Frio descia na vastidão descampada, com rajadas que se esfregavam no pescoço e arrepiava os pelos. A fogueira acesa, cintilava e se movia na direção do vento, ora curvando-se, ora mantendo-se reta. As diversas cores no fogo, atraiam os olhares daqueles que ainda estavam acordados: um elfo, uma mulher e um jovem homem.
Destes, apenas o elfo sentava-se de costas para a fogueira, olhando algo que só ele podia ver no horizonte. Tinha nas mãos uma ocarina, que tocava quando lhe convinha. Já a mulher e o jovem, conversavam aos sussurros procurando não acordar uma jovem deitada ao lado do rapaz.
- Ainda bem que ela dormiu.
- Sim... estava tão cansada. - Pousou a mão sob a cabeça loira de leve. - Nunca a vi chorar tanto.
- Ah, sim, quando ela era pequena, Aurora chorava bastante. Mas depois que cresceu, parou de repente, como se alguém tivesse dito a ela para não chorar mais.
- Você é a mãe dela, né? - Perguntou receoso de que suas palavras a ferissem de alguma forma.
- Sim, não fui eu que trouxe ao mundo, mas sou a mãe dela. - Olhou a jovem acompanhando o movimento de seu peito que subia e descia. - Acho que nós não nos apresentamos antes, não é mesmo?
Assentiu com a cabeça.
- Eu sou Elizabeth, mãe de Aurora.
- E eu sou Perseu, prazer.
- Você é o namorado dela?
O mal entendido o fez corar.
- Não, não, somos só amigos.
"Mas não é o que parece." Pensou ela olhando sua reação.
Ficaram os dois em silêncio, em um estranho espaço que não sabiam o que dizer. Perseu queria muito conhecer não só a mãe de Aurora, como também o pai, e quem sabe, algum dia, vir a pedir permissão para cortejá-la. Mas a situação atual nunca foi o que ele havia planejado.
Pensava que conheceria os pais dela em um jantar ou ocasião especial, onde poderiam conversar calmamente. Mas agora estavam os dois ali, sentados no chão ao relento, ouvindo a fogueira e os grilos da noite.
- Quem era aquela mulher? - Perguntou o rapaz para puxar assunto.
- Quem?
- Aquela que enterramos.
- Era uma amiga antiga de Aurora. Bom, ela nunca me apresentou à ela, mas eu sabia que quando criança passavam bastante tempo juntas, porque às vezes, ela trazia Aurora de volta para casa dormindo em seu colo.
- Então se conhecem a muito tempo mesmo.
- Sim, sim. Ela não tinha nem 3 anos quando fez amizade com ela. Mas acho que ela não era humana, porque não podia falar comigo.
A questão alertou o príncipe, pois por algumas horas, ele tinha se esquecido de que era um dragão. Não que este fato não fosse óbvio para ele, mas ele se esquecia de como isso era incomum para humanos.
- Não são todas as criaturas não humanas que não podem falar.
- Ah, sim, eu sei disso. Tem alguns como aquele ali - apontou o elfo que tocava ocarina - que conseguem falar mas preferem ficar mudos.
- Hahaha, verdade. - Parou e pensou um pouco. - Mas o que você faria se eu dissesse que não sou humano.
Lise arregalou os olhos por um momento, mas depois soltou um leve riso, e virou o rosto para o céu. Era um sorriso que parecia torná-la mais velha e sábia.
- E tem algo que eu possa fazer? Se você não é humano, você não é humano, mas isso não te faz automaticamente uma ameaça, é só o que você é.
Perseu olhou-a intrigado.
- Não era a resposta que vocẽ esperava, não é? - Virou-se para ele ainda sorrindo.
- Não, tenho que admitir que não.
- E se eu dissesse que já nos encontramos, você acreditaria?
Não respondeu, apenas piscou algumas vezes olhando bem sua fisionomia, e procurando se lembrar de onde a conhecia.
- Em Arshaffa, você apareceu com seu pai. Isso foi no início do ano retrasado.
- Você era a senhora de lá! A condessa! - Exclamou impressionado.
- Sim, eu era.
O príncipe continuou olhando-a agora um tanto assustado por perceber o quanto ela havia mudado. Ainda era a mesma pessoa, podendo-se perceber que os traços principais permaneciam. Mas, ainda assim, estava muito mais magra, e seu semblante tinha perdido um pouco de sua juventude. Ainda era uma bela mulher, mas havia uma tristeza escondida em algum canto daquele rosto que a fazia completamente diferente.
- Desculpe não ter lembrado de você.
- Não se preocupe, Príncipe Perseu.
- Prefiro que me chame de Perseu apenas.
Concordou com a cabeça.
- Sim, você também mudou muito desde aquela época.
"Parece muito mais humano." Completou em sua mente, sem ousar falar isso em voz alta, pois não sabia se isso ofenderia o dragão.
Os dois continuaram conversando, com a música de Ellonis de fundo, durante algumas horas. Quando Lise sentiu-se mais cansada, deitou-se e adormeceu. Perseu continuou acordado, e resolveu curar a costela quebrada de Aurora. Ele não era muito bom em magia de cura, mas pelo menos tentaria seu melhor.
Ellonis continuou sozinho mesmo depois que Perseu resolveu tirar um cochilo. Ele assistiu o sol nascer enquanto alimentava os cervos. Olhou os outros dormindo, uns próximos dos outros, procurando conforto no calor alheio e sentiu algo.
Era a primeira vez que ele sentia algo humano, uma pontada no peito. E por um momento, quis deitar-se ao lado dos outros, para pelo menos não ficar sozinho.
Mas não o fez.
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A princesa e o dragão - A última guerra - Terceiro Livro
Historical FictionApós ter encontrado e resgatado sua mãe, Aurora, agora buscando o remédio capaz de ajudar Perseu, descobre desafios criados pelo novo governo draconiano. Agora ela vai descobrir que para unir sua família, ela precisará não só encontrar paz, como tam...