eu, dr. Braga dei uma melhor solução de imediato:
- Reconheço que estamos muito cansados, vão para casa, descansem e se houver alguma ideia para resolvermos este caso, será bem vida.
Boa noite à todos e tenham um bom descanso.
A equipe se abraçou um a um e cada um seguiu o seu caminho. E eu, dr. Braga fiz o mesmo.
Ao chegar em casa, minha mente estava um tanto quanto perturbada com o caso de Eduardo e Mônika.
Fui ao computador e comecei a pesquisar algo parecido, mas, nada encontrei...
Desliguei o computador e fui me deitar e nada fazia eu tirar da mente aquela anomalia e quanto mais eu tentava não lembrar, eu me lembrava.
Foi quando, começaram a vir em minha mente, os motivos pelos quais eu me engajei nesta profissão.
Eu tinha ainda uns quinze anos de idade, quando meu pai Aluísio Braga, que era viúvo de minha mãe já alguns anos, nos chamou à beira de seu leito de morte e nos comunicou que estava prestes a nos deixar, que logo ele partiria desta vida.
Meu pai, um garimpeiro nato, tudo o que tínhamos, era fruto de seu trabalho árduo em Serra Pelada, aqui no estado de São Paulo.
Ao meu irmão Aluísio Braga Filho, que é o primogênito do meu pai, disse, com voz ofegante, assim que ele se ajoelhou perante o pai:
- Filho, sei de seu potencial, do seu amor pelo seu pai e sei também o quanto sofreu com a morte de sua mãe. Sei que você foi ao fundo do poço, que foi muito difícil sair daquela situação...
Ele titubeou um pouco em sua fala, o meu irmão começou a passar a mão direita na face envelhecida ao longo dos anos de trabalho no sol que ardia até a alma.
Nosso pai continuou a falar:
- Não gostaria jamais de ver você novamente daquele jeito. Mas, vou te deixar um conselho de pai, nunca, em hipótese alguma, esquece o que eu vou te falar agora.
O meu irmão implorava para que o nosso pai não dissesse nada, na intenção de poupar o papai:
- Por favor meu pai, está tudo bem, não precisa dizer nada se o senhor não quiser...
O nosso pai continuou a falar:
- No dia em que você perder tudo e estiver no fundo do poço novamente, vá até a árvore que fica próximo do casebre aqui no fundo de casa, coloque uma corda bem forte naquele tronco da frente, sim, na árvore onde está escrito com letras maiúsculas, " O INÍCIO DE UMA NOVA VIDA " amarre- o firmemente e lá se enforca, morra com honra, como pai eu estou te ordenando isso e espero do fundo do meu coração, que você respeite o meu último pedido.
Cada palavra pronunciada pelo meu pai ao meu irmão, falando desta forma com ele, nós chorávamos alto e soluçávamos mais alto ainda, enquanto nosso pai falava serena e calmamente.
Após ter terminado de dizer estas duras palavras ao meu irmão Aluísio, ele me chamou até próximo dele, eu que estava encolhido no canto do quarto, fui me gatinhando, até chegar bem perto dele e temendo receber uma ordem parecida, disse tremendo o meu corpo todo:
- Estou... aqui... papai, pode me falar o que o senhor tem a me dizer.
Ele pediu para eu o ajudar a se levantar e sentado, ele começa a me dizer assim:
- Meu filho mais novo, o segundo e último filho, sei que quando sua mãe partiu desta vida, você ainda era muito novo e não tinha muita noção das coisas, porém, hoje está na meia idade e tem um futuro brilhante para frente. A você meu filho tenho um conselho, que espero que você também o siga, assim como eu quero que o seu irmão siga o conselho que dei a ele, porém, para você é um pouco diferente. Quero que logo que seu irmão se enforcar, você pegue uma parte do dinheiro que esteja a sua disposição e faça uma faculdade, da qual você cumpra com esta minha designação, que é, VIVA CONSTRUINDO VIDAS.
Eu ainda sem entender muita coisa, disse enquanto eu o ajudava a se deitar, de onde nunca mais se levantou vivo de lá:
- Papai, pode deixar, eu viverei para construir vidas, conforme seu desejo.
Ao ouvir isto, nosso pai, com dificuldades falou:
- Aluísio e Edmundo, venham aqui.
Nós nos aproximamos...
Ele nos abraçou ao mesmo tempo fortemente, dizendo:
Meus filhos, eu os amo muito, a mãe de vocês e vocês sempre foram o meu maior motivo para viver, estarei realizado ao atenderem os meus pedidos, adeus meus filhos.
Ao pronunciar está palavras, soltou o seu peso e deitamos o seu corpo na cama e naquele momento ele veio a óbito.
Meu irmão e eu ficamos desolados, mas, os pedidos de nosso pai não saiam de nossas mentes.
- Por quê o pedido para o meu irmão se enforcar? Por quê? Não fazia sentido algum...Que dinheiro seria esse, que estaria a minha disposição?
Nós estávamos no brefo....muitas dúvidas me rodeavam.
Estamos passando por um momento muito difícil, onde temos pouco dinheiro para viver...Mas, tudo bem, acho que o papai sabia o que estava falando.
Bem, o tempo foi passando, a vida cada vez mais difícil, o meu irmão cada vez mais se afundando no álcool, se embriagava todos os dias, eu procurava trabalhar no comércio de nossa cidade.
Três anos após o falecimento de nosso pai, meu irmão Aluísio, estava no fundo do poço, como o papai previamente havia dito, meu irmão estava caminhando para o seu fim...Após várias tentativas de suicídio, se jogando na frente do caminhão, tomando over dose de remédios, até mesmo soda cáustica ele tomou e nada fez ele chegar ao seu objetivo, que era vir a óbito.
Porém, um dia com um sol lindo e maravilhoso que estava fazendo, Aluísio estava muito deprimido, era um domingo e eu me encontrava em casa neste dia, ele foi até o casebre do qual o nosso pai havia dito, com uma corda na mão, uma cadeira na outra, com uma certa dificuldade, ele consegue amarrar bem forte a corda, exatament no tronco mis grosso da árvore onde estava escrito " O INÍCIO DE UMA NOVA VIDA " , firmemente amarrou a corda, como papai havia dito, na outra ponta fez uma laço, averiguou se estava tudo nos conformes e colocou levemente em seu pescoço, com os olhos cheios de lágrimas, gritou em voz alta:
- Papai, este é pelo senhor!
Ao dizer isto, na ponta dos pés, chutou a cadeira e um tranco foi dado ao tronco da a árvore...
Mas, o tronco estava todo podre pelo tempo e mais uma vez a sua tentativa de se matar foi frustrada, ao começar a se esmurrar e rasgar a sua própria roupa e se maldizendo, com palavras do tipo:
- Eu sou um merda mesmo, nem para me matar sirvo, fui acreditar no papai...!
Qual não foi a sua surpresa, muitas pepitas de ouro começaram a cair, do tronco oco e com elas uma carta, que dizia o seguinte:
" Sei que para chegar a este ponto, você estará em suas últimas, porém, espero que você faça bom proveito deste dinheiro, que ganhei com muitos esforços e o guardei aqui para vocês terem alguma coisa e para vocês estudarem, serem pessoas do bem e me perdoem não ter dito isto antes, é porque em outra situação, vocês não teriam maturidade para aplicar e usar adequadamente esta herança. Me perdoe também por dar este conselho, mas, eu sabia que um dia você faria isso, conhecendo você como eu o conheço. Que Deus abençoe vocês hoje e sempre.
Quando eu cheguei no local, após ouvir o estrondo no fundo de casa, encontrei o meu irmão sentado no chão, rodeado com pepitas de ouro, com uma corda no pescoço e o tronco partido ao meio, reparei ainda, que o tronco era oco, meu irmão estava lendo a carta e com choro de soluçar.
Corri até ele, o abracei e ambos ficamos no chão a chorar juntos, vendo aquela fortuna em ouro puro.
Em seguida saímos abraçados ainda sem entender o que estava acontevendo
Depois deste episódio, entendi o porque eu deveria "viver construindo vidas", como o meu pai havia dito para mim, decidi então, a começar pelo meu irmão Aluísio, a quem o meu pai o amava muito e eu também o amava e consegui a fazer com que o meu irmão não quisesse mais beber e e eu fui fazer a faculdade de psiquiatria, logo o meu irmão conheceu uma mulher da qual eles se casaram e estão bem até o dia de hoje.
Na época em que eu fiz residência na cidade de São José dos Campos, São Paulo.
Eu pude acompanhar vários casos e com isso adquirir algumas experiências em certos assuntos.
Levantei- me e fui revirar o que eu tinha com relação a isso em meus arquivos.
O meu chefe, na época me disse:
- Braga, tenho aqui alguns casos, que sei que você é muito competente para resolver isso, você já sabe qual é o nosso lema, então, vai sem demora estudando os casos e a partir de agora, você tem trinta dias para resolver. Após terminado de averiguar, a missão seguinte, será você fazer um projeto para ajudar estas famílias, pode buscar todo apoio que você precisar, mas, quero resultados positivos.
O meu chefe era um profissional e tanto, mas, também era um homem muito severo e quando ele disse que eu já conhecia o lema, sabia que tinha que resolver sem delongas, pois, o lema era:
" Missão dada, é missão cumprida".
No entanto, dá para imaginar o desafio e o resultado.
Naquele dia, quando fui para o meu apartamento, que ficava perto do centro da cidade, na Av. Dr. Nelson D'Ávila, mas, antes mesmo de olhar os casos, eu observei quantos seriam e eram seis casos.
Ou seja, teria que montar o projeto e dar andamento o mais rápido possível. .
Eu me lembro que eu disse para mim mesmo na época:
- Vou seguir na sequência que está, para não me dar o luxo de querer pegar os mais fáceis na frente.
Apenas numerei os casos e comecei a estudar:
Sentei em minha querida cadeira que me aturou por alguns longos anos, após um banho bem relaxante e coloquei diante de mim, uma bela de uma tigela de macarronada que eu mesmo havia preparado, juntamente com um copo de suco de laranja bem natural, ou seja, sem açúcar e sem gelo.
E assim foi. Naquela mesma noite, eu comecei a analisar o caso:
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Caso 1
Data do relatório: 25 de Outubro de 1990.
Nome: Waldir da Silva.
Apelido: Mengão.
Idade:10 anos.
Cidade: São José dos Campos-SP.
Bairro: Vila Santa Cruz 2- travessa principal, número 363.
Diagnóstico provável:
O paciente se encontra com o quadro de Doença Maníaco-Depressiva e/ou Doença Bipolar é também uma doença mental caracterizada por oscilações do humor, havendo períodos de extrema exaltação e outros de depressão profunda.
A fase maníaca manifesta-se por um comportamento hiperativo, com euforia ou irritabilidade, insónia, discurso e pensamento rápido e, por vezes, ideias de grandeza.
Por motivo de carência e principalmente a falta de conhecimento, a família isolou o Waldir.
Com comportamentos agressivos e ameaçadores.
Tentativa de visitas:
Assistentes social, enfermeiros e médicos foram à residência, porém, foram em vão.
Todas as vezes foram impedidos de ver o Waldir, pois se encontrava na fase agressiva e violenta.
Não tendo sucesso nas visitas, o caso foi arquivado.
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Assim dizia o relatório, assim eu entrei neste caso, mas, como o nosso lema nos dá incentivo de resolver as coisas, resolvi dormir e no dia seguinte bem cedo, lá estava eu.
Aproveitei que era fim de semana e cheguei a casa do Waldir, que provavelmente, se estiver vivo, terá próximo de vinte anos de idade.
Entrei na viela, que conduzia à vários barracos de madeira e outros de tijolos sem reboco, o esgoto era céu aberto.
Ao passar pela viela, vi alguns homens usando drogas, que só me observavam onde eu estava indo.
Eu estava vestido com roupas comuns, sem relógio e sem correntes e anéis de ouro, que apesar de gostar de usar, resolvi deixar no meu apartamento.
Carregava somente um envelope pardo que continha os dados do sr. Waldir, uma folha em branco e uma caneta para fazer algumas anotações.
Estava a procura do número 363, quando de repente, um homem de meia idade, esbarrou em mim e me perguntou:
- Ei play, está procurando alguém em especial?
Olhei para ele e pude observar, que era um homem barbudo e cabeludo, que apesar de sua aparência, parecia ser uma pessoa do bem, então eu disse:
- Oi bom dia! Eu me chamo Braga.
Estendi a mão amigavelmente.
O senhor com um sorriso, faltando alguns dentes na frente, disse pegando na minha mão:
- Oi, prazer eu sou o Zoio de Boi.
- Prazer Zoio de Boi, eu estou procurando a casa de número 363, o rapaz se chama Waldir.
O Zoio de Boi, parou para pensar, olhou para a direita e para a esquerda, coçou a cabeça e disse pensativo:
- Eu não conheço ninguém com esse nome.
Eu então, abri o envelope e puxei a ficha do Waldir e vi o apelido.
- E o Mengão, o senhor conhece?
Aí ele deu outro sorriso e disse:
- Esse eu conheço, mora ali no primeiro portão de lata depois do poste de madeira.
- Muito obrigado pela sua ajuda, Zoio de Boi, tenha um bom dia!
Ele seguiu o seu caminho e eu fui até o portão de lata.
Conferi o numeral, era de fato o 363.
Bati palmas umas três vezes, nisso os vizinhos ficaram de olho em mim, fazendo barulho logo cedo.
Com muito custo, apareceu uma pessoa por cima do portão de lata, dizendo:
- Oi moço, o que o senhor quer aqui?
Primeiramente escutei uma voz vindo de algum lugar, até que descobri que era de cima do portão, e respondi prontamente:
- Olá, eu sou o dr. Braga, fui designado para ajudar o rapaz chamado Waldir, ele se encontra?
Ela a princípio agiu meio na defensiva, dizendo:
O senhor deseja ajudar o Waldir em quê? Já vieram muitas pessoas irritá- lo aqui e acabando por deixá - lo mais nervoso!
- Quero apenas conversar um pouco com a senhora, pode ser? Prometo que vai ser rapidinho.
Ela silenciou por um tempo e depois ouvi o barulho irritante do portão.
- Entre. O senhor deu sorte, agora ele está calmo.
Ao entrar, comecei a subir uma escada de chão de terra batido, com um pouco de dificuldade, cheguei ao topo.
Quando comecei a caminhar, olhei do meu lado esquerdo, um quadrado, como se fosse uma gaiola gigante, toda feita de ferro reforçado.
Passei lentamente, olhando detalhe por detalhe daquela engenhoca, foi quando com um pouco mais de observação, olhei e puder ver um vulto humano, com um par de olhos arregalados seguindo os meus movimentos.
Confesso que fiquei confuso, porém, mantive a calmaria.
A senhora com uma face de sofrimento ao longo dos anos, uma pessoa magra, quase que desnutrida, aparentava uns sessenta anos de idade.
Ao chegar à porta da sala, fui direcionou para dentro.
Ela me ofereceu uma cadeira para sentar e disse- me:
- Eu acabei de acordar...essa noite foi muito difícil, ele não ficava quieto um minuto se quer.
Estendi a minha mão direita para me apresentar e disse:
- Prazer em conhecê- la, me chamo dr. Braga, médico psiquiatra de São José dos Campos, São Paulo. E como a senhora se chama?
Ela ainda estava a limpar os olhos com as costas da mão esquerda, disse cortando as palavras ao estender a sua frágil mão direita:
- Eu me chamo... Rosalina.
Fiz uma anotação rápida no papel de sulfite que estava em minhas mãos, descrevendo a engenhoca e incluindo o nome dela.
- Certo, quantas pessos moram aqui, senhora Rosalina?
Perguntei isso, olhando de cima dos meus óculos.
- Bem, meu marido Valdecy, minha filha mais velha, Waldelina, Walter e o meu filho mais novo, Waldir. Todos começando com a letra W.
Dona Rosalina disse os nomes da sua família com muito orgulho e um sorriso largo em seus lábios.
- Onde está todo mundo?
Quis saber também com um sorriso nos lábios.
A senhora Rosalina, coçou a cabeça, como se estivesse pensando na resposta, para não falar besteira e disse:
- O Waldecy saiu para comprar pão, a minha filha está dormindo, pois ela chega tarde do trabalho, o Walter não pára em casa, seu semblante se entristeceu, e o Waldir...bem o Waldir, ele está lá onde ele fica...apontando com o dedo da sua mão esquerda...
- Espera aí!
Eu interrompi a fala da senhora Rosalina:
- Aquelas grades?...A jaula?...É onde fica o Waldir?
Não sei de onde sairam as palavras, mas, sei que eu consegui falar sem pensar..falei apontando o dedo idicador em direção a jaula no quintal, mas, foi bom.
A senhora Rosalina começou a se explicar...
- O Waldir, desde seus doze anos de idade, colocamos ele ali, porque ele ficou muito forte, se tornou muito violento e agressivo.
- Eu posso vê- lo? Fiquei curioso para conhecê- lo.
A dona Rosalina ficou um pouco apreensiva no primeiro instante, mas, acho que em poucas palavras comigo, ela se sentiu a vontade em deixar eu ver o Waldir.
Ela simplesmente me olhou com um olhar carinhoso e com muita ternura me disse:
- Não sei porque, mas, em você eu me senti bem em mostrar o meu filho que tanto amo, você me mostrou ser uma pessoa boa, venha cá.
Ela pegou em minha mão direita e me direcionou para a jaula no quintal da casa da família.
Ao nos aproximarmos da jaula e com a mão direita dentro das grades, ela disse cuidadosamente:
- Meu filho, bom dia! Hoje você tem visita, o nosso amigo Braga quer te conhecer.
Eu estava só a observar a reação dele naquele momento. Sei que, se ele quisesse me agredir, já teria feito.
Ele começou a fazer barulho com a boca, com um som parecido de um animal, provavelmente um cachorro raivoso e estava me observando dos pés à cabeça.
Eu fiquei em silêncio o tempo todo. Não demonstrei medo, apesar de estar até tremendo, com medo de sua reação perante um estranho.
Com uma feição de bravo, começou a sair do escuro em que se encontrava. O seu cabelo era enorme, bem liso e castanho, sua barba era um tanto quanto grande, quase não se via rosto, mais dava para ver olhos e dentes, me olhava como se eu fosse uma presa diante de seu caçador. Ainda estava imóvel, quase nem respirava, somente o necessário para me manter vivo.
Ao se aproximar mais ainda das grades onde eu me encontrava, pude notar que suas unhas além de grandes, eram sujas e todo o seu corpo cheirava ruim, mas, não me abati e agi como se tudo fosse normal. Apesar de que tudo alí não era nada normal, grades e sujeiras para todo lado em que se olhava.
Quando finalmente meus olhos se encontraram com os seus, olhos esses que, me suplicavam socorro, pude olhar dentro daquele corpo, ver uma alma maravilhosa e um ser humano fantástico.
Um amor à vida daquele ser diante de mim, tomou conta do meu coração de uma forma tão especial que senti um grande desejo de ajudar em tudo o que estivesse ao meu alcance, fazendo valer cada minuto do estudo aplicado pela minha pessoa na faculdade de Medicina da Saúde Mental.
Na verdade, não estava olhando apenas a figura visível do Waldir, mas sim, o ser humano dentro daquela carcaça mal cuidada e sem a condição mínima de se auto cuidar.
Em meio a tudo isso e em pouco tempo, pude me animar para ajudar o Waldir a sair desta escuridão mental em que se encontra neste momento de sua vida.
Ao se aproximar, estendi a minha mão com a palma a mostra para o Waldir e ele se encostou nas grades e eu pude tocá- lo com muito afeto e amor por alguém muito especial e sem preconceito, com coração, alma e mente puros. Eu disse carinhosamente e num tom calmo:
- Waldir meu amigo, estou aqui hoje para te ajudar a conhecer a vida e sei que você quer muito isso.
Ele não disse uma palavra se quer e nem fez um barulho, mas, pude observar uma lágrima rolar de seu lindo olho azul turquesa, dando- me a entender que tudo o que ele mais quer é sair do breu para se encontrar com o brilho da vida e que só está esperando uma ajuda para tal.
Uma lágrima escorreu do meu olho também, não consegui segurar...
Mas, a mensagem foi dita e entendida.
Em seguida o Waldir foi se afastando e segurando em meu braço até onde dava, até que por fim soltou- se de mim.
Ainda com os olhos cheios de lágrimas, dona Rosalina e eu voltamos para a sala, que outrora me recebeu tão amavelmente.
Ao chegar à sala, segurei em suas duas mãos e disse, olhando para seus olhos, que também estavam cheios de lagrimas:
- A senhora está disposta ajudar- me e apoiar- me a ajudar o Waldir a sair desta escuridão e ter uma vida social?
A dona Rosalina ama muito o seu filho querido e ao ouvir esta minha pergunta, caiu em prantos e começou a chorar como uma criança, e disse com uma voz animada e feliz, em pleno soluço:
- Meu filho, isso é tudo que eu venho pedindo à Deus, desde quando soubemos do problema dele, que se tornou o nosso problema. Claro que eu te darei o maior apoio em tudo o que estiver ao meu alcance, o Waldir nunca se interagiu assim com ninguém, você é o anjo que veio ajudá- lo a sair desta vida.
Eu ainda emocionado, dei um abraço apertado nela e disse com voz embargada:
- Voltarei em breve para começarmos o tratamento, tenho um projeto e sinto que vocês querem participar deste projeto, muito obrigado por dar esta oportunidade para todos vocês...
Nos despedimos, eu saí dalí animadamente e com uma esperança de poder ajudar a família Silva.
Antes de descer, passei pela jaula, dei uma última olhada e dei um "tchau" com a mão direita e fui descendo a escada, do qual não foi a minha surpresa, aquele homem barbudo e com dentes faltando na boca, mas, que tinha um sorriso alegre, começou a subir e com um pacote de pães na mão, deduzi que era o pai do Mengão, como ele mesmo chama o seu filho e eu disse, saindo sem parar para conversar:
- Obrigado. Tenha um bom dia!
O senhor, deu um aquele sorriso e perguntou:
- Você não vai ficar para o café?
- Não, obrigado. Deixa para a próxima.
Ele fez um sinal de joia e eu o correspondi e saí de lá.
Não sei se o meu pai tinha alguma noção da magnitude de seu conselho, da importância da missão que ele me deu, mas, de qualquer forma, aonde quer que ele esteja, com certeza, está muito feliz comigo, por eu estar me esforçando para cumprir o seu último desejo.
Ajudar aqueles que de alguma forma poderá nos retribuir financeiramente ou com qualquer outra coisa material, é conveniente, agora, ajudar aqueles que não terão nenhuma maneira de te retribuir, aí sim, é amor ao próximo, fazer as coisas sem esperar nada em troca, esse deveria ser o caminho de todos os seres humanos.
Infelizmente, a maioria das pessoas só querem ver o lado delas, o que vai lhes trazer algum benefício, se notam que não vão receber nenhuma coisa material em troca, então, a sua amizade não vale nada e se afastam de você!


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