1.2 DESEMPACOTANDO

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Cerca de duas semanas depois, minha tia me convenceu de aceitar um apartamento que ela tinha e costumava alugar, mas estava vago há algum tempo. Eu tentei de todas as formas dizer que arrumaria algo sozinha, porque ela já tinha dito que não aceitaria que eu pagasse por ele, mas ela apenas recusou. Disse que era meu presente de formatura, uns seis anos atrasado.

Acabei aceitando por ter pressa, não conseguia mais me sentir confortável invadindo a rotina da casa de minha tia; e voltar para o meu antigo apartamento, com Bruno, era impossível.

E já que ela não me aceitaria como inquilina, quem sabe eu pagasse pelo apartamento como compradora, em muitas parcelas, ao longo do tempo. Eu sabia que não ia fazer à minha tia qualquer diferença, já que a mulher era bem rica, mas ela já tinha me ajudado demais e eu tinha princípios.

Agora o que eu poderia dizer sobre aquele "presente"? Era perfeito. Próximo ao meu trabalho, bem localizado, um bem maior do que o anterior e era todo meu.

Pena que ele estava coberto de caixas e mais caixas de mudança. E mais do que objetos, aquelas coisas traziam lembranças.

Meus amigos estavam, em sua maioria, sendo compreensivos. Adhara achava que eu era forte, que iria ficar tudo bem e que eu estava reagindo bem ao término. Mirzan achava que eu estava sendo fresca: eu que tinha terminado o relacionamento, então que eu parasse de choramingar. Victor achava que era a melhor coisa que eu já tinha feito na minha vida, e me oferecia companhia se eu quisesse encher a cara a qualquer momento.

Durante aquelas duas semanas, algumas pessoas, amigos em comum com Bruno, tomaram coragem para me contar que ele me traía constantemente. Ao que parecia, enquanto eu achava que ele estava em gravações noturnas ou externas, ou qualquer coisa do gênero, ele estava comendo alguma atriz pornô que achava que ele poderia ser o caminho para o sucesso.

Bom, elas pelo menos deveriam fingir melhor que eu, né?

A lembrança me embrulhou o estômago e, mexendo em uma das últimas caixas para organizar, encontrei um casaco de Bruno que acabou me levando lágrimas aos olhos.

Droga. Mirzan estava certa, eu estava mesmo choramingando como se a chutada tivesse sido eu.

Sentei no sofá com o casaco em minhas mãos e não me contive: levei-o ao meu nariz e respirei fundo o perfume de Bruno, ainda entranhado no tecido.

Eu não podia dizer que não fui apaixonada por ele; tinha sido sim, completamente. Ao que parece o tempo desgastou muito nosso relacionamento e eu não sabia dizer quando foi que aquele sentimento morreu. Mas já fazia um bom tempo.

Mesmo assim, nós estávamos nos aproximando do nosso aniversário de cinco anos. Era tempo demais para simplesmente superar e agir como se nada tivesse acontecido. Meus dias estavam muito acostumados a ter a presença de Bruno neles. As noites, então, nem se fala.

Eu sentia falta das coisas boas. Das nossas conversas antes de dormir, quando eu chegava do trabalho. Da nossa paixão em comum pelo cinema e os filmes que assistíamos e debatíamos incansavelmente, mesmo que concordássemos em tudo. De como ele me abraçava antes de dormir.

Era o meu sonho, desde adolescente.

A lembrança de como eu me senti quando coloquei os olhos nele pela primeira vez na escola me fez sorrir como uma boba. Demoramos a nos acertar em algo sério, foram anos na faculdade fingindo que a gente não era algo a mais, mas desde que tínhamos firmado, nunca estivemos realmente longe um do outro. O dia que ele me pediu em namoro, então... Não foi nada muito romântico, mas eu queria tanto que podia ser considerado um dos dias mais felizes da minha vida.

Meus olhos acabaram batendo no meu diário do colegial, que eu deixara em cima do braço do sofá para folhear e me divertir depois, e decidi que era um bom momento para fazê-lo agora.

Abri-o, derrubando uns papéis que estavam soltos e, no desespero de recuperá-los ainda no ar, cortei meu dedo no papel. Céus, como aquele corte pequenininho poderia doer tanto?

Enquanto o sacudia e levava meu dedo aos lábios, levantei-me do sofá para recolher os papéis do chão e o telefone tocou. Mudei minha trajetória imediatamente para ele, o coração acelerado pela lembrança repentina de que eu ainda tinha que ser a anfitriã da openhouse do meu apartamento.

— Alô? — atendi.

"Piranha!!" a voz de Victor era trovejosa e autoritária, como se tivesse me pego no flagra fazendo algo errado. Ele devia suspeitar que eu estava mais do que atrasada na missão de desempacotar. Não pude evitar girar meus olhos pela minha sala e ver se havia uma câmera por ali. "Já tá tudo pronto pra festa?"

Olhei para o tapete onde eu estava sentada há um segundo. Haviam cinco caixas espalhadas, cada uma em uma situação pior que a outra. Além disso, quatro delas estavam abertas e com coisas abandonadas ao redor. Entortei os lábios para o ambiente.

— Claro — menti.

Victor riu. O infeliz sabia que eu estava mentindo porque me conhecia como ninguém.

"Becca, meu amor," sua fala ficou mais terna, da mesma forma que se fala com um animal encurralado. "você tem duas horas antes de começar a chegar o pessoal."

Olhei para a janela e percebi que estava começando a escurecer. Droga. Eu não vi as horas passando. Amaldiçoei Bruno e o tempo que eu gastei pensando nele.

— Tudo bem! — e, subitamente, eu estava elétrica. — Vou conseguir! Tenho um plano.

"Sei bem qual é o seu plano" riu. "Tranque a porta."

Sem questionar, nos despedimos e eu comecei a empurrar as caixas e a bagunça para dentro do cômodo que eu pretendia usar de escritório. Ao jogar meu diário e o casaco de Bruno lá dentro, as últimas coisas que encontrei espalhadas, tranquei a porta e coloquei minhas mãos em minha cintura, respirando fundo com o sentimento de dever cumprido.

Agora tudo o que eu tinha que fazer era tomar um banho e ficar muito gata para receber meus convidados para a minha festa.

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