Chovia forte como nunca. As gotas de água tocavam nas janelas de vidro fazendo sons tranquilizadores. O ar dentro das casas e nos cômodos era pesado e fechado, trazendo a sensação de estagnação. De prisão. Às vezes, o peso abafava o tempo, fazendo-o passar lentamente. A mente, como revoltada com aquilo, buscava problema nas possibilidades nunca acontecidas trazendo insatisfação.
Olhando pela janela, observando as gordas gotas descerem pelo vidro em uma ilusória corrida, o homem praguejou mentalmente. Seu nariz adunco deixava marcas nebulosas no vidro, embaçando-o com sua respiração. As sobrancelhas cabeludas se uniam na fonte denotando preocupação, formando profundos sulcos em sua pele.
Soltou um longo suspiro desanimado, e deixou-se fechar os olhos miúdos, parecendo querer não ver o jovem oficial sentado à sua frente. Porém, seus joelhos se tocavam.
— O que me disse é verdade? — A voz do homem em nada combinava com sua aparência corpulenta, pois lembrava uma criança de 10 anos se desculpando com sua mãe.
O jovem homem à sua frente, usando roupa de oficial engomada e devidamente adornada de diversos medalhões (provavelmente posições compradas), não soltou um riso sequer, apesar de querer fazê-lo.
"Porco imundo."
— Sim senhor. — Respondeu ele calmamente.
Outro longo suspiro sucedeu a resposta.
— Então há um dragão indo contra o Regime Imperial?! Como isso é possível? Quanto ópio é preciso engolir para se chegar a essa atitude?!
— Bom, na verdade ele não está indo contra, parece mais tentar cumprir as ordens imperiais de forma mais justa.
Os pequenos olhos do homem gordo se abriram, como se pudessem sair das órbitas. Sua face enrubesceu.
— Está dizendo que ele está certo no que faz?!
"Sim! Não vê logo o que o povo passa na mão do império?" Restringiu tal pensamento mantendo a face inalterada.
— Não, não acho. Quis apenas dizer que não vejo que ele esteja fazendo nada errado.
— Nada errado?! Nada errado?! Se você falasse essas palavras perante Eru O Grande, sua cabeça rolaria como um repolho aqui mesmo! Não sabe o quão misericordioso é Nosso Imperador?!
A imagem de um repolho rolando e depois tornando-se sua cabeça, passou pela sua mente. Teve vontade de rir novamente.
— Sim senhor. — Respondeu em tom baixo.
O homem de nariz adunco, passou a mão na nuca, um gesto para manter sua calma. Porém suas narinas se expandiram rapidamente a cada puxada de ar.
— Depois de tudo o que ocorreu nós deveríamos eliminar todos os humanos da terra! E ainda assim, Eru permitiu que vivessem e construiu um sistema que os protegesse.
O homem falava como se ele mesmo não fosse humano. O oficial jovem teve vontade novamente de rir, pois concluiu que ele talvez não fosse, visto que parecia um porco. Sua boa se arqueou prendendo o riso de forma séria.
— Então imagine só! Dar mais dinheiro aos humanos? Aqueles seres patéticos e efêmeros que não conseguem nem viver 100 anos?! Isso é um desperdício! Eles nascem e se reproduzem como coelhos, morrendo aos 60 anos, tendo repetido os mesmos erros de seus pais e avós. — Bufou o homem.
O oficial olhou pela janela da carruagem. A miséria humana lá fora ardia em sua vista fazendo-o não conseguir olhar por muito tempo. Sentiu asco e pena. Para ele, descendente de dragão da terceira geração, as guerras foram histórias que seus pais contaram, mas não faziam sentido. A realidade ali fora, era algo muito mais gritante do que a histórias de sua infância.
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A princesa e o dragão - A última guerra - Terceiro Livro
Ficción históricaApós ter encontrado e resgatado sua mãe, Aurora, agora buscando o remédio capaz de ajudar Perseu, descobre desafios criados pelo novo governo draconiano. Agora ela vai descobrir que para unir sua família, ela precisará não só encontrar paz, como tam...