|| A Véspera ||

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Estávamos indo para a casa da minha mãe, a casa de campo que tínhamos o costume de ir em todas as vésperas de natal. Na caminhonete grande vinham quatro, eu no banco de passageiro e Leah e Coronado no banco de trás. De início não dialogamos, o silêncio nos envolveu por alguns minutos até que Renato começou com assuntos de carros, embora eu não tenha dado atenção. Leah estava inconsciente, ressonando delicadamente com a cabeça recostada na janela. Por um momento eu a invejei, deveria ser reconfortante desligar-se do mundo, mesmo que por algumas horas — ultimamente não tive tempo de descansar de uma forma adequada.

Era uma manhã, uma manhã lúgubre. O céu um pouco escuro por conta das nuvens cinzentas que se estendiam. Renato acelerou em meio as sombras, seus olhos nas nuvens negras. Pude sentir a brisa gélida subir pelo meu corpo, e então lembrei-me do que Clone havia dito na carta que deixou para mim — será que já era a hora? Será que eles já estavam vindo atrás de nós? Renato também percebeu, ele estimou que tínhamos apenas o dia de hoje. Depois nos instalaríamos em uma clareira, atraindo o Rezende para o local escolhido.

Por dois dias, Renato e Thiago ficaram em uma clareira, a mais próxima de Londrina, onde o Rezende concerteza nos seguiria até lá. Só podíamos imaginar que o Rezende estaria nos observando. Será que isso o deixaria cauteloso? Eu não conseguia imaginá-lo com a necessidade de cautela, afinal, ele ja teria declarado seus objetivos. Embora fosse — assim esperávamos — um alarme falso, eu estaria com o Renato. É claro. Não tínhamos certeza de quantas horas nos restavam.

Renato e eu não criamos nossa cena de despedida, na verdade eu não havia planejado uma. Pronunciar a palavra Fim era arrepiante. Então não dissemos adeus, nos certificamos em ficar perto um do outro ao máximo, sempre nos tocando. Entretanto, eu imagino nosso fim mais do que ele, Renato não tinha a necessidade de nos ver separados — mesmo que no pior de seus pesadelos.

Ao me aproximar da casa, minha mãe, meu pai, Letícia e Felipe estavam reunidos na varanda, como uma plateia jovial. Renato e Coronado desceram primeiro, fiquei para descer a Leah do carro. A peguei no colo e ela abriu os olhos vagamente, ainda sonolenta — ela suspirou.

— Tem alguma coisa aqui além de visitar seus pais? — perguntou Coronado, ele aproximou-se mais do que eu esperava.

— Nada além de passar a véspera de Natal com minha família — eu respondi. Ergui minhas sobrancelhas pretas e grossas. Eu não tinha certeza de como seria meu futuro daqui para frente, poderia jurar que meu fim seria no dia de amanhã, por isso resolvi passar cada segundo dando atenção para minha família.

Coronado esperou que eu acrescentasse mais alguma coisa, depois seu lábio inferior se projetou enquanto ele pensava no que eu havia dito.

Enquanto seguíamos para a varanda, agora em silêncio, eu apertava os olhos por causa das lentes de contato irritantes, olhando a garoa fria. Lá na frente, Renato já tinha cumprimentado meus pais e irmãos. Meu pai esperava por nós já no gramado, ele parecia mais ansioso que todos ali — mais do que minha mãe.

— Oi meninos! Olha só pra você, Leah! Venha com o vovô! Parece que cresceu uns... dez centímetros — Alex a examinou dos pés até a cabeça. — Você está tão magrinha, Leah. Não estão te alimentado direito por lá? — ele me fitou com os olhos cerrados.

Leah mostrou meu sorriso favorito, suas covinhas revelaram-se. Ela não era do tipo que falava com meu pai.

— Oi, Leah! Como você está linda! Você cresceu bastante não é? — minha mãe a elogiou. Sua boca se curvou num sorriso, algo que não tinha visto a um tempo. Por conta própria, Leah a abraçou.

— É só um... surto de crescimento — balbuciei. Apertei meus lábios. — Oi, gente — acenei para Letícia e Felipe na varanda. Eles acenaram para mim em sincronia, também disseram Oi em um tom quase despercebido.

MY LIFE | LeonatoOnde histórias criam vida. Descubra agora