4.3 DESCAFEINADO

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Saí do telefone com a astróloga que escrevia o horóscopo semanal da Brilho com um sorriso no rosto. A mulher era peculiar, mas eu adorava pegar a opinião dela sobre algumas coisas para apimentar meus textos, e compatibilidade amorosa tinha muito a ver com signos, aparentemente.

Se ela não ficasse em outro andar do prédio, e portanto não nos encontrássemos muito, a gente podia ser amiga. Se bem que eu tinha uma tendência a fazer as coisas na marcha 5 e era possível que em pouco tempo começasse a justificar os horários do meu banho de acordo com o estágio da lua ou algo do tipo, e eu já era maluca o bastante sem precisar me embasar em mais nada.

Acabamos combinando que ela me mandaria uma tabela de sinastria amorosa para ilustrar a minha coluna e eu editei o texto diagramado, já pronto, para adicionar um espaço para isso, feliz da vida.

Fiz uma dancinha rápida da vitória ao me dar conta que entregaria meu texto dois dias antes do prazo final, sabendo que aquilo seria um indicativo positivo para Zara e Alek ficarem felizes com o meu trabalho.

Henrique se aproximou sorrateiro e eu tratei de fingir que nada tinha acontecido, ficando imediatamente séria e compenetrada. Pela sua cara, eu fui óbvia demais, mas ele não parecia tão perto de fazer qualquer comentário a respeito e eu agradeci mentalmente por isso.

— Começamos com um pé na bunda, então — A julgar pelo sorriso zombeteiro, tudo que ele queria era me tirar do sério e eu estava determinada a não cair naquela armadilha. Mas isso não significava que eu ia ficar calada, claro.

— Se alguém tivesse me preparado melhor, talvez isso não tivesse acontecido. — Rosnei, sarcástica.

— Ah, claro. Tu queres que eu faça teu trabalho agora? — Ele rolou os olhos, puxando uma cadeira para se sentar.

"Tu queres"? O que é isso, um filme português de baixo orçamento? — questionei, confusa com seu palavreado.

— Pra sua informação, boneca, eu sou de uma cidade no interior do Rio Grande do Sul e isso é meu charme gaúcho, e embora more em São Paulo há mais de dez anos, algumas coisas ainda passam despercebidas no sotaque. Agora que você já foi xenofóbica à vontade, quer mais o quê, um café?

Fiz um biquinho, irritada por ele ter alguma razão, mas ele não parecia incomodado, a julgar pelo fato de que estava se acomodando por ali. Sentou de frente e apoiou o peito no encosto, cruzando os braços na minha mesa.

— Descafeinado, por favor — Respondi, abanando o ar, fazendo pouco caso da minha gafe mais recente.

— Tá, mimada, chega disso — Ele segurou minha mão no ar e a abaixou, pousando na mesa de novo. Tinha o tom de voz estável, entediado. — Vamos focar no seu próximo alvo de uma vez.

— Não sei se eu devia confiar em você para me ajudar — Por algum motivo, eu não conseguia ser civilizada com ele.

Talvez eu estivesse descontando a raiva do fora. Só um pouquinho.

Ou talvez eu ainda não tivesse tirado da cabeça o tanto que ele foi chatão na nossa primeira reunião de trabalho, fosse uma pessoa rancorosa, e ponto final. Talvez algo na astrologia explicasse aquilo.

— Rebecca, nós dois sabemos que se algo deu errado foi porque você saiu do personagem e o cara era completamente diferente de ti. Não vem jogar a culpa em mim não que eu não sou obrigado a aguentar drama essa hora da manhã. — Henrique ficou sério como eu não me lembrava de tê-lo visto. Uma linha de expressão na testa e os olhos muito invasivos nos meus, e eu decidi parar com a birra de uma vez.

— Ai, estressado! Tudo bem, eu te perdoo. — ... Depois dessa última cutucada. — Vai, me conta mais sobre o tal Fred Moreira. Como eu vou conquistar ele?

Respirando fundo e deixando de lado toda a minha birra, Henrique se pôs a falar, colocando a pasta que carregava consigo — e que eu não tinha visto até então, sobre a mesa.

— Fred é jogador de futebol. É bom a ponto de entrar em um time grande, na verdade. É fã de balada, simpático com mulher gostosa e odeia ser contrariado. Até aí não deves ter muitos problemas... Mas ele tem fixação de falar sobre futebol, então nisso você vai ter que se esforçar para aprender alguma coisa. — Ele ergueu as sobrancelhas, em aviso.

— Tudo bem... Posso fazer isso. — Inflei o peito, determinada. Eu não sabia nem quantos jogadores tinham em campo. Seria uma noite extensa de pesquisa.

— Ótimo. — Deu um meio sorriso. Eu gostaria de acreditar que não tinha nada por trás, mas havia sim um gosto de desafio naquele levantar de lábios, como se ele achasse engraçado minhas dificuldades. Maldito.

— E como eu vou encontrar com ele pela primeira vez? No treino? — Perguntei, depois de balançar a cabeça e dizer para mim mesma não ligar para sua opinião.

— Não, boneca. Deixa comigo que já está tudo planejado. Tu vais saber em breve. — Piscando, Henrique se levantou e voltou para sua mesa, me deixando com cara de "ué", para variar.

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