Capítulo 8

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O fôlego de meus pulmões eram extinguidos, eu já não sabia como respirar, algo simples tornou-se um árduo trabalho, eu tentava o buscar, por ele eu suplicava, mas ele não vinha, era como morrer. Agora, se algum dia eu fosse questionado, eu saberia as palavras exatas para descrever.
Sobre o monte Everest eu estava a escalar, pouco para o topo alcançar, e quanto mais dos céus eu me abeirava, as forças que me restavam para viver se aproximavam de findar, o ar que já era pouco se abrandava, a pressão atmosférica a me puxar abaixo, minha mão já não aguentando mais segurar todo o peso do meu corpo, usando toda a força restante para segurar na montanha, então os pés passavam a congelar, eu deslizava, tentava gritar, mas não emitia sequer um som, a mão esquerda falhava, os pés já não tinham superfície para se manter, apenas pela direita eu me sustinha.

Meus olhos oscilavam de um lado para o outro, a olhar cada um daqueles que com apenas com a visão eram capazes de me devorar, eu sentia minha carne a ser por dentes afiados mastigada. Eu era a caça, e todos eles, os caçadores. Apenas uma presa, que não havia para onde correr, uma ovelha a ser consumida por coiotes. Como Daniel perante os leões na cova, mas eu não era como ele, eu seria devorado.

Voltei meus olhos para as senhoras, Dona Loló em específico, com expectativa eu era fitado. Olhares curiosos, esperando ouvir algo que por eles já era premeditado.
Eu não tinha escolha. Em momento algum a opção foi me dada! Isso minha ira despertou.

Agora, com meus olhos grudados em Hilda Furacão, que estava ao lado de meu amigo, Roberto, ela o encarava, com certa angústia, com medo. Ela me temia, eu percebi. Seus olhos tremeluziam, eu pude analisá-los quando para mim eles tornaram. Eu já era capaz de respirar novamente. Nada mais era de suma importância, além dela, meu milagre.

Em suas orbes havia rancor, mágoa, temor, e esperança, ela os semicerrava, sua pupila a oscilar, estavam grandes, tão grandes que tornava quase impossível contemplar íris azuis celeste, se assemelhavam a jabuticabas, minha fruta favorita. Seus dentes a mordiscar seu lábio, o deixando ainda mais rubio, suas sobrancelhas franzidas, revelando todo seu afligimento.

Eu era capaz de lê-la, tal como a Bíblia sagrada. Aquela mulher se assemelhava ao divino, um anjo caído, que em sua mente o demônio habitava para a desviar dos caminhos de Deus, restava a mim resgatá-la do mal. Eu sabia, desde o momento que nossos trajetos se cruzaram, era da vontade divina.

Agora Deus tinha tornado seu olhar para mim, eu sentia, ele me dera a resposta que eu tanto buscava.

Pude ver a feição de Hilda Furacão mudar para confusão, quando as palavras de minha boca saiam, fitando diretamente ela, sem piscar, sem vacilar por sequer um segundo, ignorando totalmente a existência de qualquer um que habitava o mesmo recinto, ali era apenas eu, ela, e Deus. Em sua total compleição ela estava, o azul me convidava, me desafiava, me deixava sem saídas, mas eu já não necessitava de abrigo, pois em toda sua corporatura me deu forças para dizer:

-Meu senhor tem falado comigo por hoje, e me enviou aqui para que essas almas pecadoras guiar, para elas poderem ter salvação, não para serem exiladas de Belo Horizonte! Que mal fizeram estas mulheres a alguém? Elas só precisam do caminho que as leve ao céu! Jesus Cristo com prostitutas andava. Recordam de suas sentenças? Aquele que jamais pecou, então que atire a primeira pedra. Quem somos nós para discordar da palavra do mestre? Não nos cabe isso. É dever de Deus, e apenas dele, todos aqui somos de carne, todos aqui temos ossos, órgãos, um coração, uma mente que tende a nos enganar. Eu cá estou apenas para cumprir com a vontade de meu divino pai, que vem a sussurrar em meus ouvidos as palavras que venho a proferir. Eu sou a favor dos valores da família, mas defendo muito mais a vontade do meu senhor, que vive e intercede por nós!-

Minha boca entreaberta estava seca, sedenta por água, como se eu estivesse perdido em um deserto a centenas de dias, o calor a me sufocar, mas eu já não temia, pois ele estava comigo, a me consolar, a me proteger, e ela a me fitar, olhos arregalados, era a única coisa que naquele momento a mim tinha valor. Aquele ponto, Dona Loló não existia, as outras senhoras muito menos, todos aqueles homens também não, comunistas ou capitalistas, lá eles não estavam, sequer as outras camélias, os políticos, o padre, não, ninguém mais, apenas Hilda Furacão, éramos sós no mundo, pela graça que a divindade nos dera, apenas eu e ela.

Eu pude destrinçar naquele momento que Português não era a única língua que eu era hábil a falar. Eu era fluente em sua estatura. Eu sabia lê-la, essa era minha linguagem, e eu era fluente em seu corpo. O celeste azul que com temor me encarava, sobrancelhas levantadas em descrença, aqueles lábios entreabertos, seu peito a subir e descer de maneira desesperada, a implorar por ar, isso destacava seus pequenos seios e sua clavícula. Ela pulsava, eu podia sentir, seu coração. Tudo que em sua cabeça se passava eu era capaz de desvendar. Ela implorava por mim, pelo milagre que eu a ela cederia, sem qualquer luta, eu daria tudo que seu coração estava a desejar. Eu era perito em Hilda Furacão, em todo seu esplendor.

Voltei para meu lugar, sem parar de a encarar, eu sequer olhava para frente, o que resultou em pés a serem pisados. Sentei-me no mesmo lugar de antes, ao lado de Dona Loló, que com voracidade seus olhos me matavam.
Apenas aguardei o debate prosseguir-se após minha fala, que deixou a todos chocados. Eu ouvia murmúrios, mas nada disso possuía relevância alguma sobre mim.

Pois agora, de onde eu estava, eu podia ver Hilda Furacão de maneira privilegiada, ela estava sentada à minha esquerda, pouco mais a frente, o que me permitia ver a lateral de seu rosto e corpo, suas pernas que permaneciam cruzadas, uma sobre a outra, a de cima balançando freneticamente, o sapato ia para frente e para trás, em sinal de toda sua aflição. Ela pôs a mão esquerda sobre seu peito, acredito que para acalmar seu coração, que naquele instante deveria pôr estar a mil por hora. Senti necessidade de senti-lo, desejei ser sua mão, que em seus seios repousavam, pude sentir o calor que emanava de sua pele somente por imaginar, pude ter sua pulsação em minhas mãos. Mas logo ela parou, e então, agarrou algo que havia em sua bolsa azul, um pequeno espelho, que eu olhei, e pude ver os cristais que em sua vista existiam. Havia dor em seu olhar, eu sabia, que lágrimas estavam a pouco de escorrer por suas bochechas, eu deveria ampará-lá! Era esse meu dever!

De meus pensamentos fui tirado, ao ouvir o som da voz do juiz, que lia o papel em sua mão. A votação já havia sido entabulada a alguns minutos, e eu sequer notei isso!
Apenas um único voto faltava para definir o destino da Zona Boêmia, que até então, os dois lados estavam empatados. Eu senti pavor, e ela, de meu sentimento compartilhava, era como se fossemos só um, como se a cada sentimento de que ela gozasse, também a mim pertencia.

-A Zona Boêmia permanece em Belo Horizonte. Aqui encerramos o projeto, está oficialmente negado!-

A salva de palmas tomou conta do ambiente por a maior parte de todos que ali estavam presente, já outros, pareciam incrédulos, e eu sabia que por isso me culpavam.

Hilda pôs-se de pé, acolhendo o corpo de Roberto com seu corpo, os braços ao redor de seus ombros, sorrindo abertamente, a primeira vez que a vi sorrir. A transmitir todo seu alívio. Ela era uma mulher carinhosa, que sorria com a alma, a mostrar todos os dentes, que eram brancos como pérolas, seus pré-molares eram afiados. Era a primeira vez que eu a via sorrir, mas a mim não era direcionado, mas deveria! Eu era o merecedor, eu assumia a culpa de ser o responsável pelo projeto ter sido negado. O que ela devia? Por qual razão não era eu a ser abraçado? Era a mim que aquele abraço pertencia, era eu seu salvador!

Então Deus tomou a posse de meu corpo, em passos firmes, até ela eu me encaminhei, com mãos estendidas.

Meus dedos a vibrar. Ela a encarar, devoção, desejo, súplica. A cabeça a se curvar, perante a mim, Hilda Furacão, defronte a mim se prostrou, sem desviar os olhos dos meus, sua pupila oscilava, eu pude ver as íris de perto, sentia o calor de sua respiração em minhas mãos, então senti em mim os toques de seus lábios, que estavam molhados, eram quentes e macios, eu ouvi o estalar da sua boca, um som que eu jamais ouvirá, prece nos olhos que por sequer um segundo desviaram. Tornou a cabeça levantar, e minhas mãos eu abaixei, ainda sentindo o toque do ósculo sobre elas.

-Benção, Santo.-

Por meu corpo inteiro percorreu uma pulsação, que não cessara.

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Notas da autora:

Confesso que foi divertido escrever esse capítulo, apesar da linguagem estar mais simplória que os anteriores, algo nele me agradou. Também gostaram? Ou acharam que decaiu? Podem ser sinceros, pois isso me daria a oportunidade de melhorar ele, quero proporcionar uma leitura cativante e agradável.

Aviso que o que está por vir, é ainda mais excitante. Espero que tenham gostado tanto quanto eu gostei! Agora a fic se encaminha para um rumo diferente da novela, o que me deixa bem feliz, pois odeio copiar cenas que já existem, e adoro criar coisas novas.

Qualquer crítica é muito bem vinda, se perceberem um erro eu agradeceria de ser alertada ❤️

Bjss

A meretriz - Hilda Furacão Onde histórias criam vida. Descubra agora