Capítulo 13

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De sua pele fluía chamas, pois em seu âmago percorria um incêndio, ateado por mim, eu sabia, fora eu que as lenhas sobre seu interior arremessei, que o álcool joguei, que o fósforo risquei, eu aticei sua pólvora, que morava dentro dela, fui eu. As chamas puxavam meu corpo para cima do seu, a atração que o fogo tinha sobre meu ser, me arrastava, junto a ela me queimava, mas não me trazia sequer uma lamúria, nadar em seu fogo era minha carência, eu necessitava, queria apenas em cinzas ser transformado. Eu era o responsável de toda sua combustão. O autor de todas suas causas, todos seus delitos, todas suas loucuras, iniquidades, todo seu penar, em todo seu gozar, seu esbanjar de alegria, sua folia, tudo em que se deleitava, era eu, a servir um banquete, misto de tudo que havia no mundo.

O bárbaro temporal, selvagem, rugindo nos céus, raios hediondos a no céu, o rasgando, avultando, o estrondoso som a ecoar sobre Belo Horizonte, a desamparar o coração daqueles que buscavam por refúgio, juntamente com uma ventania atroz, que fazia as árvores, que tão fortes outrora pareciam, oscilarem para a frente e para trás, bruscamente. 

O cheiro do cair das águas sobre as pedras e sobre a grama, causava paz a meu ser, e misturado a ele estava sua essência, aquele perfume floral, e o cheiro de baunilha que dos cabelos emanava, que eu sentia tão perto de meu rosto, me deixando embriagado aos poucos, coisa que jamais comigo acontecera, mas agora eu sabia a exata sensação. Ela era tão mais eficaz no trabalho de me deixar assim do que qualquer vinho seria capaz, ela era o álcool que por minhas entranhas entrava, consumindo por completo minha sanidade.

Mesmo tão molhada, era tão quente, eu sentia sua pele sobre a minha, enquanto corria, a segurando pelas pernas, seu tronco sobre meu ombro, suas coxas tão perto de minha cabeça.

Meus olhos puderam avistar perante mim a entrada para o convento, meus pés errôneos se apressaram em correr ainda mais rápido, o peso em cima de meus ombros fazia diferença alguma, era como se para tal ato meu corpo tivesse nascido, como se eu fosse apto a isso, para a carregar, ser seu servo, a levar para onde quer que fosse, meu dever. E de fato era uma verdade, pois breve eu a levaria para o paraíso, onde entraria sem relutância, e Deus amado nos receberia, de braços abertos, prontos estaríamos para a vida eterna, tão longe de pecados. 

Nossos corpos adentraram a porta de madeira, senti algo divino cair sobre nós, agora nada me impediria, não havia ninguém lá, todos em seus devidos quartos, era Cristo quem ordenara! Me encaminhei para meu quarto, em passos, e agora fora da chuva, foi quando eu pude sentir o frio a adentrar, e invadir meu corpo, que foi fugaz ao abrir a porta, ainda com a mulher a ser carregada por meus braços, e a fechei, com uma forte batida, um estrondo ecoou, juntando-se com o barulho destruidor que vinha de lá de cima.

-Me põe no chão, agora, agora! Solta!-

Ela empurrava com as mãos minhas costas, a tentar pegar impulso para descer de meu colo, mas dor alguma era capaz de causar, mas mesmo assim, um gemido falso saiu de meus lábios inevitavelmente, e então eu a obedeci, a pondo em cima de minha cama, com lençol branco. Ela parecia vulnerável, a precisar de meu amparo. Eu era o único a saber quanta miséria sobre aquela alma pairava, apesar de ser perita em saber as emoções esconder, em a ler eu era perito, nada sobre aquela mulher poderia ser um mistério aos meus olhos.

-Como ousa me pegar no colo? Eu não sou feita de açúcar! Tenho pernas se você não notou. E ainda me pegou como se eu fosse um saco de cimento, Santo! Você é louco?-

A voz rouca exclamava com todo seu furor e inquietação, não pude deixar de reparar em como Hilda era agitada, de fato, o apelido fazia jus a quem era, ela era um furacão, um ciclone que derrubava todas as barreiras que em mim existia, sem malícia e intenções, ela simples, ela fazia sem que sequer notasse, tornava minha pressão atmosférica inexistente, minha temperatura ela aumentava, e tudo que mantinha-me preso ela destruía. Era esse o poder do divino milagre, concedido a mim pelas mãos do meu senhor.

A meretriz - Hilda Furacão Onde histórias criam vida. Descubra agora