Quinta-feira, 19 de janeiro

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(Jungkook)

São 3h da madrugada. Stella está dormindo no sofá da sala e, Ji-eun  expulsa com delicadeza a mim e Yoon do quarto de Jimin, nos mandando respirar um pouco de ar puro enquanto ela verifica o cateter, que causou uma infecção. É um ritual de hora em hora para manter Jimin confortável. Normalmente, Yoon e eu nos recusamos a sair, mas acho que chegamos a um limite. Nós precisamos recuperar o fôlego.

A vista do mar no deque é inacreditável. A água parece continuar para sempre.

Com tudo que passei no último mês, estou começando a ter medo de minha realidade estar distorcida para sempre. A vista é linda, mas é uma beleza diferente do que eu veria dois ou três meses atrás. Dois ou três meses atrás, seria viva e vibrante, como Jimin. Meu mundo está ficando preto, branco e cinza. Isso me assusta.

Yoon está apoiado na grade, fumando um cigarro. Os olhos estão fechados e o cabelo parece um ninho amarelo de pássaros. Sei que ele está deixando as coisas acontecerem. Ele não dorme há semanas. Está se arrastando. Parece derrotado. E não fala muito, a não ser com Jimin ou Stella, e Jimin não responde há dois dias.

— Qual é sua primeira lembrança de Jimin?

Ele não abre os olhos nem olha para mim quando responde.

— Andei pensando sobre crescer com Raio de Sol e Hyuna. Eles estão em quase todas as lembranças que tenho da infância. Não tenho uma primeira lembrança porque eles sempre estiveram presentes. Não me lembro de uma época em que não estavam. Eu me lembro de outras primeiras vezes. A primeira vez em que Raio de Sol foi queimado por uma água viva foi com quatro anos. A primeira vez que o ouvi tocar violino foi quando ele tinha oito. A primeira vez que ele me xingou foi com onze anos. A primeira vez que me dei conta do quanto ele era lindo foi quando ele tinha dezesseis. A sunga era branco, aliás.

Ouvir essas coisas sobre ele é agridoce, mas quero saber mais.

— O Jimin de vinte anos é muito diferente do Jimin de dez? Ele parece uma alma velha. Como se tivesse nascido com essa maravilhosa sabedoria e essa graça toda.

Ele ri, mas termina o cigarro e acende outro antes de falar.

— Raio de Sol sempre foi diferente das outras crianças. Mais inteligente, mais legal, mais engraçado — diz. Ele finalmente olha para mim e sorri. — E mais boca suja.

— Essa boca suja dele já o meteu em confusão? — Falar sobre ele está me relaxando.

Ele balança a cabeça.

— Ursos cagam na floresta? O que você acha? Mas essa é a questão: as pessoas sempre recuam quando ele bate o pé. E o amam e respeitam por isso, porque sempre tem verdade por trás do que ele faz. Aquele homenzinho  é capaz de fazer homens grandes se acovardarem, acredite, já vi. Porra, eu já me acovardei. — Ele ri.

Eu rio junto.

— Eu também.

Estou apoiado na grade, a trinta centímetros dele. Nós estamos olhando as ondas baterem na areia enquanto o silêncio se prolonga entre nós. Ele coloca o segundo cigarro no cinzeiro e acende o número três.

— Jungkook, vou fazer uma pergunta e quero que você seja sincero comigo. Sem sacanagem, cara.

Ele olha para mim com o canto do olho, e eu faço que sim.

— Você o ama, certo? Quer dizer, você o ama com todo o coração e toda a alma?

Eu faço que sim.

— Amo. De coração e alma.

Ele pensa na minha resposta por um segundo e olha novamente para as ondas.

— Que bom, porque aquele garoto ama você com todo o ser que ele é. Eu te daria uma porrada se você não sentisse a mesma coisa. — Não é piada. Ele está falando sério.

Eu devia ficar de boca fechada, porque sinto que em qualquer outra circunstância o que estou prestes a dizer seria impróprio, mas o cara precisa botar isso para fora.

— Você também o ama. — Não é uma pergunta.

Ele está concentrado nas ondas ao longe. Dá outra tragada no cigarro.

— Claro. Ele é meu melhor amigo. Quem não amaria Raio de Sol?

 Estou olhando para as mesmas ondas porque não consigo olhar para ele.

— Não é isso que estou dizendo. De coração, você está apaixonado por ele?

Os ombros dele murcham.

— Você não quer ouvir essa resposta, cara.

— Provavelmente não, mas vejo a forma como você olha para ele. Essa coisa toda está acabando com você em um nível diferente. Sinto que estou olhando em um espelho quando olho para você.

Ele bufa e passa as mãos pelo cabelo, puxando em um rabo de cavalo. Ele quer botar para fora, mas está se segurando por mim.

— Yoon, você precisa falar com alguém. Concordo que posso não ser a pessoa ideal, mas qualquer coisa que você disser vai ficar entre nós.

Ele finalmente me olha nos olhos. Sustenta meu olhar antes de piscar várias vezes e suspirar.

— Ah, foda-se. Sim, estou apaixonado por ele. Não consigo me lembrar de uma época em que não estivesse.

Era disso que eu desconfiava.

— Você contou para ele? De verdade?

Ele vira de costas para a água e se senta na grade, virado para a casa.

— Não.

— Por quê? — São 3h. Estou discutindo o amor de outro cara por meu namorado e estou com muita pena dele. Preciso dormir.

— Porque eu sempre achei que ele merecia coisa melhor. Eu sabia que encontraria alguém tão incrível quanto ele. Era tudo que eu queria para ele. — É uma das coisas mais sinceras que já ouvi.

Eu vou até o outro lado do deque. Não consigo olhar para ele quando digo o que precisa ser dito.

— Eu sei que você dormiu com ele. Na noite antes de ele ir para Grant.

Estou esperando que me desafie, que me pergunte como posso saber uma coisa tão particular, mas ele não faz nada.

— Foi a melhor noite da minha vida, cara. Desculpe, sei que é ruim dizer isso para você, mas foi.

Eu me viro para olhar para ele e faço que sim. Há uma camaradagem esquisita que só pode ser resultado da falta de sono e da morte iminente.

Ele balança a cabeça como se estivesse pensando duas vezes sobre abrir a boca de novo, mas ele abre.

— Jungkook, cara, não precisa responder, mas você tem medo de nunca mais ser o mesmo depois que ele se for? De que o restante da sua vida seja um buraco negro sem fim, privado de felicidade e amor?

Eu faço que sim.

— Não gosto de pensar assim, mas não consigo evitar às vezes. Eu o conheço há pouco tempo, mas ele me mudou completamente. Sinto que devo a ele não desperdiçar isso, sabe? Mas, sim, vai ser difícil. Todo santo dia, cara.

Ele anda até mim e me dá um tapinha nas costas. Os olhos parecem cansados de novo.

— Vamos voltar lá para dentro. Obrigado por ouvir, cara. Nós nunca tivemos essa conversa, combinado?

Concordo.

— Combinado.

— E obrigado por não me dar um soco na cara nem arrancar minhas bolas. Não sei se eu conseguiria fazer o mesmo se estivesse no seu lugar. Você é um bom sujeito, Jungkook. Não é surpresa que Raio de Sol ame você tanto assim.

Eu tenho que olhar nos olhos dele para que ele acredite no que estou prestes a dizer.

— Você também não é ruim. Ele ama você, Yoon.

Ele faz que sim e abre a porta.

— Não gosto de deixá-lo esperando. Nunca deixei. Vamos.

Raio de Sol (Jikook)Onde histórias criam vida. Descubra agora