Capítulo 15: Origens

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Cheiro de mofo, livros e velas. O som distante de passos e vozes baixas, repetindo e repetindo o mesmo cântico incessantemente. Sussurros, desejos, preces, segredos. Tudo se misturava em um burburinho quase inaudível permeado pelo passar rápido de contas de rosários.

Abriu os olhos, curiosa pelo quê ouvia e procurando algo, sem saber o que queria. Primeiro a escuridão, apenas os sons conseguiam alcançar onde ela estava, um lugar tão incomum para uma alma humana em tal condição. Eu mesma não entendi como ela chegou lá. Mas então, uma voz receosa a permitiu ver:

— Está tudo bem criança, pode ver agora.

E assim ela viu.

Uma enorme sala cerimonial, com grandes assentos feitos de madeira entalhada, cheios de pessoas sentadas e ajoelhadas orando. Haviam muitos homens vestindo roupas claras, com contas em seus pescoços. Suas faces eram serenas e sérias. Alguns falavam para o povo, outros escutavam e seguravam objetos de metal com formas inusitadas.

Nas janelas, dispostas de forma ordenada nas laterais, vitrais coloridos representavam a história de uma figura de cabelos claros. Sua jornada era contemplada e discutida. No centro do altar, onde alguns homens que pareciam padres estavam orando, a imagem da figura estava crucificada de ponta cabeça. Ao ver a imagem, novamente, se encolheu.

Dor. Subitamente sentiu o ar escapando de si.

— Não consigo respirar!

Como água entrando em seu nariz, o ar bloqueava suas pulmões afogando-a.

— Calma, calma... — A mesma voz retornou. Porém, dessa vez, ela pode vê-lo.

Estava ao seu lado, um senhor de meia idade grisalho, com o rosto comprido como um feijão e olhos bondosos. Seu cabelo grisalho, tinha a mesma cor de seus olhos acinzentados. Usava roupas semelhantes à de padres, porém esta era completamente azul, o que destacava a cor pálida de seu semblante.

— Padre? — A voz saiu de sua boca por impulso.

— Sim.. sou eu. Parece que nos encontramos de novo, não é Aurora?

Ela se lembrou assim, da primeira vez que havia visto-o na igreja, naquela mesma que estava com Perseu e Lise procurando o elixir. Então olhou novamente para o hall abaixo de si, e percebeu que era aquela igreja porém muitas décadas antes, quando ainda estava florescendo.

— É linda não é. — O senhor falou com água nos olhos. — Aqui foi onde você foi batizada Aurora. Me lembro como se tivesse sido ontem quando aquela mulher te trouxe nos braços.

A imagem então tornou-se turva e frenética. Milhares de pessoas passavam andando rapidamente, e o sol nascia e se punha em questão de segundos. O tempo passava rápido, até um instante, onde parou, congelando em uma cena. O padre ao seu lado ergueu a mão, e a cena à sua frente começou a rodar.

Lá estava ele mesmo, atrás de uma pia colocada sob o altar. Ao seu lado, uma mulher ainda muito jovem, ruiva e muito bela, segurava lágrimas em seus olhos enquanto mordia os lábios. E nas mãos, uma pequena criança, ainda prematura, de cabelos claros, chorava protestando pela água fria que caia em sua cabeça.

— Ali, aquela era você. — O padre falou calmo e apontou para o bebê sendo batizado.

Aurora não sabia o que acontecia, mas ao ver a criança, sentiu em si aquele choro apressado, aquela fome insuportável que a acompanhou por tantos anos de sua vida. Sentiu lágrimas escorrerem por seu rosto, frias e amargas pelas memórias de uma infância dura.

Mas continuou olhando. Queria ver. As pessoas cochichando diversas histórias sobre a criança. A rainha louca pedindo que retirassem a criança, e a confusão que se seguiu durante toda a missa. Quando a cena acabou, a igreja voltou ao seu movimento normal, e todos os fiés se dispersaram. A figura de Lise com a criança saiu mais cedo, muito antes dos outros, procurando evitar os olhares maldosos.

A princesa e o dragão - A última guerra - Terceiro LivroOnde histórias criam vida. Descubra agora