Antes que o sol nascesse, antes que qualquer um abrisse os olhos, ela entrou lá. Não precisou de luz para ver seu caminho, pois seus olhos se habituaram com o breu da manhã. O som dos grilos ficou mudo quando seus pés atravessaram a soleira da porta. Havia estado ali horas antes, mas o ambiente parecia diferente.
O ar parecia diferente.
Esperou um tempo em silêncio na sala maior. A caixa com os frascos quebrados ainda estava lá onde tinham deixado. Depois seguiu para o altar e passou pela pequena porta que ficava atrás dele. Seus passos eram certeiros, sabia exatamente onde ir, e por isso, andava firme. Após o extenso corredor, virou à esquerda a última passagem, que dava para um lugar grande e vazio. O eco de seus passos a perseguiu até ali.
Nele a pouca luz revelava apenas as sombras de grandes retângulos que se erguiam do solo. Estava ali o que procurava. Ergueu uma das mãos sussurrando: "lux" e uma pequena bola incandescente se formou flutuando sob sua palma. Depois passou a olhar uma a uma das palavras que estavam escritas nos tampos daqueles retângulos.
— Túmulos. — A palavra saiu lentamente de seus lábios, com um peso estranho.
Leu os nomes de todos que ali estavam até chegar ao último. Este, bem como da primeira vez que foi ali, estava aberto. Dessa vez, antes de olhar para dentro do mesmo, olhou sua tampa, procurando o nome de quem ali dormia.
Jofré Llançol I Escrivà
(1390 - 1436)
Do contrário dos outros túmulos, não havia nada escrito ali abaixo de seu nome. Nem título, nem honraria, ou mensagem. Nada. Após olhar bem o nome, ela sem hesitar colocou a mão dentro da abertura iluminando o caixão.
— Sabia que estaria aqui, Sem.
— Aurora?
Ele estava lá deitado, imóvel, e sua aparência esquelética combinava com o caixão. Mas o brilho em seus olhos denunciavam a vida que se agarrava às entranhas já não existentes.
— Jofré, esse é o seu nome então? Porque não contou antes?
— Eu não me lembrava... foi só quando cheguei aqui que tudo veio de volta à minha mente.
Sem pegou a mão de Aurora e a depositou levemente em sua face.
— Não pode ficar aqui. — Ele disse calmo.
— Você deve vir conosco, como sempre fez.
— Aurora, meu tempo aqui acabou. Não posso mais ficar...
— Não fala isso, você sempre esteve comigo. Já ficou alguns anos enganado a morte, então o que são mais alguns anos...
— Mas eu te trouxe aqui... eu te trouxe pra ele.
Aurora retirou a mão e ficou em silêncio. Esperou que ele falasse mais, contasse o que ela já suspeitava.
— Eu te trouxe aqui para falar com seu pai... era minha missão, meu propósito. Me desculpe, mas agora que cumpri o que deveria fazer eu sinto minhas forças se esvaindo.
— O que quer dizer com isso? Sem? Você não pode ir! Não me importa se você me trouxe aqui, se foi mandado, ou sei lá o que!
— Não, Aurora... não é assim... eu só tinha forças para continuar porque tinha um propósito. Agora que isso se foi, eu também devo ir.
O fogo que brilhava em seus olhos se apagou por segundos e depois voltou.
— Eu estou cansado... — Disse finalmente. — Me sinto fino... fino como um papel esticado demais.
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A princesa e o dragão - A última guerra - Terceiro Livro
Ficción históricaApós ter encontrado e resgatado sua mãe, Aurora, agora buscando o remédio capaz de ajudar Perseu, descobre desafios criados pelo novo governo draconiano. Agora ela vai descobrir que para unir sua família, ela precisará não só encontrar paz, como tam...