E desde o princípio, quando Deus criou o primeiro homem, e em seguida a primeira mulher, para ser sua companheira, a serpente a tentou.
O Satanás a fez pecar, e ela arrastou aquele que Deus fez a sua imagem e semelhança consigo para o pecado.Desde o princípio a mulher foi a ruína do homem.
Me lembro de quando Padre Nelson me ensinou isso, com suas sábias palavras, enviadas por Deus para ensinar os mais fracos.
Eu nunca me reconheci como um homem fraco.
Desde minha infância eu me sentia completo, ouvindo a palavra de Deus, o servindo com total devoção, era apenas a ele e seu filho amado de que eu era necessitado, e claro, minha amada madrinha, a santinha de Santana dos Ferros.
Mas agora, era como se algo não estivesse em seu devido lugar em minha vida.
-A meu senhor, por qual motivo eu me sinto assim? Eu me sinto só. Como se uma parte de mim estivesse perdida, faltando. Me sinto preso em um limbo. O que é isso meu pai?-
Eu virava em minha cama, a tentar achar uma posição confortável para deitar-me, mas meu peito doía, uma dor profunda, uma angústia que eu sentia que estava a me consumir aos poucos.
Desde que falei minhas palavras no rádio, eu me sentia assim. Hilda Furacão não viera ao meu encontro. O milagre ainda parecia longe de ser operado. E isso me angustiava, eu perdia esperanças, mesmo fazendo apenas um dia desde a entrevista, era como se o tempo não estivesse a passar, e eu a esperava, sempre que pisava meus pés na igreja, fora de meu dormitório, eu olhava em volta, a procurando, eu queria sentir o milagre feito por mim, mas era como se ele estivesse cada vez mais longe, a cada segundo que passava.
Deslizei minha mão abaixo do travesseiro, e o agarrei em minhas mãos, puxando-o para cima, onde eu o segurava acima de meu rosto, e podia vê-lo em detalhes.
Ele era a única coisa que acalmava meu coração, era a ligação que eu tinha com a pecadora, enquanto eu estivesse com ele em minhas mãos, haveria chances do milagre ser executado.
Era por volta das três horas da tarde, o sol iluminava meu quarto, iluminava minha angústia.
Olhei aquele sapato que eu segurava agora contra meu peito pela última vez, antes de o guarda novamente sob meu travesseiro, e levantei-me, a caminho da igreja, junto com outros freis, para tomarmos juntos a hostia sagrada.
Eu olhava em volta enquanto andava, observando cada detalhe do belo convento. O lugar que me trazia ao menos um pouco de conforto para minha alma.
Entrando na igreja, uma fila formou-se, estando eu ao meio. Mantinha meus olhos fechados, a angústia não passava, eu sentia meu peito ardendo, como se meu coração estivesse a ser esmagado.
Logo chegou minha vez, meu superior levou a hostia até minha boca, quando um alívio finalmente percorreu meu corpo, logo me virei para trás.E foi então que eu a vi.
Como se então o mundo ao redor parasse, dei passos a frente.
Ela estava ali, por mim, eu sabia.
Algo dentro de mim mudou naquele momento.
Eu senti vontade de sorrir.
Ela olhava em meus olhos, como se fosse capaz de enxergar minha alma.
Eu conseguia sentir a presença de Deus naquele momento.
Ela tinha uma aparência pura, tão diferente do outro dia que eu a tinha visto, a feição de raiva não habitava seu rosto, seus olhos azuis eram tal quais o céu. E sobre seu corpo, um vestido com rosa floral, sem decotes, apenas sua clavícula exposta.
Ela deu um passo a frente, mas vacilou, e virou para trás, pronta para ir embora, deu passos apressados para fora, como se algo estivesse a atormentar.
Eu não exitei em a seguir no exato momento, corri atrás dela, sem ao menos pensar em minhas ações.
Ela virou-se para mim. A raiva em sua face havia retornado, estufou o peito, ela me olhava com desgosto, mas algo a mais havia ali. Uma dor, uma angústia, a mesma que eu estava a sentir.
Então ela disparou as palavras para mim, com amargura em seu olhar.
-Está achando que eu vim aqui por você? Pois bem, tire o cavalinho da chuva! Eu nao quero saber de você. Eu vim dizer a você que me deixe em paz! Pare de me perseguir! Mandar recado pela rádio, denegrir meu nome com aquelas senhoras pela rua o tempo todo! Que você faça essa sua campanha para me expulsar, botar a gente pra fora do lugar que é nossso, pois é nosso! E me esqueça. Quer realizar seu milagre? Pois bem, ache outra. Eu estou bem, vivendo do jeito que eu gosto? Ouviu Santo? Do jeito que quero e gosto, estou totalmente satisfeita com minha vida, então escolha outra, comigo não! Me deixe em paz, santo. Não preciso que você me salve de nada. Eu quero que você me esqueça!-
Ela me olhava com mais puro ódio. Mas eu sentia a dor em seu tom de voz ríspido. Ao se virar para ir embora, então, fui rápido ao segurar seu pulso.
Ela tentava desvencilhar-se de meu toque.
-Eu achei, Hilda, eu achei. Seu sapato está comigo, esse tempo todo, de baixo de meu travesseiro.-
Eu a soltei.
Ela me olhou por uma última vez, a feição de ódio mudada, olhar desacreditado, e foi embora correndo, como se já não fosse a mesma que falou aquelas palavras anteriormente.
E pela primeira vez em dias, a paz habitou meu coração. Eu já não estava mais sufocado em um limbo.
Lágrimas de alívio percorriam por meu rosto.
Levei a mão até meu peito, eu o sentia batendo forte.
O milagre estava perto, aquela alma seria salva.
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A meretriz - Hilda Furacão
FanfictionAlgo sombrio, mortífero, algo atroz pairava sobre sobre aquela mulher, foi o que me contaram... Algo desconhecido por todos, uma nova força maligna, ávida pelo sangue dos homens errantes, fracos, cuja almas da salvação divina necessitavam. Pois por...